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Teorias da Argumentação – A Abordagem da Pragmadialética

3. A PRAGMADIALÉTICA COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE

3.1 Teorias da Argumentação – A Abordagem da Pragmadialética

Uma das defesas da abordagem CTSA é a sustentação de um discurso científico- cultural por parte das pessoas comuns, as quais possam vir a exercer uma atividade política, uma cidadania através das discussões sobre temas sociocientíficos no espaço público. No entanto, tais debates são realizados no âmbito coletivo, em comunidades comunicativas, nos quais cada indivíduo possui diferentes visões de mundo que estão em consonância com os aspectos socioculturais que fundamentam a existência de cada um. Há necessidade de falar e ouvir, analisar criticamente dentro de certas normatizações para que ocorra um julgamento razoável entre as partes para a busca de um consenso.

Nesta conjuntura, é fato que a linguagem é responsável pela expressão de nossas percepções quanto ao modus vivendis da sociedade moderna. Assim, as pesquisas na área da linguística têm como objeto de estudo as diversas formas de manifestações da linguagem em diferentes setores do conhecimento. Isto se deve ao fato de ela ser composta por signos que são passíveis de reorganização e reconstrução dos atos de fala. É através destas manifestações que o indivíduo produz efeitos num contexto de interações que podem repercutir em ações estratégicas ou ações comunicativas.

Os teóricos da argumentação estão preocupados em investigar a produção de argumentos em contextos verbais e não-verbais. Assim, os estudos deste campo se concentram em linhas que investigam: “elementos não expressos um discurso argumentativo, estruturas de argumentação, projetos de argumentação e falácias.” (VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004). Em suma, o grande interesse desta área está em procurar distinguir o que é um argumento válido, como é elaborado, sua estrutura lógica e as falácias decorrentes.

Nesta perspectiva, as teorias da argumentação se fundamentam na lógica formal (normativa) ou na lógica informal (descritiva). As características discursivas da primeira consideram as regras que uma boa argumentação deve realizar para convencer a outra parte,

enquanto a abordagem descritiva leva em consideração os atos discursivos da vida real considerando as práticas argumentativas de ordem epistêmica e moral.

Ao se levar a linha de investigação da lógica formal para o ensino de ciências, particularmente num contexto real de sala aula, percebe-se que as tautologias intrínsecas são insuficientes para apoiar as tentativas de inferências realizadas pelos alunos no intuito de conduzir a construção de novos conhecimentos no âmbito escolar, como, por exemplo, ao trabalhar com temas sociocientíficos, cuja dimensão de informações sociais, culturais, ambientais e axiológicas complexifica a estruturação de projetos argumentativos. Isto significa que a lógica formal não é totalmente adequada para interpretar o discurso natural da sala de aula impregnado pela cultura escolar e pelas visões de mundo de cada indivíduo participante. Pode, porém, ser usada para representar ou analisar o conhecimento estabelecido em situações planejadas estritamente para uma finalidade, como, por exemplo, o laboratório didático de Física. Para Van Eemeren & Grootendorst (2004), uma completa teoria da argumentação deveria ser normativo-descritiva.

A pesquisa em argumentação é empreendida em função de entender as maneiras pelas quais essa ação é empregada e, por conseguinte, a produção de efeitos decorrentes que leva à aceitabilidade ou não do ato ilocucionário. A aceitação ou não deste ato depende estritamente da posição filosófica e da racionalidade vinculada, já que são essas que irão influenciar o processo de avaliação da aceitabilidade do argumento.

Para Toulmin (1976 apud VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004, p. 03, tradução nossa), as posições filosóficas são conhecidas em “três tradições que influenciam a aceitabilidade do argumento. Estas posições de racionalidade podem ser descritas nas perspectivas geométrica, antropológica e crítica. A diferença teórica entre as perspectivas geométrica e antropológica é que a primeira é absolutista. A racionalidade geométrica é contra-argumentativa, pois se baseia na lógica formal que tem como princípio demonstrar, passo a passo, declarações de alguma coisa que não pode ser refutada.” Para Van Eeemeren e Grootendorst (2004), esta é a posição de uma pessoa que quer convencer e a posição de outra pessoa que quer ser convencida. Diferentemente da geométrica, na perspectiva antropológica o processo argumentativo é algo intersubjetivo, dinâmico e temporal. A racionalidade desta perspectiva está dependente de uma situação histórica e das pessoas que nela se encontram e possuindo uma abordagem relativa que tem como foco principal a persuasão. A antropológica se fundamenta no padrão do argumento utilizado para provocar efeitos de aceitabilidade, deste

modo as características do grupo cultural são imprescindíveis para a construção do projeto discursivo. (VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004).

Por fim, a perspectiva crítica parte do pressuposto popperiano que “nós não temos certeza de nada”. Deste modo, a característica presente nesta dimensão considera que os pontos de partida apresentados no início de um debate podem ser criticados sob a égide de regras de discussões. Entretanto, na perspectiva crítica, existem elementos advindos tanto da perspectiva geométrica quanto da antropológica. No que se refere à geométrica, pode-se expor quanto à existência de regras que regulam o contexto de discussão tendo como pressuposto a resolução de uma diferença de opinião. Tais regras, no entanto, são utilizáveis até o momento que elas permitam aos debatedores a resolução de diferença de opinião. Assim:

Não há necessidade para assumir a existência de uma forma absoluta e definitiva de racionalidade. Na perspectiva crítica, a racionalidade é contemplada como um conceito gradual. A extensão para qual uma particular regra é considerada razoável depende sobre a adaptação daquela regra como uma parte do procedimento para condução de uma discussão crítica para a solução de um problema a primeira mão. (VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004, p.16, tradução nossa).

Já em relação aos elementos da racionalidade antropológica presentes na perspectiva crítica estes visam resgatar as diferentes formas de procedimento de discussão, evidenciando diferentes racionalidades, assim como corroborando que o critério de racionalidade intersubjetiva satisfaz a premissa de não haver necessidade de uma racionalidade universal. Assim, a racionalidade crítica é composta por elementos das vertentes geométrica e antropológica tendo como foco principal o julgamento humano através de ações intersubjetivas para resolução de uma diferença de opinião relacionada a um grupo específico de pessoas num lugar e tempo particular.

Foi a partir de 1950 que o campo de pesquisa em argumentação recebeu importantes produções de filósofos como Arne Maess, Stephen Toulmin, Chaïm Perelman e outros menos conhecidos como Rupert Crawshay – Williams. O modelo argumentativo apresentado por Toulmin em seu livro “Os Usos do Argumento” almejou o desenvolvimento de um modelo analítico de estrutura de argumento para diferentes campos argumentativos como, por exemplo, do direito, da educação, da pesquisa científica. De fato, o que Toulmin almejava era

que seu modelo pudesse vir a ser utilizado nesses campos caracterizados com conteúdos específicos e que pudesse servir, também, para resolução de conflitos (VAN EEMEREN, GROOTENDORST, 2004).

Logo a obra de Perelman e Olbrechts – Tyteca, “A Nova Retórica”, prontificou-se em desenvolver técnicas de argumentação visando à persuasão. A norma de racionalidade aplicada para esse tipo de argumentação fundamenta-se no contexto de uma audiência, sendo que o critério utilizado para que o argumento seja considerado válido é o sucesso da influência deste na audiência. Com base nisso, a Nova Retórica oferece uma descrição com diferentes tipos de audiências e técnicas específicas de persuasão para cada uma delas. Assim, essa proposta de argumentação fundamenta-se não numa análise analítica dos argumentos ou do projeto argumentativo, mas sim no sucesso de persuasão destes.