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Natureza ecológico-política e práxis de destruição

CAPITULO IV: EXTERIORIDADE E QUESTÃO ECOLÓGICA: CONSTRUINDO A

1. EXTERIORIDADE E NATUREZA

1.1 NATUREZA E ECOLOGIA

1.1.2 Exterioridade, natureza e ecologia

1.1.2.2 Natureza ecológico-política e práxis de destruição

Dussel interpreta a natureza, seguindo o pensamento de Zubiri, a partir da exterioridade da substantividade humana enquanto única coisa realmente livre e capaz de voltar-se sobre o cosmos, sobre a natureza e sobre si mesmo. É o que lemos do argentino-mexicano:

É essa coisa real, que se refere essencialmente ao outro como exterioridade mas com unidade analógica específica, e por isso em estruturas sistemáticas sociais (classes, nações, etc.) ou formações sociais (modos de produção), o homem, a única que por sua liberdade e separação podia voltar-se, refletir-se sobre as coisas para compreendê-las em seu mundo. O desdobrar um mundo é uma nota constitutiva real do homem. Incluir nesse mundo as coisas cósmicas físico-viventes é o que aconteceu desde que o homem é homem, no próprio momento do seu aparecimento. Por isso a natureza é tão antiga quanto o homem. Sua primeira circunspecção do cosmos constituiu em natureza a parte compreendida do cosmos246.

Essa postura circunspecta e de interpretação do real que se encontra à sua volta dá origem ao que se poderia chamar de dialética homem-cosmos. A parte do cosmos compreendida como natureza no horizonte do mundo se, num primeiro momento, se apresenta como inóspita e aterrorizante, posteriormente e ao longo de sua história, avança, ainda que ameaçadora, para uma “relação erótica” com o homem. Este aprenderá a tirar dela o seu sustento e constituirá nela o seu habitat. É a natureza ecológica: a morada como condição da vida.

É essa natureza enquanto casa (ecologia enquanto casa, morada, habitat, deriva do mesmo termo grego de economia: oikos)247, que proverá o homem de tudo o que se constituirá como condição para a sua existência. Nela o homem descobrirá

245 Dussel, 1996, pág.136; 1980, pág. 119. 246 Dussel, 1996, pág.136; 1980, págs. 119-120. 247 Cf. Waldman, 2006, págs. 218-226.

166 tudo: desde o abrigo para a proteção da intempérie até os alimentos básicos que saciam a sua fome: “Natureza nutritiva, acolhedora, protetora, materna”248.

Mas, como dissemos acima, a natureza enquanto fenômeno do cosmos é uma interpretação do homem e, por isso mesmo, está sujeita aos cânones civilizacionais dos diversos momentos da história do homem que, bem entendida, é sua também. Precisamente por isso diz o argentino-mexicano:

Mas a natureza que era como um jardim transformou-se pela [ação da] espécie humana num imenso depósito de lixo. O homem que habitava respeitoso a terra mater e lhe prestava culto, passa a transformá-la na modernidade europeia em pura matéria de trabalho, embora os românticos falem da “volta à natureza” [...]. A natureza divina dos gregos [...] é agora interpretada como um âmbito de pura explorabilidade: homo naturae lupus. Lobo? Infinitamente pior que o lobo que nada destruiu na natureza249.

O lobo, sem dúvida, como ente natural que, como tal, vive e convive na natureza, não destruiu nem devastou absolutamente nada no seu habitat, ao contrário, o lobo e toda a natureza são vítimas da ação destruidora do homem. Dessa determinada interpretação250 sobre o uso que se pode fazer dos bens

naturais resultou que a natureza passou a ser matéria explorável, destrutível sem limite, rentável, causa de aumento de capital, âmbito que legitimava a ação de domínio de um senhor (homem) sobre um escravo (outro homem). O capítulo II de nosso trabalho descreve essa situação/interpretação.

Ora, a partir da Revolução Industrial a concepção de domínio e exploração sobre a natureza se intensifica e se aprofunda. De deusa a natureza passou a simples matéria-prima industrial, mudança essa que se afirma sobre os auspícios do progresso e do crescimento econômicos destinados a todos os homens “indistintamente”. No entanto, historicamente, o que se verificou foi que, a partir de uma visão crítica da história, essa concepção de domínio e exploração da natureza,

248 Dussel, 1996, pág.137; 1980, pág. 120. 249 Dussel, 1996, pág.137; 1980, págs. 120-121.

250 Principalmente a partir da modernidade, quando a natureza perde seu caráter de sagrado e inicia

a Revolução Industrial, então o olhar e a ação do homem sobre a natureza se modificam significativamente.

167 além da vitimação desta, encobre, em última instância, a exploração do próprio homem enquanto trabalhador, enquanto trabalho vivo.

Esta mudança de atitude homem-natureza culmina com a revolução industrial e chega a alucinates projeções no estado atual do capitalismo monopólico imperialista [financeiro e globalizado], sociedade de superconsumo e de superprodução agressivo-destrutiva da ecologia natural (claro que como mera mediação da prévia destruição do homem oprimido da periferia)251.

E não que essa atitude agressivo-detrutiva do homem sobre a natureza já não tenha sido percebida e alertada. Sobre isso, Dussel observa que, no início dos anos 1970, o Clube de Roma252 elaborou e publicou relatórios nos quais constatava que: os recursos naturais são finitos; a contaminação do solo, da água e do ar aumenta; a espécie humana se multiplica; os alimentos se reduzem; nos aproximamos de um colapso ecológico de grandes proporções253.

Porém, mesmo diante daquele alerta, quarenta anos depois, diríamos nós, o sistema tecnológico-econômico de formação social capitalista não parece levar a sério a necessidade de mudanças. Ao contrário, lançado e amparado em seu próprio discurso de “máximo lucro ao menor custo” e, portanto, de maior produção-consumo e vice-versa, o capitalismo imperialista, financeiro e globalizado continua não sua tarefa, mas sua saga devastadora254.

Como frisamos acima, trata-se de concepção e interpretação sobre a natureza e sua “utilidade”, seu sentido ou sua importância para o homem. Assim, conforme o que já foi dito antes, a natureza é a totalidade dos entes naturais, portanto não

251 Dussel, 1996, pág.138; 1980, pág. 121.

252

O Clube de Roma é formado por pessoas ilustres que se reúnem para debater um vasto conjunto de assuntos relacionados a política, economia internacional e, sobretudo, ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Foi fundado em 1968 pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King. Tornou-se muito conhecido a partir de 1972, ano da publicação do relatório intitulado Os Limites do Crescimento, elaborado por uma equipe do MIT, contratada pelo Clube de Roma e chefiada por Dana Meadows. O relatório, que ficaria conhecido como Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows, tratava de problemas cruciais para o futuro desenvolvimento da humanidade tais como energia, poluição , saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional, foi publicado e vendeu mais de 30 milhões de cópias em 30 idiomas tornando-se o livro sobre ambiente mais vendido da história.

253 Cf. Dussel, 1996, pág.138; 1980, pág. 121. 254 Cf. Dussel, ibidem.

168 culturais compreendidos no mundo que sem deixar de ser parte do cosmos enquanto coisa real, tem como fundamento de seu sentido o projeto histórico do próprio mundo vigente.

A natureza é, em cada momento da história, politicamente interpretada conforme a formação social e os cânones nela vigentes. Desta forma, podemos dizer que a natureza é também uma realidade intramundana; é uma coisa que, além de ter essência, tem sentido, sem deixar de ser a expressão real do cosmos. Portanto, dizendo de forma mais clara ainda, a natureza, os entes naturais são compreendidos e interpretados a partir do mundo, mas sempre a partir de um mundo histórico, político, erótico e simbolicamente determinado. Paralelamente à história do mundo, guardadas as devidas proporções, podemos também falar de uma história da natureza.

Se há uma história do mundo, há também a história da natureza. Ou seja, os gregos compreenderam a fysis como eterna, divina, nascente; os medievais compreenderam a natureza como criada (natura naturata), finita, sem princípio de corrupção; o moderno europeu compreendeu a nature ou Natur como sendo matéria de observação matematica (desde Galileu), explorável economicamente (desde a revolução industrial). A natureza, juntamente com o trabalho e o capital, é a origem do mítico progresso civilizador. Agora se entende o que se quer indicar quando se diz que a natureza é politicamente interpretada: é hermeneuticamente visualizada desde o centro ou a periferia, desde diversas classes sociais, desde os sistemas políticos, principalmente, como matéria de uma modo de produção numa formação social determinada255.

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