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III. CATÁLOGO DA ESCULTURA DE INVOCAÇÃO MARIANA DO MASA

2. A Natividade de Cristo

dourados. Tem aos seus pés o crescente lunar e um trio de querubins, que encimam o globo terrestre envolvido por um dragão serpentino.

Peça mais orientada para o culto privado e familiar é uma Imaculada Conceição [FIG. 58] em marfim, exemplar de escultura indo-portuguesa também do século XVII. Com o estabelecimento de uma rota marítima até ao Oriente longínquo, começaram as trocas comerciais e culturais, cujo melhor exemplo é a “imaginária indo-portuguesa”, que articula os gostos e necessidades da encomenda dos missionários portugueses com a prática artista e saber oficinal dos artífices indígenas do Oriente. Estas peças apresentam um certo ar de família consoante a sua origem geográfica pelo tratamento dado aos panejamentos, dos cabelos e dos rostos. Somente policromada no cabelo e nos traços faciais, com douramento no debrum das vestes e em apontamentos decorativos, deixa transparecer a riqueza do marfim esculpido.

2. A NATIVIDADE DE CRISTO

Um dos mistérios fulcrais do cristianismo é a Incarnação do Verbo de Deus: a divindade que sai da eternidade e habita o tempo para se tornar próxima do homem. Planeada desde sempre no coração de Deus, toma lugar na história através do sim de uma jovem judia: Maria. O evangelho de S. Lucas (Lc 1,26-38) guarda um dos mais antigos relatos deste acontecimento. Estando sozinha a Virgem, um anjo irrompe em sua casa trazendo-lhe o anúncio da maternidade do Filho de Deus. Depois de um sobressalto inicial, Maria acede ao pedido. O baixo-relevo em madeira da Anunciação do Anjo [FIG. 65] narra esta cena com a Virgem à esquerda, inclinada para a frente com uma mão sobre o peito e a outra estendida, parece perguntar ao anjo Gabriel, que surge entrando da direita de asas abertas: “Como será isso se eu não conheço homem?” Enquadra a Virgem um arco abatido, que descarrega o seu peso sobre pilastras, onde se revela a fraca aptidão do escultor para resolver questões de perspetiva. Este elemento, conjugado com um gosto por fundos neutros e a forma como trata os panejamentos e as anatomias, aponta para as últimas décadas do século XVI ou as primeiras da centúria seguinte.

Continua a narração um outro baixo-relevo pertencente ao mesmo conjunto do anterior: a Visitação a S. Isabel [FIG. 66]. No centro da composição, enquadradas pelo mesmo tipo de arco, S. Isabel e a Virgem abraçam-se. Há aqui uma tentativa de conferir à cena uma maior tridimensionalidade no arco atrás das personagens centrais através de uma

III. Catálogo da Escultura de Invocação Mariana do MASA

2. A Natividade de Cristo

parede que continua uma das pilastras. Mas somente isso. No lado esquerdo, há uma personagem de cabelos compridos, que volta as costas para as duas mulheres dirigindo-se para fora de cena. Talvez vá avisar em casa da chegada da Virgem. Toda a cena respira uma alegre calma na saudação das duas mães: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o

fruto do teu ventre!” (Lc 1,42)

A forma mais habitual de representar o mistério da Incarnação é através da cena da

Natividade de Cristo, comumente designada como Presépio. A forma mais tradicional

representa a Virgem, acompanhada do seu esposo S. José, de joelhos em adoração do seu Filho recém-nascido, que está deitado numa manjedoura e é aquecido pelo bafo do Boi e do Burro. O único exemplar da Natividade de Cristo em escultura do MASA [FIG. 64] é uma placa de marfim de origem cingalesa, datada da transição de Quinhentos para Seiscentos, produzida dentro do mesmo contexto que a Imaculada Conceição em marfim já referida, onde o artífice reproduz na sua plasticidade oriental a iconografia ocidental. Estas placas em baixo-relevo eram utilizadas pelos missionários não como suporte visual paras a catequese e para os sermões, mas agrupadas também podiam fazer as vezes de retábulo na celebração dos sacramentos. Neste exemplar, são facilmente identificáveis as duas figuras principais: a Virgem e S. José, que ocupam a quase totalidade do registo inferior. Estão ajoelhados em adoração ao Menino segurado por quatro anjos entre os seus pais. É na representação dos animais, no canto inferior esquerdo, onde se nota mais a influência do artista cingalês. São seres fantasiosos algo semelhantes com o Boi e o Burro. Sobre S. José e a Virgem está esculpida uma estrutura geométrica, ocupada por animais e encimada por uma estrela, sugerindo o telhado do estábulo. Do lado direito, desenvolvem- se em registo sobreposto várias cenas evangélicas. A primeira é a cena da Adoração dos

Magos identificáveis pelas coroas e oferendas, mas apenas com dois em vez dos usuais

três. Segue-se o Anúncio aos Pastores, com um peculiar leão do mesmo tamanho dos pastores, e, uma cena raramente representada, de Herodes interrogando os Magos. Sobre esta cena um anjo com uma filactera nas mãos, separado do seu conjunto habitual do

Anúncio aos Pastores.

Muito mais simbólica do que narrativa, mas representando do mesmo modo o mistério da Incarnação do Verbo de Deus, é a iconografia da Virgem da Expetação, popularmente conhecido como Nossa Senhora do Ó. A sua festa litúrgica era celebrada no dia 18 de dezembro, desde o século VII na Península Ibérica. Uma possível explicação para a sua invocação é a forma oval da sua barriga de grávida. Porém, o mais provável será

III. Catálogo da Escultura de Invocação Mariana do MASA

3. A Virgem e o Menino

uma justificação litúrgica a partir das sete antífonas do Magnificat, hino evangélico atribuído à Virgem (Lc 1,46-55), que, na semana anterior ao Natal, entre 17 e 23 de dezembro, começam sempre por enfático vocativo “Ó”, sendo depois este associado à iconografia. A Virgem da Expetação do espólio do MASA [FIG. 01], peça em calcário, atribuída a oficina do século XIV sob a influência do mestre Pêro, representa a Mãe de Deus grávida, em fim de gestação, com a mão esquerda pousada sobre o ventre e a mão direita erguida, com a palma voltada para a frente, como sinal de aceitação da missão que Deus lhe confiou de trazer no ventre o seu Filho. A sua fisionomia apresenta os traços caraterísticos da escultura associada à prática do mestre aragonês: face ovalada de grandes olhos amendoados e mãos desproporcionalmente grandes perante o resto do corpo, numa clara indicação de preponderância de preocupações simbólicas sobre questões de representação realista. Pormenor particularmente interessante nesta imagem é a forma como traja vestes associadas, não a uma jovem virgem, mas a uma madura mãe de família. Veste uma túnica comprida, que se quebra junto aos pés, dos quais são apenas visíveis as pontas dos sapatos. Sobre a túnica, um escapulário e sobre a cabeça um véu e uma touca. Traz sobre os ombros um manto comprido, que desce igualmente até aos pés. Cinge a túnica e o escapulário à cintura um cinto, ao gosto medievo com uma ponta comprida, que cai verticalmente até à orla da túnica.

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