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Como visto anteriormente, o doutrinador Renato Brasileiro de Lima defende a tese de que o crime doloso contra a vida de civil praticado por militar tem natureza de crime militar, portanto deveria ser julgado pela Justiça Militar e não pela justiça comum.

Nesse sentido, Neves (2017, p. 269), ao tratar do disposto no artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, ressalta que:

A Constituição Federal não expõe que o crime doloso contra civil, enquadrado no art. 9º do CPM, claro, passou a ser um delito comum, mas apenas o retirou da competência da Justiça Militar Estadual. Aliás, como o texto constitucional não fala em Justiça Comum, mas em Tribunal do Júri, há a defesa por alguns doutrinadores de que esse órgão – Tribunal do Júri – poderia ser constituído na própria Justiça Militar Estadual.

Diante disso, importante saber quando irá se tratar de crime militar. Frisa- se que a Constituição Federal prevê que: “Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (Brasil, 1988). Logo, caberia à lei ordinária dispor sobre os crimes militares.

Marreiros (2015) explica que o critério utilizado pelo Código Penal Militar para definir quais crimes seriam militares é o critério ratione legis, pois enumera, taxativamente, os crimes militares em seu artigo 9º.

Inclusive, dispõe o artigo 9º, inciso I, do Decreto-Lei n. 1.001/69: “Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial” (Brasil, 1969).

O crime de homicídio doloso, antes da Lei n. 13.491/17, já possuía previsão no Código Penal Militar, em seu artigo 205, nos seguintes termos: “Art. 205. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos” (Brasil, 1969).

Logo, considerando que o Código Penal Militar já dispunha sobre o crime de homicídio, a natureza desse delito seria de crime militar.

Além disso, importante destacar que, já antes da alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.491/17, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo já havia decidido, no julgamento da arguição de inconstitucionalidade da Resolução 110 da SSP, que o crime doloso contra a vida teria natureza de crime militar, ao dispor: “[...] A Lei 9.299/96 e a EC n. 45/04 apenas deslocaram a competência para o Júri, para processar e julgar crimes militares dolosos contra a vida, com vítimas civis” (Brasil, 2010).

Ou seja, apesar de a Constituição Federal prever a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares, ainda assim a natureza do crime seria de crime militar, pois a Lei Maior apenas deslocou a competência para julgamento, sem decidir sobre a natureza do crime.

Desse modo, possível dizer que o entendimento, já antes da Lei n. 13.491/17, era de que o crime doloso contra a vida tinha natureza de crime militar.

Nesse ponto, importante mencionar que, com a Lei n. 13.491, aumentou- se o rol de crimes militares, ao passo que foi modificado o artigo 9º, inciso II, do Decreto-Lei n. 1.001/69, passando a prever:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...]

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar (Brasil, 2017).

Antes da referida alteração, o inciso II, do referido artigo, previa: “os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: [...]”. Ou seja, só seriam crimes militares aqueles previsto no Código Penal Militar, embora tivessem a mesma disposição na lei penal. Com o advento da Lei n. 13.491, houve ampliação do rol, pois se passou a prever que os crimes elencados na legislação penal também seriam crimes militares.

Resumindo, a Lei n. 13.491 não só alterou a competência do Tribunal do Júri, como também aumentou o rol de crimes militares, passando a incluir aqueles que estão previstos na lei penal, inclusive ratificando o crime doloso contra a vida como crime militar.

Importante destacar que, antes de sancionada a Lei n. 13.491, já havia uma classificação doutrinária para os crimes militares, que os dividia em crimes militares próprios e impróprios.

Segundo Neves (2014), a doutrina penal comum estabelece que os crimes propriamente militares são aqueles que têm definição diversa da lei penal comum ou que nela não se verificam, sendo, portanto, aqueles previstos no inciso I do § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar. Os crimes militares impróprios, porém, seriam aqueles previstos na antiga redação do inciso II do § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, ou seja, aqueles com previsão no Código Penal Militar e também na legislação penal comum.

Após a Lei n. 13.491/17, considerando que foi alterado o inciso que tratava dos crimes militares impróprios, passou-se a ter uma terceira classificação. Conforme Neves (2017 apud Assis, 2018), tratam-se crimes militares extravagantes, por não estarem tipificados no Código Penal Militar, mas sim na legislação penal comum.

Cabe salientar que não só o crime de homicídio passou a ser crime doloso contra a vida para fins de aplicação na justiça castrense, como também os outros crimes previstos no Código Penal, como suicídio, aborto e infanticídio, que estão previstos somente no Código Penal.

Nesse diapasão, Roth ([2017?]) leciona que podem ocorrer situações, como por exemplo, de uma gestante praticar um aborto dentro de um Hospital Militar, sendo que a competência, nesse caso, será do Tribunal do Júri, pois não haverá incidência das hipóteses descritas no § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar. Contudo, caso aconteça um crime de aborto ou instigação ao suicídio em que o autor esteja incidindo nas hipóteses descritas no artigo mencionado anteriormente, a competência para processamento e julgamento será da Justiça Militar da União.

Pois bem, feitas essas ponderações, tem-se que os crimes dolosos contra a vida, previstos no Código Penal Militar e também previstos no Código Penal, possuem natureza de crime militar, motivo pelo qual faria sentido, por ora, a tese defendida pelo doutrinador Renato Brasileiro de Lima: por ser crime militar, deveria ser apreciado pela Justiça Militar.

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