• Nenhum resultado encontrado

Capitulo I – A Evolução da Estrutura Diretiva ao longo dos anos

1. Natureza do estudo

A adoção de um paradigma de investigação não é neutra. Por um lado, é bem conhecido que paradigma e problema se condicionam mutuamente (Strauss & Corbin, 1990) e que o sucesso de um projeto de investigação pressupõe, antes de mais, uma harmonização coerente entre ambos. Por outro lado, às escolhas subjacentes a essa adoção não é estranha ao nosso modo de olhar o mundo, incluindo à nossa experiência e prática profissional (Dezin & Lincoln, 1994). Assim, a escolha do paradigma interpretativo teve a ver não apenas com a temática do estudo, mas também com o tipo de questões que nele pretendia abordar, de natureza aberta, globalizante e compreensiva, e com a convicção da relevância deste paradigma para a investigação em Educação.

O paradigma interpretativo valoriza a explicação e compreensão holística das situações, o carácter complexo e essencialmente humano da atividade de interpretação do real e o papel privilegiado que nessa atividade toma o plano da intersubjetividade resultante do encontro e interação de múltiplos atores sociais entre os quais me incluo a mim. O paradigma introduz uma dimensão que se distancia dos cânones positivistas clássicos. De facto, não visa o estabelecimento de relações causa-efeito, não se orienta para a verificação de leis gerais, nem para a previsão de comportamentos, mas, antes, para o desenvolvimento do conhecimento de situações inseridas em contexto, conhecimento que assume um carácter plural, feito a muitas vozes e inevitavelmente fragmentário. Como nota Erickson, o objetivo da investigação neste paradigma situa-se no “significado humano da vida social e na sua clarificação” (1989, p. 196).

Por isso, contesta a possibilidade de eu do investigador assumir um ponto de observação externo, pretensamente neutro. Contesta, igualmente, a supremacia das medidas quantitativas na análise e a validade universal do método hipotético-dedutivo, usualmente associado às ciências exatas para a compreensão de fenómenos onde se entrecruza a complexidade das interações humanas e dos contextos de vida. Daí que este paradigma transporte algumas das perspetivas geralmente associadas à pós-modernidade (Lyotard, 1979): a recusa de uma verdade única, exclusiva, externa, objetiva, cuja fonte definitiva fosse a racionalidade positiva; a indissociabilidade entre o real, o seu contexto e as mediações através das quais um e outro são percebidos; o processo sempre aberto de construção e desconstrução das significações.

Do ponto de vista deste trabalho é relevante sublinhar que o paradigma interpretativo se inscreve na corrente mais ampla da investigação qualitativa (Bogdan & Biklen, 1999). Note-se que a usual distinção qualitativo/quantitativo tem mais a ver com as opções metodológicas de fundo, exclusivamente, com os instrumentos de análise utilizados.

Bogdan e Biklen (1999) enumeram um conjunto de características da investigação qualitativa que vale a pena reter: (i) o seu carácter descritivo; (ii) a valorização do ambiente natural dos fenómenos; (iii) a atitude indutiva (parte-se de dados e não de premissas); (iv) a importância dada ao processo de investigação (por contraposição à valorização exclusiva dos resultados); e (v) a importância primordial do significado. Psathas sublinha que o ponto fundamental é o enfoque naquilo que os sujeitos envolvidos “experimentam, o modo como interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (1973, citado em Bogdan & Biklen, 1999, p. 51).

É consensual reconhecer as profundas implicações que o paradigma interpretativo e, de uma forma mais geral, a abordagem qualitativa, tem tido na investigação em Educação. Woods (1999) classifica-o como uma verdadeira revolução. Esta revolução passa essencialmente pelos estudos centrados no professor e nas suas conceções, práticas e desenvolvimento profissional. Ludke e André sublinham a natureza descritiva dos dados que a investigação qualitativa permite recolher e a sua capacidade de “focar a realidade de forma complexa e contextualizada” (1986, p.18). A análise de narrativas e os estudos de casos são, por certo, os dois tipos de abordagem mais comuns, dentro do paradigma interpretativo, para alcançar estes objetivos. A pesquisa narrativa resulta da composição e interligação, num determinado horizonte temporal, de acontecimentos, ações, processos e contextos, construindo desse modo uma história na qual o sujeito emerge e se reinterpreta (Huberman, Thompson & Weiland, 1997; Polkinghorne, 1995). O ponto de partida é o próprio facto de todos os quotidianos estarem povoados de narrativas que contamos e recontamos, por vezes para nós próprios, num processo onde as significações essenciais da vida se produzem. O estudo de caso é um tipo de abordagem de investigação que procede por um registo e análise intensivo e holístico de uma dada situação ou fenómeno empírico (Merriam, 1988, Yin, 1989, Stake, 1994). De acordo com a classificação proposta em Stake (1994) um estudo de caso pode ser intrínseco (quando o seu foco é a situação particular que se pretende estudar), instrumental (quando o caso é usado como meio de compreensão de uma problemática mais vasta) ou agregado (quando procede por agregação de vários casos instrumentais). Comum a todos é o carácter empírico do estudo, a prevalência da perspetiva interpretativa (o “como” e o “porquê” referidos em Yin (1989) como as questões de interesse), o elevado nível de aprofundamento e detalhe, o contacto direto e geralmente prolongado no tempo com as situações e pessoas em causa e a perspetiva dinâmica que não se fecha sequer às evoluções imprevisíveis das situações. O estudo de caso, preocupa-se com a procura daquilo que nessa situação particular surge como único e fundamental contribuindo, assim, para uma melhor compreensão dos fenómenos ou situações em análise (Ponte, 2006).

O paradigma interpretativo, seja qual for a abordagem concreta em que se realiza, tem implicações concretas no modo como se entende o papel do investigador e como se avalia a credibilidade dos resultados.

A proximidade leva a que o investigador experimente alguns dos sentimentos dos participantes e construa desse modo uma certa empatia com eles. Mas importa ter consciência que “passar a fazer parte de um grupo significa partilhar as reações dos seus membros” (Bogdan & Biklen, 1999, p. 133).

Guimarães (2003) retoma uma metáfora muito usada em investigação qualitativa – o investigador como instrumento – para enfatizar a importância das características pessoais e da experiência do investigador (Evertson & Green, 1986; Gans, 1982). Como sublinha Ponte (2006), a perspicácia do investigador na observação e a pertinência na análise são características fundamentais para o sucesso da investigação. Por outro lado, se o investigador (sua personalidade, expectativas e experiência) é participante do estudo, esta presença deve ser explicitada e discutida por todos e equacionada instrumentalmente em função dos objetivos propostos e das questões de investigação. Segundo Bogdan e Biklen (1999), o investigador pode aproveitar os seus sentimentos no sentido de clarificar e compreender as perspetivas dos outros. Pode fazê-lo, por exemplo, exprimindo os seus sentimentos no sentido de perceber se os participantes também sentem ou já sentiram o mesmo, perante uma manifestação do investigador podem-se sentir levados a manifestar-se também e, assim, constituir mais uma oportunidade de reflexão.

2. Formulação do problema, sub-questões de investigação e objetivos