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III. CATÁLOGO DA ESCULTURA DE INVOCAÇÃO MARIANA DO MASA

3. A Virgem com o Menino

A arte cristã desenvolveu inúmeras formas de representar a Virgem com o Menino, atendendo à multidão de invocações que a colorida devoção popular ia formulando. Apesar das mais variadas soluções iconográficas encontradas entre uma miríade de atributos e composições, é possível agrupá-las em duas categorias, atendendo à dimensão teológica que mais se salienta. Em Cristo, a humanidade e a divindade unem-se e as imagens da Virgem com o Menino nos braços. É exatamente este mistério que procuram exprimir. Nunca perdendo esta ambivalência, as imagens têm sempre uma tendência para que uma das dimensões se saliente mais. Quando o foco está sobre a divindade de Cristo, a imagem assume uma posição sobretudo frontal, sem qualquer expressão de afeto entre a mãe e seu Filho. Um deles ou ambos seguram atributos que salientam a realeza e divindade de Cristo, como o globo terrestre, o livro, a romã ou o pássaro, símbolo da alma capaz de se elevar até Deus, ou realçam as virtudes da Virgem, como a açucena ou o lírio, sinais da sua

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3. A Virgem e o Menino

pureza. Recebem o nome de Virgens em Majestade. Por outro lado, quando a Virgem e o Menino trocam gestos de carinho entre si, é a humanidade de Cristo que sobressai. Os atributos muitas vezes mantêm-se mas o ambiente que se respira é muito mais familiar. Estas são as Virgens de Ternura.

Encontra-se no MASA uma Virgem de Ternura [FIG. 61] em calcário, atribuída ao século XIV, já bastante danificada, decapitados que foram as imagens da Virgem e do Menino. Não deixa contudo de destacar-se a sua qualidade plástica no tratamento dos panejamentos e das anatomias. De particular doçura é o gesto do Menino que coloca a sua direita dentro da gola da mãe. Esta imagem foi associada por D. Domingos de Pinho Brandão e Bernardo Xavier Coutinho à invocação de Nossa Senhora do Ferro, cuja capela se situava na rua Escura, perto da sé. Recebia este nome devido a um ferro que estava atravessado na porta da capela, que recebera o privilégio régio de livrar da pena de morte os condenados que, por ali passando, pedissem a intercessão da Virgem e conseguissem agarrar o dito ferro. Não se encontram registos escritos de tal privilégio, mas até 1606, altura em que as cadeias passaram para os lados da porta do Olival, atual Cordoaria, estas estavam colocadas perto da capela, na rua de Chã. Em 1681, funda-se junto à capela o Recolhimento do Ferro para acolher mulheres em necessidade, que em 1757 transfere as suas instalações para as escadas do Codeçal, ficando a capela abandonada. Com a demolição do arco de S. Sebastião, a sua imagem passou para a dita capela, ficando esquecida a invocação de Nossa Senhora do Ferro. Em 1928, foi apeada a agora capela de S. Sebastião. Não se sabe o destino real da imagem de Nossa Senhora do Ferro. É possível que a imagem tenha sido ou levada para as escadas do Codeçal aquando da mudança de instalações do Recolhimento do Ferro, ou tenha sido aí recolhida na altura em que a capela de S. Sebastião foi derrubada. O certo é que a Virgem com o Menino (MASA.Esc.0092) foi encontrada nos arrumos do Recolhimento do Ferro nas escadas do Codeçal, preterida por uma imagem mais ao gosto da época, podendo formular-se a hipótese de ser a Nossa Senhora do Ferro. 3

Uma outra Virgem com o Menino do acervo do MASA, imagem em barro de finais do século XVII [FIG. 49], tem uma postura pouco habitual. A Virgem, de cabeça descoberta, inclina-se sobre o Menino deitado num berço de verga. Com a mão esquerda segura uma almofada sobre a cabeça do Menino e com a direita puxa o seu manto, como

3 cf. COUTINHO, Bernardo Xavier – Escultura Românica e Gótica. in PERES, Damião; CRUZ, António –

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3. A Virgem e o Menino

que para cobri-lo. Pela sua postura, provavelmente pertenceu a um conjunto em barro da

Natividade de Cristo. Contudo, isoladamente é uma Virgem de Ternura, que espelha no

olhar o cuidado próprio das mães com os seus recém-nascidos.

Imbuída de uma atmosfera mais austera e hierática, é uma imagem em calcário de finais do século XVI da Virgem com o Menino [FIG. 46]. Mãe e Filho estão em posição frontal, o Menino de pernas cruzadas sobre o braço da Virgem. Unem as mãos suas mãos direitas, num gesto de afeto. A Virgem veste uma túnica em tons creme decorado com motivos florais vermelhos e verdes, que se quebra junto ao solo, deixando antever a ponta castanha dos sapatos. Tem sobre a cabeça um manto azul debruado a ouro, que se cruza na frente, preso sobre o braço esquerdo, assemelhando-se a um avental. O Menino veste também uma túnica vermelha debruada a ouro, segurando na mão esquerda um livro fechado.

Tem o Menino nos braços uma imagem em madeira da Virgem com o Menino [FIG. 47], atribuída às oficinas de Malines ou a artista flamengo a trabalhar em Portugal. Durante o século XV, tudo o que era objeto artístico de origem flamenga era valorizado desde tapeçarias a pinturas ou escultura. As imagens da Virgem com o Menino de influência flamenga caraterizam-se pelo seu semblante otimista de frontes amplas, os seus pescoços largos e baixos e o uso de toucados e turbantes sobre os cabelos que lhes conferia um certo exotismo dentro do panorama escultórico português da época. Como com muitas outras, foi cortado o toucado da imagem do espólio do MASA para poder receber uma coroa metálica. A sua policromia, longe da original, é de um trabalhado exímio nos motivos vegetalistas que cobrem tanto o seu manto dourado, como a túnica e toucado brancos. O Menino desnudado repousa nos braços da Virgem, olhado sorridente o observador. Puxa com a mão direita o toucado da mãe e com a esquerda tenta abraçar-lhe o pescoço.

Anteriormente à importação de origem flamenga, eram os alabastros de Nottingham quem satisfazia a encomenda dos fiéis portugueses. Ao longo de todo o século XIV, até meados da centúria seguinte, devido à aproximação das coroas portuguesas e inglesas durante o reinado de D. João I, Portugal importou grande quantidade de imaginária em alabastro, a maioria peças de pequenas dimensões para altares de devoção particular. A

Virgem com o Menino [FIG. 50], peça em alabastro comprada no bricabraque do Porto por

D. Domingo de Pinho Brandão para o espólio do MASA, é iconograficamente uma Virgem

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