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A Natureza da Ciência e da Tecnologia como Foco das Pesquisas em Ensino de

2. REFLEXÕES E IMPLICAÇÕES DA ABORDAGEM CTS (A) E A

2.2 A Natureza da Ciência e da Tecnologia como Foco das Pesquisas em Ensino de

As implicações da natureza da Ciência para o ensino de Ciências já são objeto de pesquisa há, pelo menos, cinco décadas. No decorrer deste período foram e continuam sendo as inúmeras divergências entre filósofos e sociólogos da ciência a respeito de quais seriam os critérios demarcacionistas entre ciência e não-ciência e a função social destes na sociedade.

Para Alters (1996) ao mesmo tempo em que educadores para ciência e pesquisadores desvelam essa necessidade, nada tem sido feito para a instrumentalização de professores como de alunos. Há inúmeros instrumentos de avaliação de concepção de ciência, os quais segundo seus elaboradores são baseados em modelos filosóficos válidos. Mas a crítica de Alters subjaz os instrumentos qualitativos atuais, aqueles que não levam em consideração os conflitos existentes entre as escolas filosóficas, e muito menos explicitam os critérios ou fundamentos filosóficos que os sustentam, ao contrário, apenas relata resultados quanto ao potencial de professores e alunos absorverem elementos de Natureza da Ciência (NdC). Segundo o pesquisador, nos últimos 15 anos de pesquisa da NdC foram indicados 39 objetivos explícitos ou implícitos na literatura concernente ao que se deveria ensinar para professores e alunos. Frente a esse número variado de objetivos empreendeu-se uma pesquisa em vista de coletar as posições de doutores em filosofia da ciência a respeito de quais desses objetivos deveriam ser caracterizados como sendo os principais de acordo com a escola filosófica de cada um. O autor tentou averiguar um padrão de consenso, porém foi possível perceber apenas a existência da discórdia entre eles.

Para Abd-El-Khalick et al (1997), as divergências filosóficas constatadas por Alters (1996) estão longe de influenciar a vida diária dos estudantes, como, por exemplo, a noção sobre a existência de uma realidade objetiva ou apenas construções mentais. Para os pesquisadores em ensino de ciências “tipicamente, a NdC tem sido usada para referir à epistemologia da ciência, à ciência como uma maneira de conhecimento, ou aos valores e crenças inerentes para o desenvolvimento do conhecimento científico.” (ABD-EL- KHALICK, BELL, LEDERMAN, p. 418, 1997, tradução nossa).

De fato, no decorrer dos tempos certos aspectos destas divergências foram superados no que tange o reflexo para a prática de ensino de ciências. Ou seja, o entendimento da NdC volta-se agora a promover a descodificação dos artefatos tecnológicos presentes na vida ordinária, ao entendimento dos aspectos axiológicos intrínsecos à prática científica e ao desenvolvimento tecnológico para a tomada de decisões, ao olhar a ciência como uma cultura que possui linguagem e comportamentos específicos e por fim, facilitar uma visão da ciência e da tecnologia de modo não naturalizado. Para Driver et al. (1996 apud LEDERMAN, p. 831) há cinco argumentos que defendem a importância da NdC no ensino de ciências:

Ciência e a utilização de artefatos tecnológicos na vida cotidiana;

Democrático: é necessário o entendimento da NdC para tomada de decisões sobre temas sociocientíficos;

Cultural: é necessário o entendimento da NdC para apreciar o valor da Ciência como parte da cultura moderna;

Moral: é necessário o entendimento da NdC para ajudar a desenvolver a compreensão das normas da comunidade científica que corporifica os compromissos morais que são em geral valores da sociedade;

Aprendizagem de Ciência: o entendimento da NdC facilita a aprendizagem de temas de interesse em ciências.

Apesar dos argumentos serem importantes, os mesmos são considerados, em parte, intuitivos pela ausência de pesquisa de ensino de ciências que evidencia uma compreensão mais profunda quanto ao entendimento da NdC por alunos e professores, seja através de processos argumentativos por parte dos alunos ou quanto à estratégia de sala de aula para instauração de abordagens que desenvolvam a natureza da ciência. Outro ponto a ser objeto de crítica é o fundamento heterônomo, no qual estão apoiados os argumentos de Driver frente à concepção defendida no presente trabalho a respeito de formação do sujeito social a partir de uma ação comunicativa que potencializa a capacidade de motivação para ação autorreflexiva. A princípio a forma como Driver expõe os argumentos leva a pensar numa abordagem moral coercitiva da escola de Durkheim, isto é, como se fosse necessário apenas e unicamente conhecer a dimensão moral da ciência para que o sujeito estivesse apto a atuar democraticamente e tomar decisões em relação aos temas sociocientíficos.

As primeiras pesquisas sobre as concepções de estudantes acerca da NdC e do papel do cientista datavam de 1954 e 1957, e tinham como principal questão de pesquisa avaliar a concepção de ciência e a atitude dos alunos em relação à ciência. Porém, o primeiro instrumento elaborado que tinha por objetivo medir a concepção dos alunos foi desenvolvido por Klopfer e Cooley, em 1961, denominado como Test on Understanding Science (TOUS). As pesquisas empreendidas no período de 1961-1963 constataram que os alunos tinham uma

compreensão inadequada da NdC, a qual foi corroborada e aprofundada por Mackay, em 1971, ao utilizar o mesmo instrumento. Esse pesquisador pontuou como resultados o conhecimento insuficiente ou mesmo inexistente a respeito de: a) o papel da criatividade em ciência; b) a função dos modelos científicos; c) o papel da teoria e a relação dela com a pesquisa; d) as distinções entre hipóteses, leis e teorias e a verdade absoluta; f) o fato que a ciência não está unicamente preocupada com a coleção e classificação de fatos; g) o que constituem as explicações científicas. Nessa mesma linha de investigação resultados semelhantes foram constatados por Korth (1969), Broadhurst (1970) e Aikenhead (1972- 1973). Ao longo das décadas, pesquisadores coletaram informações que evidenciam uma visão inocente quanto à natureza da hipótese científica, ou seja, grande parte dos alunos possui uma visão empirista e absolutista da ciência. (LEDERMAN, 2007).

Assim Lederman (2006) defende alguns pontos importantes para que os alunos tenham um maior entendimento da construção do conhecimento científico, sendo: a criatividade, a subjetividade, a teoria, as leis e a distinção entre inferência e observação, além de novos aspectos quanto ao conceito de ciência como atividade humana, devido à proximidade da tecnociência na vida ordinária. O autor afirma ainda que, historicamente, as pesquisas sobre NdC vêm deixando lacunas quanto à influência das visões de mundo dos alunos na construção da concepção da mesma. Além dos elementos supracitados que compõem o processo científico há, também, o contexto cultural, social e a linguagem que inebria a concepção do aluno.

O papel da NdC está justamente em instrumentalizar os alunos quanto ao entendimento dos aspectos epistemológicos e das justificativas usadas por cientistas, tecnólogos, políticos e governos a respeito da produção de conhecimento e dos artefatos construídos, podendo assim promover a participação de pessoas “comuns” no contexto de debate da esfera pública. Neste sentido, o papel dos dados e evidências, a observação e inferência tornam-se importantes, já que podem mudar a sustentação de uma teoria científica, ou mesmo, amparar com novas evidências os impactos socioambientais advindos das novas tecnologias, como por exemplo, os transgênicos.

Para Kolsto (2000) a evidência tem particularmente um papel importante no processo de construção do conhecimento científico, assim como na compreensão de temas sociocientíficos por parte da população. Segundo o autor, os temas controversos são constituídos pela ausência de consenso entre os pesquisadores, tecnólogos e governos

decorrentes das interpretações das evidências fundamentadas por interesses particulares. O exemplo disso tem-se no painel intergovernamental sobre mudanças climáticas, no qual diversos interesses estavam em jogo quanto à aceitação das diversas estratégias lançadas para mitigação dos vetores do aquecimento global.

Para Zeidler et al (2001) é através das atividades de diálogo que os estudantes desenvolvem habilidades de raciocínio crítico ao analisarem as evidências sobre os diversos tópicos em pauta e também ao formularem as próprias posições. Para os autores, o debate elucida as múltiplas visões de mundo e as evidências na apresentação de decisões explicitando aspectos da natureza da ciência durante o processo de compreensão científica. Em acréscimo, pontuam que o raciocínio dialógico e a argumentação têm desafiado o núcleo de crenças dos estudantes, pelo uso de cenários que evocam considerações morais e éticas conectadas ao mundo real.

Assim, há uma defesa da inclusão de temas éticos e morais como um elemento da NdC, já que o objetivo do ensino de ciências é desenvolver uma população que possa dialogar e entender os impactos da ciência e tecnologia na sociedade, como no meio-ambiente potencializando a expansão da esfera pública de discussões.