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1.2 Da visibilidade, um panorama

1.2.2 Na telinha

Apesar de se mostrar uma mídia mais cautelosa e conservadora que o cinema, até pelas próprias características de sua recepção, a TV também já abriu espaço para a presença de

personagens lésbicas. É certo, porém, que essa visibilidade só se tornou mais significativa, pelo menos no Brasil e nos EUA, a partir dos anos 1990.

Tropiano (2002) ressalta que, na TV americana, o tema da homossexualidade ficou restrito a talk shows até meados dos anos 1960 e que a presença mais expressiva de personagens gays e lésbicas ocorreu a partir dos anos 1970, especialmente nas séries de TV, que são o formato por excelência da produção norte-americana. Em geral, as personagens apareciam em séries de temática médica ou de investigações de crimes e apresentavam uma mensagem contraditória sobre a homossexualidade.

Além da presença nesses programas, Tropiano lembra que as personagens homossexuais também começaram a aparecer em filmes feitos para a TV e em novelas e essas personagens viviam em um mundo predominantemente heterossexual. Em geral, o foco de suas aparições estava em algum personagem heterossexual e na sua dificuldade em aceitar a convivência com o homossexual, fosse ele um parente ou um amigo. Ou seja, esses gays e lésbicas sempre eram mostrados como estranhos no ninho.

Os anos 1990 são considerados por Becker (2006) como a década em que houve um significativo incremento na presença de personagens lésbicas, gays e bissexuais na TV. Se, nos anos anteriores, essas personagens apareciam esporadicamente em um ou dois episódios, passaram a ter presença semanal nos programas, integrando o elenco fixo. A única ressalva é que os programas em que apareciam se restringiam aos canais pagos.

OZ (HBO, 1997-2002), Sex and the City (HBO, 1998-2004), Undressed (MTV-1999-2001), Queer as Folk (Showtime, 2002-2005), Six Feet Under (HBO, 2001-2005), and The L Word (Showtime, 2004-) are only few of the series to push the envelope regarding television’s portrayal of gays and lesbians by including explicit depictions os nudity, same-sex intimacy, and gay sex, and often placing gay lives and friendship circles at the centre of their narratives. Of course, all of these series appeared on basic cable channels, not the networks (BECKER, 2006, p. 175).

De fato, como se pode observar na relação de seriados feita por Becker, os canais pagos HBO e Showtime vêm se destacando por serem muito abertos a personagens homossexuais. Não é por acaso que a Showtime produziu The L Word (2004-2009) e, tão logo a série acabou, investiu no primeiro reality show lésbico da TV, The Real L word, exibido nos Estados Unidos a partir de 20 de junho de 2010, pela Showtime, e no Brasil, no mesmo ano, em novembro, pelo GNT.

Apesar do investimento das duas emissoras, é importante recordar que o mais famoso outing lésbico da televisão foi exibido pela ABC, um dos maiores canais abertos da TV

americana. No dia 30 de abril de1997, a comediante Ellen DeGeneres e seu alterego, Ellen Morgan, assumiram a sua homossexualidade durante The puppy episode. No episódio ela se descobre apaixonada por uma amiga, conforme recordam pesquisadoras da lesbianidade.

Numa atitude inesperada, ela se declara: “Susan, I’m gay”. A comediante, com essa frase, não só assumiu sua homossexualidade no programa como na vida real, passando a aparecer nas revistas com sua então namorada Anne Heche. O episódio causou comoção nacional entre a comunidade lésbica norte-americana e, mais tarde, teve seu roteiro premiado pelo Emmy Awards 2007. Como influência de sua atitude positiva ao assumir sua lesbianidade, as pessoas passaram a ver mais e mais personagens homossexuais aparecendo nas séries (AUAD; LAHNI, 2013).

Auad e Lahni argumentam que essa presença crescente nos programas ficcionais colaboram para a redução do preconceito, pois mostra as pessoas da forma como elas simplesmente são. A repercussão do outing de Ellen é de fato inegável e mereceu atenção da mídia e de muitos pesquisadores, especialmente da mídia e academia norte- americanas. O episódio de fato entrou para a história da televisão e também da militância lésbica. Tropiano (2002) ressalta o impacto de se sair do armário para tantas pessoas ao mesmo tempo, de uma forma verdadeiramente midiática.

The most celebrated coming-out of a television character is this historic episode of Ellen, in which the serie’s title character, Ellen Morgan, admits to herself, her therapist, her six closest friends, and 36.2 million viewers she is a lesbian (TROPIANO, 2002, p. 248).

O outing de Ellen foi um marco e, como observado pelos pesquisadores, repercutiu nas produções futuras. Hoje, se observamos as séries de TV norte-americanas, ainda que não tenham foco específico como The L Word (2004-2009), primeiro programa de TV a ter como protagonistas um grupo de lésbicas, será raro apontar uma em que não tenha aparecido uma personagem lésbica, ainda que em apenas um episódio. Boa parte delas as mantém no elenco fixo, mesmo que não sejam protagonistas. É bom observar, ainda, que há muita divulgação e distribuição dos programas de TV na internet, seja no Youtube ou em sites específicos voltados para fãs, que disponibilizam seus programas prediletos para download. Com isso, muitos programas que, a princípio, teriam sua audiência restrita aos assinantes de TV paga, tiveram uma ampla distribuição, ainda que ilegal. O início dos anos 2000 tem incontestavelmente apresentado maior número de personagens lésbicas em programas televisivos, sobretudo nas séries. Esse incremento

é atestado por dados do grupo ativista pró-direitos dos homossexuais Glaad (Aliança de Gays e Lésbicas contra a Difamação, na sigla em inglês).

O número total de personagens lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros permaneceu o mesmo na TV dos Estados Unidos pelo segundo ano seguido, mas há uma representação mais igualitária de homens e mulheres… (…). Haverá 112 personagens LGBT em papéis regulares ou recorrentes nos roteiros de programas da TV nos Estados Unidos na temporada 2013-2014, e metade deles é interpretada por mulheres (SÉRIES NOS EUA…, 2013).

Ainda segundo a instituição, 2012 registrou o recorde de personagens LGBT em todos os programas feitos para a tv americana, mas até então a maioria das personagens era masculina. Na avaliação da Glaad, as redes de TV norte-americanas estão se esforçando para diversificar as narrativas. Esse esforço evidente das redes de televisão pode, na verdade, representar a impossibilidade de continuar negando a presença das diversidades, levando-se em conta que, num mundo digitalmente conectado, as imagens irão circular, queira ou não a mídia hegemônica tradicional. Platero destaca esse papel relevante da internet na divulgação e circulação da cultura desses grupos.

Internet está desempeñando un papel muy importante en la creación de una subcultura lésbica global que se adapta a cada contexto local, ya que pone a disposición de rodas aquellas mujeres que tienen relaciones con otras mujeres no solo una identidad lesbica, sino todo un catálogo de prácticas, imagines, redes y lugares virtuales y reales de encuentro (PLATERO, 2008, p. 128).

Um exemplo dessa proliferação de imagens sem o controle da mídia tradicional é a série de TV The L Word, que foi predominantemente vista pelo sistema de compartilhamento extrapolando e muito os canais de TV, no caso do Brasil da TV paga. Um dos indícios disso é uma pesquisa realizada pelo Orkut, rede social disponível na época em que a série estreou.

Para se ter uma ideia do quanto a internet ocupa esse espaço significativo entre as opções de acesso às séries, basta conferir os resultados da enquete postada no orkut, no dia 3 de março de 2009. A usuária Mah, da comunidade The L Word Brasil, do orkut, postou a seguinte pergunta: “Por ql dos meios seguintes vc tem acesso ao seriado?” [sic]. Até o dia 25 de maio, 470 pessoas escolheram entre as cinco opções deixadas pela autora. As respostas estão no gráfico a seguir.

(AGOSTINI, 2010, p. 64)