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A Constitucionalidade do § 2°, do artigo 9°, do Decreto-Lei n. 1.001, alterado pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017: Análise do dispositivo cujo teor altera a competência do Tribunal do Júri nos crimes dolosos contra a vida praticados por militare

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BEATRIZ DO AMARAL

A CONSTITUCIONALIDADE DO § 2° DO ARTIGO 9º DO DECRETO-LEI N. 1.001, ALTERADO PELA LEI N. 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017:

ANÁLISE DO DISPOSITIVO CUJO TEOR ALTERA A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS

POR MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS CONTRA CIVIS

Tubarão 2019

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BEATRIZ DO AMARAL

A CONSTITUCIONALIDADE DO § 2° DO ARTIGO 9º DO DECRETO-LEI N. 1.001, ALTERADO PELA LEI N. 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017:

ANÁLISE DO DISPOSITIVO CUJO TEOR ALTERA A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI NOS CRIMES CONTRA A VIDA PRATICADOS POR

MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS CONTRA CIVIS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Josias Machado Severino, Esp.

Tubarão 2019

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Dedico esta monografia àqueles em quem me inspiro, meus irmãos, por me orientarem, sempre, a buscar aperfeiçoamento pessoal, bem como aos meus pais e ao meu namorado, por todo o suporte dado neste percurso.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus e a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, me motivaram a não desistir. Não poderia, aqui, citar todos os nomes daqueles que se fizeram presentes nesta jornada, mas acredito que cada pessoa com quem convivo teve sua participação especial nisso.

Dentre todas essas pessoas, destacam-se meus pais, meus irmãos e meu namorado, que sempre acreditaram na minha capacidade e, mesmo com suas rotinas diárias e demais afazeres, reservaram um tempo especial para me motivar.

Não menos importante, agradeço ao meu orientador e professor, Josias Machado Severino, excelente professor da área de direito processual penal, quem, antes mesmo de saber qual o tema de monografia escolhido, aceitou me orientar e transmitir seus conhecimentos. Muito obrigada!

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“Se sofrer uma injustiça, console-se, a verdadeira infelicidade é cometê-la.” (Demócrito).

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RESUMO

Este trabalho monográfico visa analisar a alteração legislativa introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017, que dispõe, dentre outros assuntos, sobre a competência a ser aplicada em crimes militares dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas em desfavor de civil. A referida alteração legislativa preconiza que, quando o militar das Forças Armadas estiver em algumas das situações elencadas no artigo 9º, § 2º, do Código Penal Militar, a competência será da Justiça Militar, ao invés de ser do Tribunal do Júri. Para análise se o § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar é constitucional, iniciou-se o presente trabalho com um estudo sobre o Tribunal do Júri, desde sua origem. Na sequência, foram feitas breves ponderações sobre as Forças Armadas, e, ao final, foi realizada uma análise sobre a alteração legislativa em comento. Tendo em vista que a pesquisa buscou trazer maior familiaridade com o objeto, ela classifica-se como exploratória. Em relação à abordagem, ante a impossibilidade de se quantificar os dados obtidos, classifica-se como pesquisa qualitativa. Quanto ao procedimento de coleta de dados, a pesquisa foi bibliográfica e documental, uma vez que embasada em doutrinas e em documentos que não receberam uma avaliação crítica. Ao final, foi possível concluir que, apesar de existirem algumas críticas quanto à ampliação competência da Justiça Militar, tem-se que não há inconstitucionalidade no § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, pois o artigo 124 da Constituição Federal prevê que cabe à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Logo, considerando que o Código Penal Militar dispõe sobre crimes dolosos contra a vida, estes seriam crimes militares e, assim, de competência da Justiça Militar. Ademais, considerando o que foi abordado nos primeiros capítulos desta pesquisa, conclui-se que o Tribunal do Júri tinha a função de permitir que as pessoas fossem julgadas por seus pares, de forma que seria razoável que os militares fossem julgados pela Justiça Militar. Por fim, destaca-se que as situações abrangidas pelo § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar são excepcionais, sendo regra, ainda, que os militares das Forças Armadas são julgados pelo Tribunal do Júri, quando cometerem um crime doloso contra a vida de um civil.

Palavras-chave: Justiça Militar. Forças Armadas. Crimes contra a vida. Tribunal do Júri.

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ABSTRACT

This monographic work aims to analyze the legislative change introduced in the legal system by Law no. 13.491, dated October 13, 2017, which provides, among other matters, jurisdiction to be applied in military crimes against life committed by military personnel of the Armed Forces in detriment of civilians. The said legislative amendment recommends that when the military of the Armed Forces is in some of the situations listed in article 9, § 2, of the Military Penal Code, the jurisdiction will be of the Military Justice, instead of being of the Court of the Jury. In order to analyze whether Paragraph 2 of article 9 of the Military Penal Code is constitutional, the present work began with a study of the Jury Tribunal, since its origin. Following that, brief considerations were made on the Armed Forces, and, at the end, an analysis was made on the legislative change in question. Considering that the research sought to bring greater familiarity with the object, it is classified as exploratory. Regarding the approach, given the impossibility of quantifying the data obtained, it is classified as a qualitative research. As for the data collection procedure, the research was bibliographical and documentary, since it was based on doctrines and documents that did not receive a critical evaluation. In the end, it was possible to conclude that, although there are some criticisms regarding the extension of the jurisdiction of the Military Court, there is no unconstitutionality in Paragraph 2 of Article 9 of the Military Penal Code, since Article 124 of the Federal Constitution provides that Military Justice prosecute and prosecute military crimes defined by law. Therefore, considering that the Military Penal Code provides for intentional crimes against life, these would be military crimes and, thus, the jurisdiction of the Military Justice. In addition, considering what was addressed in the first chapters of this research, it is concluded that the Jury Court had the function of allowing people to be judged by their peers, so that it would be reasonable for the military to be tried by the Military Justice. Lastly, it should be noted that the situations covered by paragraph 2 of article 9 of the Military Penal Code are exceptional, and it is also the rule that the military of the Armed Forces shall be tried by the jury when they commit an intentional crime against the life of a civilian.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 10

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 13 1.3 HIPÓTESE ... 13 1.4 JUSTIFICATIVA... 13 1.5 OBJETIVOS ... 15 1.5.1 Objetivo geral ... 15 1.5.2 Objetivos específicos ... 15 1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 15 1.6.1 Caracterização Básica ... 15

1.6.2 Desenvolvimento: Estruturação dos Capítulos ... 16

2 ABORDAGEM HISTÓRICA ACERCA DO TRIBUNAL DO JÚRI E DE SUA APLICABILIDADE ... 18

2.1 A ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI ... 18

2.1.1 A origem do Tribunal do Júri na Inglaterra ... 19

2.1.2 A origem do Tribunal do Júri na França ... 20

2.1.3 O Tribunal do Júri nos Estados Unidos ... 21

2.1.4 A origem do Tribunal do Júri no Brasil ... 21

2.2 BREVES APONTAMENTOS SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI ... 28

3 UMA SÍNTESE ACERCA DAS FORÇAS ARMADAS ... 31

3.1 AS FORÇAS ARMADAS E SUAS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS ... 31

3.2 A FUNÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS ... 34

4 DA CONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ARTIGO 9º DO CÓDIGO PENAL MILITAR, INCLUÍDO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PELA LEI N. 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017 ... 38

4.1 A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL PRATICADO POR MILITAR ... 41

4.2 RESTRIÇÕES À JURISDIÇÃO MILITAR, À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS 44 4.3 POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA INTRODUZIDA PELA LEI N. 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017 ... 47

5 CONCLUSÃO ... 53

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ANEXO ... 62 ANEXO A – LEI N. 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017 ... 63

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1 INTRODUÇÃO

Este estudo analisará a constitucionalidade do § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, alterado pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017, utilizando-se, para tanto, as estruturas e delineamentos abaixo elencados.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Para que melhor se entenda o problema acerca da competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, é necessário que se vislumbre todo o histórico de alterações legislativas, as quais trouxeram um tratamento diferenciado para tais delitos.

Primeiramente, no Código de Processo Penal Militar, já havia disposição acerca da competência da Justiça Comum, consoante previsto em seu artigo 82:

Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:

[...]

§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum. (BRASIL, 1969).

Posteriormente, com o advento da Lei n. 9.299, de 8 de agosto de 1996, incluiu-se o parágrafo único no artigo 9º do Código Penal Militar, com a seguinte redação: “Os crimes que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum” (BRASIL, 1996). Logo, a competência para processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares em desfavor de civis era do Tribunal do Júri.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, comumente conhecida como “Reforma do Judiciário”, passou-se a ter, também, previsão constitucional no sentido de ser competente o Tribunal do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, consoante redação do § 4º do artigo 125 da Constituição da República Federativa do Brasil. Veja-se:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (BRASIL, 1988).

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Percebe-se, da leitura do dispositivo em apreço, que, quando o crime doloso contra a vida for praticado por militar contra militar, a competência será da Justiça Militar Estadual, enquanto que, nas hipóteses de crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, a competência será da Justiça Comum, pelo rito Tribunal do Júri.

Havia apenas uma hipótese em que o crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil seria julgado pela Justiça Militar, qual seja: aquele praticado nas circunstâncias previstas no artigo 303 da Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica, in verbis:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:

I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);

V - para averiguação de ilícito.

§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

§ 2º A autoridade mencionada no parágrafo anterior responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

§ 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório (BRASIL, 1986). O Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu artigo 303, acima transcrito, prevê o chamado “abate” de aeronave considerada hostil, que permite a destruição da aeronave, pelas Forças Armadas, após autorização do Presidente da República ou de autoridade por ele delegada. Ocorrendo, com a ação, a morte de passageiros ou tripulantes, a competência seria da Justiça Militar Federal, para julgar eventual infração militar, e não do Tribunal do Júri (CAMPOS, 2013; LENZA, 2016).

Todavia, com a vigência da Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017, que alterou dispositivos do Código Penal Militar, ampliou-se a competência da Justiça Militar para julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil.

É o que prevê o artigo 9º, § 2º, do Código Penal Militar: Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

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[...]

§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e

cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de

Aeronáutica;

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo

Penal Militar; e

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral (BRASIL, 2017).

Dessa forma, quando o crime doloso contra a vida for praticado por militar das Forças Armadas em desfavor de civil, em cumprimento de atribuições estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa, ou nos casos em que envolvam a segurança da instituição militar ou de missão, assim como nos casos de atividade militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, a competência será da Justiça Militar da União.

Nesse sentido, Capez (2018, p. 285) diz que:

Antes da mudança promovida pela Lei n. 13.491/2017, a competência era da justiça comum (tribunal do júri), sendo que com a atual redação, a competência passou a ser da Justiça Militar da União (ampliação da competência da Justiça Militar da União), devendo observar que a conduta deve ter sido praticada no contexto dos incisos I-III e respectivas alíneas do parágrafo em tela, pois, do contrário, a competência é do Tribunal do Júri. A Constituição da República Federativa do Brasil elenca, em seu artigo 142, quem são os militares das Forças Armadas. Veja-se:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (BRASIL, 1988).

Percebe-se que a Lei n. 13.491 não alterou a competência em relação aos crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militares que não integram as Forças Armadas, de modo que estes ainda são processados e julgados pela Justiça Comum, no rito do Tribunal do Júri.

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Além dos militares das Forças Armadas, conforme previsto no artigo 42 da Constituição Federal, são também militares os membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) (BRASIL, 1988).

Vislumbra-se, então, que os membros das Polícias Militares e os membros dos Corpos de Bombeiros Militares que eventualmente cometerem um crime doloso contra a vida de um civil, embora em situações semelhantes àquelas previstas no § 2º, do artigo 9º, do Código Penal Militar, serão julgados pela Justiça Comum, diferentemente dos militares das Forças Armadas, os quais serão julgados pela Justiça Militar da União.

Diante da situação descrita, o presente trabalho, analisará a constitucionalidade do § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017.

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017, é constitucional?

1.3 HIPÓTESE

O § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017, é constitucional porque o crime doloso contra a vida praticado por militar das Forças Armadas contra civil tem natureza de crime militar.

1.4 JUSTIFICATIVA

A alteração legislativa objeto desta pesquisa está gerando consideráveis debates acerca de sua constitucionalidade, pois vai de encontro aos demais dispositivos vigentes até então, segundo os quais o Tribunal do Júri era competente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis.

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Criou, inclusive, uma distinção entre militares das Forças Armadas e os militares que não servem às Forças Armadas, formando uma espécie de “foro por prerrogativa de função” para aqueles, o que, supostamente, viola o princípio da isonomia.

O tema possui destaque, ademais, em razão do desvio de função que se vislumbra por parte dos militares das Forças Armadas, os quais, rotineiramente, estão exercendo policiamento urbano e trabalhando na repressão de crimes, de forma a caracterizar uma militarização da segurança pública (LOPES JÚNIOR, 2017).

Assim, eventualmente, na prática cotidiana, podem ser denotadas situações em que dois militares – um Policial Militar Estadual e um Militar das Forças Armadas, apesar de estarem realizando os mesmos serviços, se cometerem um crime doloso contra a vida de um civil, serão processados e julgados em diferentes esferas. O Policial Militar Estadual, nesse caso, será processado perante a Justiça Comum e submetido ao Tribunal do Júri, de modo que o Militar das Forças Armadas será processado e julgado pela Justiça Militar da União, se incorrer em uma das hipóteses descritas no § 2º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 1.001/1969.

A respeito do assunto, já há Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI n. 5901), proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), na qual se questiona a constitucionalidade no dispositivo em questão. Até o momento, porém, não houve julgamento pelo órgão.

Em consultas às bases de dados BDjur, BDTD, Scielo, Domínio Público, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, Indexação Compartilhada de Periódicos (ICAP), Lexml – Rede de Informação Legislativa e Jurídica e o Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, não se encontram artigos específicos sobre a Lei n. 13.491/2017.

A matéria merece especial relevância, em virtude de que as matérias de Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar se tratam de temas que são pouco difundidos na faculdade de Direito, apesar de sua importância no cotidiano dos militares.

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1.5 OBJETIVOS

1.5.1 Objetivo geral

Analisar a constitucionalidade do § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, incluído no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017.

1.5.2 Objetivos específicos

Analisar a instituição do Tribunal do Júri e o porquê de sua criação, desde sua origem.

Analisar a história das Forças Armadas e quais as suas funções.

Identificar qual o posicionamento dos pesquisadores e doutrinadores sobre a constitucionalidade do artigo 9º, § 2º, do Código Penal Militar.

Descrever as possíveis consequências acerca da alteração legislativa introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017.

1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA

1.6.1 Caracterização Básica

Em relação ao nível, a pesquisa realizada, em virtude de ser um assunto com poucos artigos científicos publicados, visa obter maior familiaridade com o objeto, caracterizando-se, portanto, como pesquisa exploratória (LEONEL; MARCOMIM, 2015).

No tocante à abordagem, tendo em vista ser pesquisa com características particulares, as quais não podem ser quantificadas, classifica-se como pesquisa qualitativa, que, segundo Minayo (2007 apud LEONEL; MARCOMIM, 2015, p. 28), “[...] se aprofunda nos aspectos da realidade não visíveis, e que devem ser externalizados pelo próprio pesquisador”.

Além disso, é qualitativa porque analisou o posicionamento da doutrina e da jurisprudência, assim como eventuais artigos científicos, construindo-se uma sequência lógica acerca do tema, para embasar eventual posicionamento, seja pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo legal em questão.

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Há de se ressaltar, desse modo, que, em razão de a pesquisa ser baseada em doutrina e em eventuais artigos publicados sobre assunto, quanto ao procedimento de coleta de dados classifica-se por bibliográfica, haja vista que se trata de investigação feita em materiais já elaborados (LEONEL; MARCOMIM, 2015, p. 15).

Do mesmo modo, classifica-se por pesquisa documental, pois utilizou uma decisão judicial e documentos diversos que não receberam uma análise crítica.

Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica e documental, o corpus resume-se aos livros, doutrinas de direito e artigos, que foram utilizados no decorrer do processo de pesquisa, assim como em documentos que ainda não receberam avaliação analítica.

O processo de levantamento de dados foi realizado por meio da leitura de doutrinas, artigos e documentos que tratam das matérias de Tribunal do Júri, Forças Armadas e competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares, de onde se extrairão os preceitos fundamentais do Tribunal do Júri e os preceitos quanto à função das Forças Armadas, para, ao final, se discutir se é constitucional a alteração legislativa criada pela Lei n. Lei n. 13.491/2017, no que tange ao tratamento diferenciado conferido ao militar das Forças Armadas que comete crime contra doloso contra a vida em desfavor de civil.

1.6.2 Desenvolvimento: Estruturação dos Capítulos

O presente estudo monográfico é estruturado em três capítulos, sendo que, no primeiro deles, tratar-se-á sobre o Tribunal do Júri, desde a sua criação, até sua chegada no Brasil, e, principalmente, o porquê de sua inserção no mundo jurídico. Além disso, serão abordadas suas alterações legislativas até que se atribuiu, ao Tribunal do Júri, status de garantia fundamental, previsto na República Federativa do Brasil.

Na sequência, no segundo capítulo, será realizada uma abordagem acerca da história das Forças Armadas e de sua função, além de serem realizados alguns apontamentos sobre as operações de garantia da lei e da ordem realizadas pelas Forças Armadas.

No terceiro capítulo, analisar-se-á a alteração legislativa propriamente dita, bem como a natureza do crime doloso contra a vida praticado por militar em

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desfavor de civil e a (in) constitucionalidade do artigo 9º, § 2º, do Código Penal Militar. Ao final, serão abordadas as possíveis consequências trazidas com a vigência da Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017.

Por fim, na conclusão, serão apresentadas as constatações científicas obtidas com a presente pesquisa.

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2 ABORDAGEM HISTÓRICA ACERCA DO TRIBUNAL DO JÚRI E DE SUA APLICABILIDADE

Com a intenção de obter suporte doutrinário acerca da (in) constitucionalidade do dispositivo que é objeto do presente trabalho, qual seja, § 2º do artigo 9º do Código Penal Militar, necessária se faz uma contextualização histórica da criação do Tribunal do Júri, do porquê de ter sido criado, assim como de sua aplicabilidade/competência.

Como cediço, no atual ordenamento jurídico, a competência do Tribunal do Júri está consagrada como uma cláusula pétrea, visto que está prevista no artigo 5º da Constituição Federal, cujo teor diz respeito aos direitos e garantias fundamentais.

A criação das leis, na maior parte das vezes, quiçá em todas, é baseada em acontecimentos históricos e/ou na mudança de pensamento e de valores de uma determinada sociedade.

No caso do Tribunal do Júri, não é diferente. Há de se dizer que não foi uma previsão legal que surgiu repentinamente, eis que se originou há alguns séculos. Contudo, a controvérsia acerca de sua origem é tamanha que Maximiliano (1946, p. 156 apud Nucci, 2013, p. 46) afirmou: “[...] as origens do instituto, vagas e indefinidas, perdem-se na noite dos tempos”.

Na sequência, então, será realizada uma abordagem quanto à origem do Tribunal do Júri em alguns países e, também, no Brasil.

2.1 A ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI

A origem sólida do Tribunal do Júri remonta a Carta Magna da Inglaterra, outorgada pelo rei João Sem Terra, no ano de 1215. Não obstante, na Grécia, desde o século IV a. C., já se tinha conhecimento de um júri denominado Tribunal da Helieia, composto por cidadãos representantes do povo (NUCCI, 2013).

O Tribunal da Helieia era formado pelos heliastas, os quais eram, em princípio, seis mil, distribuídos em dez seções de seiscentos membros cada, designados, anualmente, para julgamento por sorteio, em meio aos cidadãos com mais de trinta anos, de reputação ilibada e não devedores do estado (ROUMIER, 2003, p. 1 apud BONFIN, p. 708).

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Além disso, há quem diga que as Leis de Moisés foram as primeiras que interessaram aos cidadãos nos julgamentos dos tribunais, onde estariam os fundamentos do Tribunal do Júri, muito embora houvesse forte misticismo religioso (BISINOTTO, [2006?]).

Mas, considerando que os julgamentos, nesta época, eram consubstanciados na oralidade, havendo poucos vestígios escritos acerca de como eram realizados, ater-se-á, aos primeiros documentos relacionados às leis que continham previsão do Tribunal do Júri.

2.1.1 A origem do Tribunal do Júri na Inglaterra

A Carga Magna, outorgada pelo rei João Sem Terra, da Inglaterra, no ano de 1215, previa, implicitamente, que os autores dos delitos fossem julgados por seus pares.

Essa Carta Magna ficou marcada, principalmente, por ter consignado direito à liberdade de expressão, devendo o rei, inclusive, obedecer às regras nela previstas. Iniciou-se, portanto, uma fase em que o povo tinha direitos, com exceção dos escravos (SEBBEN, [2016?]).

Arruda (2013, p. 19) diz que no artigo 39 da Carta Magna da Inglaterra havia o seguinte preceito: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”.

De uma análise da referida previsão legal, extrai-se que, quando o legislador da época utilizou a expressão “de seus pares”, quis dizer, em verdade, que seriam as pessoas julgadas por outras que integrassem o mesmo meio, com o intuito de impedir o exercício do poder absoluto dos magistrados à época.

A impressão provocada pela expressão mencionada é a de que, já naquela época, poderia a sociedade participar de um julgamento, exercendo a função do Estado, definindo as punições para aqueles que descumprissem as leis.

Mas, como se vê, não se pode asseverar, indubitavelmente, que o júri foi instituído na referida Constituição, pois não havia, na época, doutrinas sobre o assunto e sobre a interpretação de cada artigo, sendo que, atualmente, alguns doutrinadores afirmam, sem muitas delongas, que o júri iniciou naquela época.

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Ainda que a sociedade, naquela época, houvesse registrado os julgamentos que foram baseados na Carta Magna, os registros teriam de ser muito bem conservados, para sobreviverem cerca de oito séculos, a fim de, então, possibilitar sua análise, nos dias atuais.

2.1.2 A origem do Tribunal do Júri na França

Durante os cinco séculos seguintes à criação da Carta Magna, na Inglaterra, poucos resquícios históricos existem acerca da instituição do Tribunal do Júri. Após esse extenso lapso temporal, alguns doutrinadores dizem que tal instituto passa a ser previsto na França.

Araújo e Silva (2017) afirmam que há correntes no sentido de que o júri foi estabelecido na França, após a Revolução Francesa de 1789, com o fim de afastar as ideias e métodos executados pelos juízes do regime monárquico.

No mesmo sentido, o doutrinador Rangel (2018a, p. 58) leciona que: Os juízes não eram dotados, como hoje, de independência funcional, razão pela qual a justiça deveria ser feita pela própria sociedade. [...] Dotada de uma estrutura processual inquisitiva, a França necessitava de um mecanismo de controle do abuso estatal durante o procedimento criminal, pois a tortura, como meio de prova, era prática comum. O júri, então, veio colocar um freio nesse abuso representando os valores e os ideais dos revolucionários da época que fundaram a revolução em três conceitos básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade de decisão dos cidadãos; igualdade perante a justiça e fraternidade no exercício democrático do poder.

Em suma, os juízes, antes da Revolução Francesa, eram parciais, decidiam com base em relações políticas, na grande parte das vezes, não havendo grandes garantias acerca das liberdades individuais.

Nesse âmago, a importância da instituição do Tribunal do Júri na França foi tanta que, nas palavras de Eluf (2009, p. 237) “[...] com a Revolução Francesa, o júri espalhou-se pela Europa, transformando-se em símbolo de reação ao absolutismo monárquico”.

Na sequência, algumas décadas depois, mais precisamente no ano de 1822, surgiu, no Brasil, a primeira previsão do Tribunal do Júri, a qual será abordada, neste estudo, posteriormente.

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2.1.3 O Tribunal do Júri nos Estados Unidos

O Tribunal do Júri, nos Estados Unidos, trata-se de um instituto secular presente no sistema common law, herdado do sistema de justiça inglês e adotado pelos colonos americanos, no século XVIII (BALIARDO, 2010).

De uma análise dos filmes jurídicos produzidos nos Estados Unidos, facilmente se percebe que a maioria dos julgamentos são realizados por meio do Tribunal do Júri, o que simboliza a grande importância a ele conferida.

Conforme Grazioli ([2014?], p. 3), estima-se que 90% dos Tribunais do Júri realizados no mundo são feitos nos Estados Unidos, sendo aplicado tanto em causas criminais quanto em causas cíveis, se dividindo no Grand jury (Grande Júri) e Petitjury (Pequeno Júri).

O Grand Jury é chamado de escudo, pois significa uma garantia posta entre o acusador e o acusado, protegendo este contra a persecução penal opressiva e infundada (RANGEL, 2018a, p. 57).

A seguir, no próximo tópico, será realizada uma análise sobre a origem do Tribunal do Júri no Brasil.

2.1.4 A origem do Tribunal do Júri no Brasil

O surgimento do Tribunal do Júri, no Brasil, ocorreu com a Lei de 18 de Julho de 1822, promulgada enquanto o Brasil ainda estava sob o domínio de Portugal, tendo em vista ter ocorrido antes da Independência – 7 de setembro de 1822, a qual previa que seriam julgados pelo Tribunal do Júri apenas os crimes de imprensa (RANGEL, 2018a, p. 70).

Importante destacar que, mesmo com a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822, o Brasil ainda se sujeitava às leis portuguesas, as quais sofriam forte influência inglesa. Além disso, a forma de governo ainda era a monarquia (RANGEL, 2018a, p.70).

Conforme Bethell e Carvalho (apud Rangel, 2018a, p. 70):

Na segunda metade de 1823, a oposição ao imperador tanto na Assembleia Constituinte quanto na imprensa tornou-se cada vez mais forte. Em 12 de novembro de 1823, a Assembleia foi dissolvida à força e, entre outros, José Bonifácio e seus irmãos mais jovens e mais liberais foram presos e banidos para a França. O próprio Dom Pedro criou imediatamente um Conselho de Estado, que rapidamente redigiu uma constituição. Os Senadores eram escolhidos pelo imperador a partir de listas tríplices de eleitos nas províncias

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e seus mandatos eram vitalícios. Para participar das eleições primárias, o votante devia ter uma renda líquida anual de 100 mil-réis, proveniente de bens ou de emprego; os eleitores deviam ter uma renda mínima de 200 mil-réis. O imperador nomeava os juízes do Supremo Tribunal.

Promulgada a Constituição de 1824, o Tribunal do Júri ascendeu no plano formal, conforme disposição do seu artigo 151: “O Poder Judicial é independente, e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos, e pelo modo, que os códigos determinarem” (Brasil, 1824).

Importante destacar, também, que, nesse período, existia o chamado “Poder Moderador”, que se tratava de um quarto poder, além do Executivo, Legislativo e Judiciário, o qual tinha a finalidade de moderar os demais poderes políticos, sendo delegado ao imperador, que, à época, era Dom Pedro II, o qual, nos limites de seu governo, se utilizou do instituto para promover as reformas que achava necessárias (LYNCH, 2010, p. 11-12).

Desse modo, tem-se que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário eram limitados, ao passo que sofriam forte influência do imperador, que, a qualquer momento, poderia interferir em suas esferas, tornando-os submissos aos seus desejos.

Nesse contexto conturbado, a Constituição de 1824 conferiu aos jurados, em seus artigos 151 e 152, a competência para decidirem sobre os fatos, e aos juízes a competência para aplicarem a lei.

O simples fato de conferir essa tarefa aos jurados transformou uma época marcada pelos julgamentos parciais dos magistrados, os quais estavam submissos ao Poder Moderador do monarca.

Em 29 de novembro de 1832, entrou em vigor o Código de Processo Criminal do Império, o qual previa que apenas poderiam ser jurados aqueles que eram eleitores e, consequentemente, só poderiam ser jurados os que tivessem boa situação econômica, já que esses eram os que possuíam direito a voto (RANGEL, 2018a, p.71).

Carvalho (apud Figueira, [2002?], p. 6) assevera que “Podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem renda mínima de 100 mil-réis [...] As mulheres não votavam, e os escravos, naturalmente, não eram considerados cidadãos”.

Assim, em relação à lei que instituiu o Tribunal do Júri no Brasil, entende-se que houve um retrocesso, pois os desprovidos financeiramente não podiam entende-ser

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jurados. Essa ideia ia em desencontro à estabelecida na Carta Magna, do rei João Sem Terra, que estabelecia que as pessoas seriam julgadas por “seus pares”.

Ora, se uma pessoa pobre cometesse um crime, acabaria por ser julgada por alguém de classe financeira superior a sua, que poderia ter uma realidade de vida bastante diferente do acusado.

Nesse sistema de julgamento, ou seja, no Código de Processo Penal do Império, havia dois conselhos de jurados, chamados jury de accusação ou 1º Conselho de jurados e jury de sentença ou 2º Conselho de Jurados. O procedimento encontrava descrito entre os artigos 238 e 311 do referido diploma legal (Brasil, 1832).

Em suma, o 1º Conselho tinha como atribuição definir se seria realizada a acusação contra o réu, definindo se existia o mínimo de provas para submeter o acusado ao julgamento, enquanto que o 2º Conselho tinha a atribuição de sentenciar, decidindo sobre o mérito em si.

Vejam-se os dispositivos que remetem a isso:

Art. 244. Finda a leitura de cada processo, que será feita pelo Secretario, e qualquer debate, que sobre elle se suscitar, o Presidente porá a votos a questão seguinte: Ha neste processo sufficiente esclarecimento sobre o crime, e seu autor, para proceder à accusação? Se a decisão fôr affirmativa, o Secretario escreverá no processo as palavras: - O Jury achou matéria para accusação -.

[...]

Art. 269. Achando-se a causa no estado de ser decidida por parecer aos Jurados, que nada mais resta a examinar o Juiz de Direito, resumindo com a maior clareza possível toda a matéria da accusação, e da defesa, e as razões expendidas pró, e contra, proporá por escripto ao Conselho as questões seguintes: § 1º Se existe crime no facto, ou objecto da accusação?§ 2º Se o accusado é criminoso?§ 3º Em que gráo de culpa tem incorrido?§ 4º Se houve reincidencia (se disso se tratar)? § 5º Se ha lugar á indemnização?

Art. 270. Retirando-se os Jurados a outra sala, conferenciarão sós, e a portas fechadas, sobre cada uma das questões propostas, e o que fôr julgado pela maioria absoluta de votos, será escripto, e publicado como no Jury de accusação. Decidida a primeira questão negativamente, não se tratará mais das outras (BRASIL, 1932).

O procedimento possuía algumas diferenças em relação ao modo como é realizado nos dias de hoje, notadamente pelo fato de que, atualmente, não existe o Conselho de Acusação, pois quem faz o papel da acusação é o próprio Ministério Público. Além disso, a questão da incomunicabilidade dos jurados e o sigilo das votações, prevista do Código de Processo Penal vigente, não existia, pois o texto processual penal, à época, não deixava evidente tais questões.

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Frisa-se, ademais, que, a regra contida no artigo 289 do Código de Processo Penal do Império, previa que os jurados que realizassem o Conselho de Acusação não poderiam realizar o Conselho de Sentença.

Em consonância com o entendimento de Rangel (2018a, p. 72), tal regra teria, claramente, o condão de garantir a imparcialidade dos Conselhos, pois aquele que iria julgar o processo não teria tido um acesso prévio às provas contra o acusado, bem como que, em virtude disso, o Tribunal do Júri, naquela época, teria sido o mais democrático já existente no nosso ordenamento jurídico.

Supõe-se que, aquele que optou pela acusação do investigado, se, eventualmente, compusesse o Conselho de Sentença, poderia julgar com base naquelas provas analisadas inicialmente, sem tomar por base as demais, e, desse modo, raramente haveria absolvições nos processos.

A lógica, de fato, não foge ao assunto, conquanto, analogicamente, se pode comparar com a regra contida no artigo 155 do nosso atual Código de Processo Penal, a qual prevê a impossibilidade de o magistrado sentenciar com base, tão somente, em elementos de provas colhidos na fase indiciária.

Insta destacar, que, à época, os jurados podiam discutir entre si acerca da decisão, pois não existia a exigência de incomunicabilidade como existe hoje, remetendo à conclusão de que um jurado poderia influenciar na decisão de outro.

Posteriormente, com o Decreto-Lei n. 167, de 05 de janeiro de 1838, o legislador federal tornou os jurados incomunicáveis entre si. É a previsão do seu artigo 70, in verbis:

Art. 70. Aos jurados, quando se recolherem á sala secreta ou destinada a descanso, serão sempre entregues os autos do processo, bem como, se o pedirem, os instrumentos do crime, devendo o juiz estar presente para evitar que se exerça influência de uns sôbre outros (Brasil, 1938).

Não obstante, na sequência, houve a reforma do Código de Processo Criminal, com edição da Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, que extinguiu o júri de acusação, permanecendo, somente, o júri de sentença (Brasil, 1841).

Essa reforma suprimiu, entre outras coisas, os poderes dos juízes populares, sob o argumento de que este modelo teria sido deficiente (GOMES; MEIRELES, 2008, p. 5).

Rangel (2018a, p. 76) apresenta uma crítica ao sistema adotado:

A pronúncia sendo proferida pelo juiz e não pelos jurados retira do acusado o direito de ser julgado pelos seus pares, mesmo que ainda em fase de admissibilidade da acusação. E pior: o juiz, à época, bem como o delegado

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eram escolhidos a dedo pelo Monarca ou quem suas vezes fizesse, retirando-lhes qualquer independência funcional que só vem a surgir na República.

Além disso, a reforma elencou mais requisitos para aqueles que quisessem ser jurados, conforme dicção do seu artigo 27:

Art. 27. São aptos para Jurados os cidadãos que puderem ser Eleitores, com a excepção dos declarados no art. 23 do Codigo do Processo Criminal, e os Clerigos de Ordens Sacras, com tanto que esses cidadãos saibão ler e escrever, e tenhão de rendimento annual por bens de raiz, ou Emprego Publico, quatrocentos mil reis, nos Termos das Cidades do Rio de Janeiro, Bahia, Recife e S. Luiz do Maranhão: trezentos mil réis nos Termos das outras Cidades do Imperio; e duzentos em todos os mais Termos (Brasil, 1841).

Logo, além de atribuir aos chefes de polícia, delegados e subdelegados a incumbência anteriormente concedida ao Júri de Acusação, a reforma também restringiu quem poderia ser jurado, para, somente, eleitores ou clérigos, desde que soubessem ler e escrever e tivessem rendimento anual de por bens ou emprego público, ou 400 mil réis.

Novamente, o Tribunal do Júri sofreu uma severa intervenção do governo, que, ao invés de defender o direito da sociedade, apenas consubstanciado em seu ânimo próprio em interferir nas decisões dos jurados, mudou a lei processual criminal a seu favor.

Seguindo-se o curso das reformas processuais, com a Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, estabeleceu nova mudança no Tribunal do Júri, determinando que a competência para a pronúncia seria exclusiva dos juízes de direito das comarcas e dos juízes municipais.

Conforme Rangel (2018a, p. 78), a reforma em comento visava separar as funções da polícia e do Judiciário e, para tanto, criou o que chama-se, hoje, de inquérito policial, delimitando a atuação da polícia para a investigação dos crimes, enquanto que aos juízes competia o julgamento inicial de pronúncia.

Marques (1997, p. 44, apud Schauffert, p. 24) afirma:

A Lei n. 2.033 de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto n. 4.824 de 22 de novembro do dito ano, fez novas alterações na legislação judiciária do país, vindo a atingir o Júri. Manteve a divisão territorial em distritos de Relações, comarcas, termos e distritos de paz, mas classificou as comarcas em gerais e especiais, compreendendo estas as que estavam situadas na sede dos Tribunais de Relação, ou as que fossem compostas de um só termo, contanto que pudessem ir e voltar da sede da Relação num mesmo dia. Foi restabelecida a competência do Júri para os crimes que a Lei n. 562, de 7 de julho de 1850, havia atribuído aos juízes.

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Tem-se que os legisladores imaginaram um modelo bifronte, de um lado afastando o Judiciário da coleta das provas, com o fim de mantê-lo imparcial, de outro, retirando a função da polícia, para que a devida punição no controle judicial dos atos de polícia judiciária fosse realizada (GENOFRE, 2013).

Como cediço, após quase quatro décadas, em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República.

Em 11 de outubro de 1890, foi criado o Júri Federal, por meio do Decreto n. 848, determinando que os crimes sujeitos à jurisdição federal seriam julgados pelo Tribunal do Júri.

Com o advento da Lei n. 515, de 3 de novembro de 1898, houve exclusão dos crimes de moeda falsa, contrabando, peculato, falsificação de estampilhas, selos, vales postais e outros da competência do Tribunal do Júri.

Na sequência, em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, em que o júri foi previsto no título referente aos cidadãos brasileiros e na seção de declaração de direitos, nestes termos:

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 31. É mantida a instituição do jury.

Conforme Rangel (2018a, p. 79), “A expressão é mantida a instituição do júri impedia que se fizesse qualquer alteração na sua essência por qualquer lei ordinária, mantendo-se o status quo. Ou seja, o júri deveria ser mantido do jeito que estava”.

Ademais, Nucci (2008) ensina que, em virtude da influência que o Brasil sofria dos Estados Unidos, transferiu-se a instituição do Tribunal do Júri para o contexto dos direitos e garantias individuais.

Não se olvida o papel da Constituição 1891, na história do Tribunal do Júri, foi de extrema importância, considerando-se que foi o marco inicial para que fosse tido como uma garantia individual daquele que cometesse um crime doloso contra a vida.

Não obstante, com a Constituição de 1934, se retomou a diretriz do Império, fazendo com que o Tribunal do Júri passasse a integrar a sessão destinada

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ao Poder Judiciário. Era a previsão do seu artigo 72: “É mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei” (Brasil, 1934).

Não bastasse a supressão do Tribunal do Júri como garantia individual, com a Constituição de 1937, houve efetiva retirada do Tribunal do Júri da Lei Maior, extinguindo sua soberania.

Numa contextualização histórica, a Constituição de 1937 ficou marcada pelo Golpe do Estado Novo, em que, Getúlio Vargas, receoso com as eleições que estavam próximas, redefiniu suas alianças com os militares e, na data de 10 de novembro do ano em comento, cercou o Congresso Nacional com tropas militares, ocasião em que anunciou à população a mudança de regime, por meio do programa radiofônico “A hora do Brasil” (PANDOLFI, [2002?], p. 5).

Importante destacar que não houve somente a supressão do júri, mas também o próprio Senado Federal foi extinto com a lei em apreço, ficando o Brasil sem o Senado por cerca de nove anos (WESTIN, 2016).

Em meio a esse contexto histórico, Rangel (2018a, p. 81) exprime uma crítica ao período:

O júri, então, passa a sofrer a influência do novo regime e da nova classe que assume o poder, logo, sua independência e soberania foram cerceadas. O déspota tem de ter o júri sob controle, e a melhor forma é retirando sua soberania, silenciando-o e diminuindo seu número para sete. Até porque a escolha dos jurados era feita por conhecimento pessoal do magistrado, o que, por si só, faz com que recaia sobre aqueles que pertencem à classe detentora do poder. A lei penal, seja processual, seja penal material, sempre foi um instrumento de legalização do arbítrio estatal, não obstante faltar legitimidade a seus atos. Não se pode confundir a legalidade (estar previsto em lei) com a legitimidade (harmonia com os postulados da vida humana como bem supremo e com o qual não se admite transação).

Por sua vez, em janeiro de 1938, o então ministro da justiça Francisco Campos assinou o Decreto-Lei n. 167, que regulamentava a instituição do júri.

Com a queda de Getúlio Vargas, a democracia foi restabelecida com a Constituição do Brasil de 1946, que previu restauração da soberania do Júri, nos termos do artigo 141, § 28:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes: [...]

§ 28 É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatòriamente da sua competência o julgamento dos crimes doloso contra a vida (Brasil, 1946).

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Volvendo os olhos sob o referido dispositivo, de logo se verifica a semelhança com o artigo 5º, inciso XXXVIII, da nossa atual Constituição, porquanto prevê os princípios constitucionais do Tribunal do Júri, quais sejam: a) plenitude de defesa; b) sigilo das votações; c) soberania dos veredictos; e d) a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Apesar de o referido dispositivo prever que a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida seria do Tribunal do Júri, isso não impediu que outros crimes fossem julgados pelo Tribunal, a exemplo daqueles previstos na Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, ou seja, dos crimes contra a economia popular.

No artigo 12 da lei em comento havia a previsão: “Art. 12. São da competência do Júri os crimes previstos no art. 2º desta Lei” (Brasil, 1951). Logo, considerando que o dispositivo mencionado tratava de todos os crimes contra a economia popular, seriam eles submetidos ao julgamento pelo Júri.

Por conseguinte, em 12 de novembro de 1953, é sancionada a Lei n. 2.083, que previu o Júri de Imprensa, composto por Juiz de Direito, com direito a voto, e de quatro cidadãos sorteados dentre vinte e um jurados da Comarca. Contudo, com a Lei de Imprensa posterior, n. 5.250, de 1967, não houve mais previsão legal desse julgamento, passando, portanto, a não existir mais tribunal para julgamento de crimes de imprensa (FORTI, 2009, p. 3).

A Constituição de 1967, outorgada sob a égide do regime militar, manteve a instituição do júri e a soberania dos veredictos para julgar os crimes dolosos contra a vida.

A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, trouxe nova redação para a Carta de 1967, mantendo a competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, mas tirando a soberania de seus veredictos.

Finalmente, com o advento da Constituição de 1988, o Tribunal do Júri voltou a ter o status de garantia fundamental, sendo restaurada, inclusive, a soberania dos seus veredictos.

2.2 BREVES APONTAMENTOS SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI

Há muita discussão, no meio jurídico, acerca da relevância do Tribunal do Júri. Alguns sustentam a tese de que os jurados, por serem pessoas leigas que não

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exercem o encargo de julgamento com habitualidade, não teriam capacidade para julgamento de casos com grande repercussão.

Coelho (apud Streck, 2001, p. 91) entende que “o Tribunal do Júri continuará julgando mais pelo instinto do que pela lógica ou pela razão, pouco ligando para o que diga o Código repressivo ou a moderna dogmática penal”.

Tal tese encontra amparo no fato de que o Juiz togado, ao exercer o ofício, encontra-se atrelado a diversos princípios constitucionais e processuais penais, enquanto que o jurado é independente em seu julgamento, não se atrelando a tais princípios.

Por exemplo, imagine-se o juiz que, ao sentenciar, verifica que as provas cabíveis para sustentar o édito condenatório são aquelas produzidas na fase de inquérito. Vendo-se nessa situação, o magistrado deverá aplicar a regra contida no artigo 155 do atual Código de Processo Penal, que a condenação com base, apenas, em provas produzidas na fase inquérito, notadamente porque, nessa fase, não há a garantia da ampla defesa e do contraditório.

A mesma situação hipotética, aplicando-se aos jurados, poderia ser contornada para condenação do réu, tendo em vista que os jurados não se vinculam a tais premissas, bem como não precisam fundamentar seu voto.

Aplicando-se isso ao objeto deste estudo, ou seja, nos julgamentos de militares, ante a insurgente tendência da população de ser contra a força policial, tem-se que, também, poderiam ocorrer excessos nas condenações, até mesmo porque os jurados carecem de imparcialidade, qualidade inerente para o julgamento.

Contudo, do mesmo modo em que podem, facilmente, condenar sem o primor técnico do magistrado togado, os jurados podem absolver.

Veja-se, a propósito, o caso de Raul Fernando do Amaral Street (de alcunha “Doca Street”), que, inconformado com o término de um relacionamento, assassinou Angela Diniz, na data de 30 de dezembro de 1976, e, quando submetido ao julgamento pelo Conselho de Sentença, seu advogado apresentou a tese defensiva de que teria agido em “legítima defesa da honra com excesso culposo” (CASTRO, 2018)

Houveram dois julgamentos, mas já no primeiro julgamento, após o advogado sustentar a tese defensiva de que a vítima seria uma pessoa com comportamento inadequado, o que justificaria as atitudes do réu em defesa da honra, os jurados entenderam que se tratava de homicídio culposo, apesar de todas

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as provas constantes do processo indicarem que o crime se tratava de um homicídio doloso (CASTRO, 2018).

Não se olvida que se está falando de outros tempos, em que a população tinha outro pensamento. Todavia, caso o acusado fosse submetido ao julgamento de juízes togados, muito provavelmente a decisão seria diferente.

Nesse sentido, Lopes Júnior (2012, p. 1050) assevera que “os jurados estão muito suscetíveis a pressões e influências políticas, econômicas e, principalmente, midiáticas, na medida em que carecem de garantias orgânicas da magistratura”.

Entretanto, malgrados alguns casos isolados, não há qualquer estudo que demonstre que as decisões dos jurados absolvam mais ou menos que as prolatadas por Juiz de Direito. Inclusive, Streck (2001, p. 96-97) defende:

É importante frisar que não há qualquer levantamento que comprove, por exemplo, que o Tribunal do Júri, no Brasil, absolve mais do que o fazem os juízes singulares em seus julgamentos. No entanto, esta é uma afirmação frequente, às vezes dos que defendem a manutenção do júri, às vezes dos que são contrários a ele; às vezes pelos que o condenam por ser pouco técnico, às vezes pelos que o elogiam por sua qualidade democrática, dependendo da situação em que encontrem.

Calha destacar que, apesar das incongruências, ainda assim, o Tribunal do Júri é um modo de as pessoas exercerem a democracia, embora com a possibilidade de equívocos, traduz o acerto popular, onde alguns erros são propositais e significam a indulgência legítima que foi garantia por lei (ALMEIDA, 2002, p. 78 apud ALBUQUERQUE, 2010, p. 57).

Feitos esses apontamentos básicos sobre o Tribunal do Júri, será realizada, no próximo capítulo, uma análise minuciosa a respeito das Forças Armadas, com o fim de que se chegue ao último capítulo deste estudo com o conhecimento de alguns preceitos básicos sobre a sua função.

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3 UMA SÍNTESE ACERCA DAS FORÇAS ARMADAS

Tendo em vista que o § 2º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 1.001/69, alterado pela Lei n. 13.491, previu um tratamento diferenciado ao militar das Forças Armadas e, como visto anteriormente, criou uma espécie de prerrogativa por função, quando do cometimento de crime doloso contra a vida de civil, imprescindível conhecer um pouco da história das Forças Armadas, para poder concluir se, de fato, a alteração legislativa em discussão seria necessária e apropriada.

Conforme o artigo 142, caput, da Constituição Federal:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (Brasil, 1988).

Em tese, as Forças Armadas têm a função precípua de defesa da pátria, consoante se infere da leitura do dispositivo acima transcrito.

Trazendo à baila, para análise, tem-se que, desde que os portugueses chegaram ao Brasil, no século XV, o país é alvo de cobiça internacional, notadamente em virtude de suas vastas riquezas, como alimento, petróleo, entre outros tantos recursos, o que justifica a criação das Forças Armadas com o fim de defesa da nação.

Contudo, tal acerto não traduz a atual conjuntura política em que se encontram as Forças Armadas, motivo pelo qual será, aqui, estudada, com certo afinco.

A ponderação sobre a função das Forças Armadas é essencial para eventual justificativa de o porquê destes militares possuírem tratamento diferenciado dos militares estaduais.

3.1 AS FORÇAS ARMADAS E SUAS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS

Inicialmente, importante destacar que as Forças Militares já existiam muito antes das primeiras Constituições, confundindo-se, até mesmo, com o descobrimento do Brasil.

Sodré (1979, apud Guimarães, 2003) ensina que a previsão legal acerca dos militares teve início com a Carta de Doação, datada do ano de 1534, e foi

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ampliada, em 1548, com o Regimento do Governador Geral do Brasil, destinado a Tomé de Sousa, o qual recebeu a incumbência de fortificar o litoral da Colônia.

Em virtude da necessidade de expulsão dos holandeses que aqui estavam (no Brasil), em 19 de abril de 1648, com a Batalha dos Guararapes, surgiu o primeiro Exército Brasileiro, composto por brancos, negros e índios, que despendiam todos os esforços para a restauração da pátria em troca de liberdade (GUIMARÃES, 2003).

No contexto constitucional, as Forças Armadas tiveram a primeira previsão na Constituição do Império de 1824, embora com outra nomenclatura, conforme artigo 145 e seguintes:

Art. 145. Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defende-lo dos seus inimigos externos, ou internos.

Art. 146. Enquanto a Assembléa Geral não designar a Força Militar permanente de mar, e terra, substituirá, a que então houver, até que pela mesma Assembléa seja alterada para mais, ou para menos.

Art. 147. A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legitima.

Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio.

Art. 149. Os Officiaes do Exercito, e Armada não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em Juizo competente.

Art. 150. Uma Ordenança especial regulará a Organização do Exercito do Brazil, suas Promoções, Soldos e Disciplina, assim como da Força Naval (Brasil, 1824).

Os artigos em comento estavam inseridos no Capítulo VIII, que tratava da “Força Militar”.

Conforme dicção do artigo 145 supramencionado, as Forças Armadas teriam a função tanto de defesa dos inimigos internos, quanto da defesa de seus inimigos externos. Além disso, todos os brasileiros seriam integrantes das Forças Armadas para a proteção do Império, não havendo, portanto, órgãos especificamente designados para tanto.

De acordo com Mathias (2010, p. 43), durante o império, “empregar a força internamente significava garantir a autonomia de um Brasil recém-nascido: a nação seria forjada pelas armas”.

Nas constituições subsequentes, também houve previsões acerca das Forças Armadas. A Constituição de 1891, por exemplo, previa, em seu artigo 14: “Art. 14. – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes,

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destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior” (Brasil, 1891).

Ao passo que a Constituição de 1824 prescrevia que todos os brasileiros seriam integrantes das Forças, a Constituição de 1891 passou a prever um órgão permanente com a atribuição de defesa da pátria e de manutenção da lei.

As Constituições de 1934 e 1937 também fizeram previsão das Forças Armadas como defesa da pátria, mas com base na obediência hierárquica, veja-se:

Art. 162. – As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais, a ordem e a lei (Brasil, 1934).

Art. 161.- As forças armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina hierárquica e da fiel obediência à autoridade do Presidente da República. (Brasil, 1937).

Seguindo-se o curso das alterações, a Constituição de 1946 passou a prever a composição das Forças Armadas, as quais seriam formadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, com base na hierarquia e também na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República. Na íntegra, seus artigos 176 e 177:

Art. 176. – As forças armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei. Art. 177 – Destinam-se as forças armadas a defender a pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem. (Brasil, 1946).

Por fim, as duas últimas Constituições (1967 e 1988) mantiveram, praticamente, o que previa a Constituição de 1946, unindo-se às disposições das Constituições anteriores:

Art. 92.- As forças armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei. § 1º - Destinam-se as forças armadas a defender a pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem (Brasil, 1967).

Art. 142.- As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exercito e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (Brasil, 1988).

Como visto, desde a Constituição de 1937, houve a necessidade de prever que a base das Forças Armadas seria calcada na hierarquia e na disciplina. Isso se justifica pelo fato de que se fossem indisciplinadas, revelar-se-iam

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impotentes para o desempenho de suas tarefas, as quais, diga-se de passagem, são de extrema relevância para a nação, e, nesse sentido, as Forças Armadas precisam ser organizadas e preparadas para repelir prontamente agressões de outros países contra o Brasil (MARREIROS et al, 2015).

A hierarquia consiste na ordenação da autoridade em níveis diferentes, que se dará por meio de postos ou graduações (posto refere-se ao grau hierárquico do Oficial, e graduação ao grau hierárquico do Praça), enquanto que a disciplina consiste na rigorosa observância e acatamento das leis (LENZA, 2016).

Nesse contexto histórico, Proença Júnior (2011), afirma que “Na Constituição brasileira, as Forças Armadas são tanto a espada da República quanto o escudo da Constituição”.

Isso porque a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais estão no mesmo plano, não havendo uma atividade superior a outra. A garantia dos poderes constitucionais se fará pela força, representada pela espada, enquanto que a defesa da pátria consiste no escudo (PROENÇA JÚNIOR, 2011).

Esmiuçados alguns conceitos básicos das Forças Armadas, passa-se, então, à análise de suas funções.

3.2 A FUNÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS

Muito embora a sua função, no princípio, fosse de defesa nacional, atualmente, se observa, até como melhor adequação ao contexto social em que se vive, que as Forças Armadas estão sendo utilizadas para a segurança pública.

A Constituição Federal prevê que a segurança pública, que tem como escopo a manutenção da ordem pública, será exercida por meio da polícia federal, da polícia rodoviária federal, da polícia ferroviária federal, das polícias civis e das policias militares e corpo de bombeiros militares, conforme artigo 144 do referido diploma.

Nesse sentido, Guimarães (2003) alega que a ordem pública visa trazer as condições mínimas existenciais para a convivência harmoniosa cotidiana, com a exclusão da violência realizada por meio dos agentes de segurança pública, acarretando, finalmente, a paz social.

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Entretanto, apesar de todos os esforços estatais para com a segurança, aumentando o efetivo policial, ainda assim, essas políticas, por vezes, se apresentam insuficientes para a repressão do crime organizado, contra os quais se faz necessário uma atuação maior do Estado, com o intuito de assegurar a garantia dos direitos constitucionais dos cidadãos.

É a partir disso que se observa, cada vez mais, a utilização das Forças Armadas em atividades específicas das polícias ostensivas, especialmente na repressão do crime, ao invés de voltarem-se às suas atividades originárias.

Em estudo realizado por meio dos resumos de notícias envolvendo a atuação das Forças Armadas, Succi Júnior (2016) constatou que 47% dos resumos selecionados tinham relação com assuntos ligados à segurança pública, enquanto que somente 17% tinham relação com a defesa de recursos estratégicos e do território.

Além disso, Mathias (2010) defende a tese de que o governo, por incapacidade de garantir a integridade de seus cidadãos, está desviando a função das Forças Armadas para a segurança pública, tendo, inclusive, criado uma brigada com o fim de treinamento de missões para garantia da lei e da ordem (GLO).

Essas operações estão previstas, constitucionalmente, a partir do artigo 142 da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (Brasil, 1988, grifo nosso).

Logo, as Forças Armadas podem ser empregadas em operações de garantia da lei e da ordem, as quais serão regulamentadas por meio de lei complementar.

Nesse viés, a Lei Complementar n. 97, de 9 de outubro de 1999, versa, especificamente, sobre as normas gerais para organização, preparo e emprego das Forças Armadas, dispondo, também, no seu artigo 15, a quem competirá o emprego das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem. Veja-se:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que

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