Capítulo 3 – Sobre os Aspectos Poéticos
Verso 11 io nascosi la fanciulla nella cuna
Significação e Progressão Poética
Dentre os cinco poemas que compõe Ofelia, L’Angelo Del Cimiterio é o que mais utiliza a subjetividade das metáforas para representar a essência da realidade. Passado o dia da morte de Ofélia, a persona descreve o funeral da personagem com detalhes tipicamente simbolistas: o esquife é descrito como uma miragem de ouro, as vestes de Ofélia morta são alvas e as flores que são colocadas sob sua mortalha são puras como o louro34. No caminho a ser percorrido até o túmulo (lugar de descanso da personagem, denominado metaforicamente berço - linha 11), há uma igreja da qual se ouve badalar os sinos na hora da Ave Maria35 (Ex. 12, linhas 7 e 8). A referência temporal aqui se evidencia no verso quando poi salì nel cielo ampio la luna (quando surge no céu amplo a lua, aludindo ao final da tarde). Quando anoitece, Ofélia é enterrada (Ex. 13, linhas 9 a 12): Ex. 12:
salutavano il passaggio la campane saudavam a passagem os sinos
dell’Ave Maria. da Ave Maria.
Ex. 13:
Quando poi salì nel cielo ampio la luna Quando surge no céu amplo a lua
come bianca face como branca face
io nascosi la fanciulla nella cuna eu escondo a criança no berço
e le dissi: pace! e lhe digo: paz!
34 Louro era o tipo de planta usada como coroa pelos grandes homens da Roma Antiga. Era sinônimo de honra, nobreza
e valor (MALLALLIEU, 1999, p. 496).
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Dessa maneira, este poema utiliza um cemitério como espaço de ação e o tempo pode ser definido entre o entardecer e o anoitecer, já que a lua surge na ação já no primeiro verso da última estrofe (Quando poi salì nel cielo ampio la luna come bianca face - Quando surge no céu amplo a lua como branca face, linha 9). Além das metáforas como forma de “fantasiar” a verdade, o simbolismo aqui se faz presente também por meio do uso do vocabulário litúrgico (Ave Maria, linha 8) e de termos que evocam a cor branca (branca face, linha 10), suas variáveis semânticas (pura, linhas 3 e 4; nuvem, linha 5; lua, linha 9) e objetos translúcidos (lua, linha 9 e miragem de ouro, linha 2).
3.3.5 - La Morta (A Morta)
Versão Original do Poeta Tradução para português
Vieni, e tanto che io t’aspeto, Vem, é tanto que te espero,
Io quì sola, sola, sola, Eu que sozinha, sozinha, sozinha, serro incroce le mie braccia; carrego a cruz em meu braço; vieni, a dirmi una parola, vem, a dizer-me uma palavra, vieni, a stringermi la faccia vem, estreitar-me a face tra le tue mani o diletta. entre tuas mãos, ó dileta. Serbo ancora sul mio viso Conservo ainda em meu rosto
bianco, bianco, come un fiore branco, branco, como uma flor Il baleno d’un sorriso, O instante d’um sorriso
e l’incanto dell’amore. e o encanto do amor. Appoggiata sul tuo petto Encostada em seu peito
sogneremo i sogni belli sonharemos os sonhos belos i ricordi più lontani; as recordações mais longínquas; tu mi bacerai i capelli, tu me beijará os cabelos,
io le tue pallide mani, e eu as tuas mãos pálidas, Vieni, e tanto che io t’aspeto. Vem, é tanto que te espero.
Persona e Modos de Endereçamento
Neste poema percebe-se um diálogo entre Ofélia e seu amado. Após seu funeral, a alma da personagem sozinha no Paraíso, espera por seu amado, que também anseia por reencontrá-la. Isto se clarifica já nos primeiros versos, quando percebemos a mudança de persona. No exemplo 24 observamos a pontuação depois da palavra braccia (braço) e a referência do amado à Ofélia, identificada pela palavra diletta (dileta):
76 Ex. 14:
Vieni, e tanto che io t’aspeto, Vem, é tanto que te espero,
Io quì sola, sola, sola, Eu que sozinha, sozinha, sozinha, serro incroce le mie braccia; carrego a cruz em meu braço; vieni, a dirmi una parola, vem, a dizer-me uma palavra, vieni, a stringermi la faccia vem, estreitar-me a face tra le tue mani o diletta. entre tuas mãos, ó dileta.
O modo de endereçamento é intimista tal qual o anterior, diferenciando-se daquele pelo uso das metáforas, agora mais restrito.
Forma, Métrica Poética e Esquemas de Rima
Linha Poema Esquema
de Rima Sílabas Poéticas
1 VIE/NI, E/ TAN/TO/ CHE IO/ T’AS/PE/TTO, A 7
2 IO/ QUI/ SO/LA,/ SO/LA,/ SO/LA, B 7
3 SE/RRO IN/CRO/CE/LE/ MIE/ BRA/CCIA; C 7 4 VIE/NI A/ DIR/MI U/NA/ PA/RO/LA, B 7 5 VIE/NI AS/ TRIN/GER/MI/ LA/ FA/CCIA C 7
6 TRA/ LE/ TUE/ MA/NI O/ DILETTA. D 7
7 SER/BO AN/CO/RA/ SUL/MIO/ VI/SO E 7
8 BIAN/CO,/ BIAN/CO,/ CO/ME UM/ FIO/RE F 7
9 IL/ BA/LE/NO/ D’UN/ SO/RRI/SO, E 7
10 E/ L’IN/CAN/TO/ DE/LL’A/MO/RE. F 7
11 A/PPO/GGIA/TA/ SUL/ TUO/ PE/TTO G 7
12 SO/GNE/RE/MO I /SO/GNI/ BE/LLI H 7
13 I/ RI/COR/DI/ PIÙ/ LON/TA/NI; I 7
14 TU/ MI/ BA/CE/RAI I/ CA/PE/LLI H 7
15 IO/ LE/ TUE/ PA/LLI/DE/ MA/NI I 7
16 VIE/NI, E/ TAN/TO/CH’IO/ T’AS/PE/TTO. A 7
Este poema é composto por 16 versos sem divisões estróficas, sendo eles isométricos e heptassílabos, obedecendo ao esquema de rimas alternadas ou cruzadas. Apesar de Monti não ter dividido La Morta em estrofes, há uma divisão implícita de versos, a qual se percebe não apenas pelas mudanças de recuo e pelo uso de versos soltos no início e no final da primeira e terceira
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pseudo-estrofes (linhas 1, 6, 11 e 16), como também pela conclusão das idéias poéticas. Como exemplos de aliterações (Ex. 15) e assonâncias (Ex.16) destacam-se:
Ex. 15:
Linha 2 - Io quì sola, sola, sola,
Linha 8 - bianco, bianco, come un fiore