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5. A determinação da culpa e a responsabilidade pela diminuição do património

5.3. Natureza jurídica da Responsabilidade Tributária dos Gerentes, Administradores e

A propósito do estudo da responsabilidade tributária dos gerentes, entendemos que se afigura pertinente fazer uma referência a este tema, com o intuito de melhor compreender este mecanismo. Neste sentido, poder-se-ão preconizar três posições distintas: fiança legal; responsabilidade civil extracontratual; instituto jurídico próprio do direito tributário;

Convém assinalar que para uma melhor compreensão da natureza jurídica da Responsabilidade Tributária, cremos que é necessário apreciar todos os seus moldes, porque, em nosso entendimento, apenas se consegue aferir da natureza do mecanismo se forem observados todos os elementos que o compõem. A determinação da natureza jurídica de certo instituto jurídico traduz-se na assunção do significado último do mesmo, assumindo relevância na indagação da afinidade que um instituto jurídico tem, em diversos factores, com distinta categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação.

Não se pode, pois, deixar de assumir uma visão ampla sobre todos quadrantes que constituem a figura jurídica em causa e, nesse sentido, cremos que é de todo relevante estender

o objecto da presente exposição, levando-a a ter, bem assim, em atenção os respectivos requisitos e a própria ratio legis.

Posto isto, os defensores da tese da fiança legal124, entendem que a responsabilidade

tributária constitui uma garantia para o cumprimento de obrigações tributárias, no caso de o devedor originário (a pessoa colectiva) faltar ao cumprimento das vinculações em causa. Trata- se, pois, de uma garantia conferida por lei à Administração Tributária para satisfação dos créditos que detenha sobre a sociedade.

Por força da fiança, constituir-se-á um terceiro que irá responder conjuntamente pelas dívidas tributárias do devedor principal, através da efectivação do acto de reversão (artigo 23.º da LGT). Por força da reversão do processo de execução fiscal, o revertido assume a qualidade de devedor, ainda que subsidiário, respondendo pessoalmente pelo cumprimento da obrigação tributária.

Em matéria de responsabilidade tributária, por imposição da lei ocorre, subsidiariamente, o chamamento de um terceiro para pagamento de dívidas tributária de outra pessoa ou entidade, em razão da insuficiência do património desta. Na medida em que há verdadeiramente uma junção de um outro património ao património insuficiente, poder-se-á vislumbrar a instituição de uma fiança, encarada como uma garantia para cumprimento de obrigações tributárias do devedor incumpridor.

Temos, todavia, um entendimento diferente. Na figura jurídica da fiança legal125, e na

esteira no que se assinalou supra relativamente ao alcance que se pretende conferir à presente análise, é indiferente a culpa do gerente ou nexo de causalidade entre a acção do gerente e o dano.

Queremos com isto assinalar que simultaneamente à junção de um outro património, concorrem outras ponderações que se afiguram essenciais para o desencadeamento da responsabilidade tributária. Seria um tanto quanto restritivo cingir a análise à garantia que advém do recurso a outro património, porque, em nosso entendimento, não é apenas isso que

124Como Sofia de Vasconcelos Casimiro, “A Responsabilidade Tributária dos Gerentes, Administradores e Diretores das Sociedades Comerciais”, Almedina, Coimbra, 2000, p. 145 e seguintes; Pedro Sousa e Silva, “A Responsabilidade Tributária dos Administradores e Gerentes na Lei Geral Tributária e no novo CPPT”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 60, III, Dezembro de 2000, pp. 1450-1457.

está em causa.

Acresce ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 628.º do CC, “[a] vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal”. Ora, se é verdade que a responsabilidade tributária constitui o recurso, a título subsidiário e por imposição legal, ao património de um terceiro, com vista o cumprimento de obrigações tributárias do devedor originário, infere-se que o desencadeamento deste mecanismo não está dependente de uma declaração de aceitação por parte do responsável, contrariamente ao que sucede na fiança. A responsabilidade tributária tem um carácter ex lege, opera, portanto, se estiverem preenchidas as condições que a lei determina, independentemente da anuência sobre quem recai.

Outra parte da doutrina entende que o mecanismo da responsabilidade tributária se

poderá equiparar à responsabilidade civil extracontratual126, pela sua natureza delitual, ou

lesiva, pela própria formulação de ambos os mecanismos, já que não descuram a importância da culpa e do nexo causal.

No seguimento daquilo que tem sido o entendimento da jurisprudência, ao gerente que procedeu ao pagamento da dívida tributária, satisfazendo na íntegra o direito do credor, assiste

o direito de regresso sobre os condevedores tributários solidários127. Ora, nos casos de

responsabilidade civil extracontratual há lugar ao pagamento de um montante indemnizatório, sendo que este pagamento não possibilita ao demandado recuperar parte da quantia paga. Por outro lado, o que está em causa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual é o pagamento de uma indemnização ou compensação. Em nosso entendimento, ainda que a operatividade da responsabilidade tributária dependa da verificação de critérios de culpa e de causalidade, o pagamento da dívida tributária de outrém não pode ser configurado como uma punição ou compensação; trata-se exclusivamente do chamamento ao cumprimento de obrigações tributárias.

Por fim, a responsabilidade tributária pode ser preconizada como uma figura distinta das

que foram referidas, porque assume características próprias128. Parece-nos ser este o melhor

126Tânia Meireles da Cunha, “Da Responsabilidade dos Gestores de Sociedades Perante os Credores Sociais, A culpa nas responsabilidades civil e tributária”, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 172.

127Neste sentido ac. STA, de 28/10/2009, proc. n.º 0742/09 e TCA Sul, de 27/11/2012, proc. n.º 05948/12. 128Pedro Soares Martinez, “Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2003, p. 253.

entendimento, visto que radicam na figura da responsabilidade tributária características tipicamente associadas a qualquer um dos mecanismos aludidos.

Todavia, possui, em simultâneo, características distintas daqueles, desde logo o facto de não relevar o grau de culpa do gerente, mas também não se pode deixar fora da análise o carácter subsidiário da responsabilidade tributária, traços esses que afastam este regime daqueles que foram relacionados.