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CAPÍTULO V O SISTEMA DE DUPLICATA VIRTUAL

5.3 Natureza jurídica

A duplicata virtual veio facilitar sobremaneira a vida dos comerciantes, permitindo que o crédito circulasse de forma mais rápida, sem a emissão do papel. Embora não seja um título de crédito, poderá se converter em um título executivo extrajudicial, através do protesto, e obter, na prática, o status de título de crédito.

Ao analisar todas as considerações doutrinárias do direito cambiário pode-se concluir que a duplicata virtual não é um título de crédito. No brilhante conceito de Vivante, título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado, portanto, somente o documento com estas características pode receber a denominação de título de crédito.

Aceitar a duplicata virtual como um título de crédito não é uma tarefa fácil. A primeira resistência encontra-se na ausência de obrigatoriedade da apresentação do documento ao sacado (devedor) para que o pagamento seja efetuado. Apenas o boleto bancário com a indicação do valor, data de vencimento, etc. é enviado ao devedor; o documento virtual permanece imobilizado no banco. O boleto, documento que estará na posse do sacado, não preenche os requisitos mínimos exigidos pela LD (Lei das Duplicatas).

E o direito nele mencionado? Este é um outro obstáculo, pois se os documentos eletrônicos não obedecerem a certas questões técnicas, em especial quanto à utilização da assinatura que lhe dá veracidade, não haverá certeza em relação ao seu emitente, valor etc., podendo qualquer pessoa alterar um dos seus campos, bem como o emitente alegar a não emissão do mesmo.

Os borderôs de descontos de duplicatas foram a forma encontrada para fazer circular o título, no entanto não representam um título executivo

extrajudicial, mesmo com o comprovante de entrega das mercadorias. Também não podem ser levados a protesto como duplicatas, e este é o pensamento dominante na jurisprudência.12

Obviamente os borderôs não podem ser considerados documentos cambiários, pois não atendem aos requisitos mínimos exigidos pela legislação e não se enquadram em qualquer definição legal de títulos executivos extrajudiciais, por ausência de lei específica para regulamentá-los.

A duplicata virtual reveste-se de um grau maior de desconfiança e por isso os bancos relutam em aceitar transações com este tipo de documento. Apesar de toda incerteza e insegurança, o seu maior defensor, De Lucca (1985, p. 142-143), apresenta as seguintes considerações:

[...] que o conceito de título de crédito pode assumir duas significações distintas. Num primeiro sentido, ‘titulo de crédito’ é uma expressão doutrinária utilizada para indicar uma série de títulos sujeitos a uma disciplina em comum em virtude das características semelhantes de tais documentos. É exatamente nesse sentido que Vivante definiu o título de crédito como o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado.

Num segundo sentido, a expressão “título de crédito” é usada para indicar em quais casos deve ser aplicável uma disciplina específica, tal como sucedeu com o título V do Livro IV do Código Civil Italiano.

Embora tão bem defendida por este conceituado autor, a indagação a ser refletida é: a duplicata virtual e o boleto bancário podem existir sem alteração legislativa, aplicando-lhes a legislação referente à duplicata?

Esta interrogação trará novamente à margem uma discussão mais acirrada, principalmente após a promulgação do novo Código Civil Brasileiro regulamentando os títulos de crédito atípicos, que doutrinariamente são documentos

12 Recurso Especial n. 58075/SP. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma: Os borderôs de desconto

de duplicatas (relação de títulos que a emitente-cedente leva ao banco para desconto), ainda que acompanhados dos protocolos de remessa dos documentos para aceite, não constituem títulos de créditos hábeis a embasar o ajuizamento da execução.

especificamente disciplinados por um modelo legal, onde inexiste previsão a seu respeito. Mauro R. Penteado (1995, p. 33) expressa bem o que são estes novos documentos:

[...] o Projeto instituiu uma categoria intermediária de documentação de direitos creditícios, a meio caminho entre os chamados ‘créditos de direito não-cambiário’ - oriundos de negócios jurídicos celebrados por instrumento particular ou público - e os títulos de crédito típicos.

Embora a intenção do legislador tenha sido a melhor, não se pode acreditar que tais documentos venham a ter uma grande aceitação na praça comercial, porém não será analisada neste trabalho a questão que envolve os títulos de crédito atípicos em face do Novo Código Civil, mesmo entendendo que a natureza jurídica da duplicata virtual afasta-se muito dos títulos de crédito e se aproxima destes chamados títulos atípicos ou inominados.

No pensamento doutrinário atual não há como afastar da duplicata virtual o seu caráter de título executivo extrajudicial, pois, mesmo antes do aparecimento da representação do crédito por meio eletrônico, o título executivo sem a vinculação cambiária do devedor já existia, regulamentado pelo instituto do protesto por indicação. Aceitá-la como um título de crédito não apresenta um posicionamento unânime entre os juristas contemporâneos. No entender de Fábio Ulhoa Coelho (2001, p. 458): “a constituição do crédito cambiário, através do saque de duplicata virtual, se reveste assim de plena juridicidade”. Na opinião do jurista, o documento cambiário só existe em um título de crédito, o que leva a duplicata virtual, que é a representação desse documento, a ser considerada um verdadeiro título de crédito, revestida de todas as características formais e legais.

Mesmo considerando a opinião respeitável do eminente jurista, há entendimento de que a duplicata virtual ou “escritural, duplicata verdadeiramente não

é” (ALMEIDA, 1999, p. 186), necessitando de algumas alterações na legislação para que venha a se revestir de todas as características de um verdadeiro título cambiário.