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4 CONTRADEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

4.1 A Necessária Expressão Contrademocrática do Povo-juiz e sua Função Representativa

Claude Lefort costumava referir-se a Tocqueville como um autor que, com sua obra, fazia incisões na carne do social. Contemporaneamente, esse papel pode muito bem ser atribuído a Pierre Rosanvallon, não por acaso um discípulo do próprio Lefort. Essa característica do trabalho de Rosanvallon levou Oliver Marchart a atribuir-lhe a “canonização institucional” da diferença ontológica entre a política e o político.230 É difícil colocar-lhe um figurino, pois seus caminhos passam pela filosofia política, pela história social e pela sociologia. E vem expandindo seus estudos para além do contexto europeu. Sua teoria da democracia tem, hoje, claramente uma pretensão de universalidade, adotando enfoques comparatistas e dialogando com várias tradições, especialmente a britânica e a norte-americana. O autor parte (muitas vezes, vale dizer, não de maneira expressa) de diversos pressupostos lefortianos para erigir seu pensamento, compartilhando inclusive da crítica à ciência política tradicional, que não teria captado adequadamente o caráter permanentemente aberto da democracia e, por isso, teria sido incapaz de dar conta das transformações por ela sofridas nas últimas décadas. Assim como Lefort, procede comparativamente, recorrendo à história e a formas sociais distintas para explicar o fenômeno (regime democrático) de que constantemente se ocupa. Crê que o político só pode ser compreendido a partir das dificuldades e dos problemas substantivos da vida democrática. Nesse movimento, buscando as formas concretas do fenômeno democrático, fez-se um considerável crítico de teorias normativas da democracia, como as de John Rawls e de Jürgen Habermas, por oferecerem (e postularem por) visões “puras”, idealizadas.231

230 “Em 2001, a noção de ‘político’, diferenciada explicitamente da ‘política’, foi inclusive canonizada institucionalmente, quando Pierre Rosanvallon assumiu cargo na prestigiosa cátedra de ‘História moderna e contemporânea do político” no Collège de France [...]”. (tradução nossa). MARCHART, Oliver. El pensamento político posfundacional: la diferencia política em Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Trad. Marta Delfina Álvares. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 13. 231 Vide: LYNCH, Christian Edward Cyril. A democracia como problema. In: ROSANVALLON, Pierre.

Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 26-35. Segundo Rosanvallon, “tais obras são essencialmente normativas na medida em que elas pretendem estipular o que deveria ser uma deliberação racional, o que se deveria entender por soberania do povo, quais seriam os

Rosanvallon insere-se, portanto, em uma espécie de “posição intermediária” no âmbito da filosofia política, na medida em que, enxergando na história uma ferramenta indispensável para uma reflexão realística do político, afasta-se “tanto dos excessos do historicismo, que dispensam a reflexão do presente, quanto do normativismo teórico, que, ao rechaçar a história, rechaçaria a realidade”. Assim, tenta “restituir ao passado sua dimensão de presente, isto é, de indeterminação”.232 O autor expressamente refere levar em conta em seus trabalhos a dimensão simbólica característica da sociedade, aceitando o postulado de que o político e o social são indissolúveis, este derivando daquele seu significado, sua forma e sua realidade. Fiel a seu mestre, Rosanvallon enxerga no político um campo ou uma esfera de atividades em que o conflito é irredutível: “o político pode, portanto, ser definido como o processo que permite a constituição de uma ordem a que todos se associam, mediante deliberação de normas de participação e distribuição”. Na modernidade, agrega-se a essa definição de político o problema da representação do povo, de modo que, a partir dessa perspectiva, “o objetivo da história filosófica do político é promover um entendimento acerca do modo por que são projetados e se desenvolvem os sistemas representativos, que permitem aos indivíduos ou grupos sociais conceber a vida comunitária”. A filosofia do político praticada pelo autor, calcada em profunda análise do que chama de “constelações históricas” (em torno das quais se organizam racionalidades políticas e sociais e se erigem representações da vida pública influenciadas pelas instituições), lida com conceitos incorporados à autorrepresentação da sociedade (igualdade, soberania, democracia etc.) que

critérios universalmente aceitos da justiça, ou sobre quais deles deveria repousar a legitimidade das regras jurídicas. Sabemos todos do papel salutar desempenhado por esses textos, que recolocaram na ordem do dia questões acerca das quais as ciências sociais não viam mais utilidade. Elas constituíram o eixo de uma inegável renovação do pensamento político, levando, em razão disso, a que por vezes se falasse de um ‘retorno do político’ na década de 1970. Ocorre, todavia, que tais empreendimentos intelectuais não se ocupam da essência aporética do político. Prova disso é que sua perspectiva essencialmente procedimentalista os direcionou para o direito e a moral, característica visível nos autores citados. Daí que semelhante visão racionalizadora do estabelecimento do contrato social os tenha levado a ‘formalizar’ a realidade. Em Rawls, aquele que decide submetido ao véu da ignorância adota o ponto de vista mais universal-racional, ainda que praticamente não disponha de quaisquer informações sobre o mundo real. A razão só se afirma nesse campo na proporção da abstração, isto é, da distância frente aos ruídos e às paixões do mundo”. (ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 83-84). As críticas de Rosanvallon a Rawls e Habermas não poderão ser tratadas senão indiretamente neste estudo. Aliás, uma análise comparatista entre essas três teorias renderia seguramente um trabalho todo de fôlego.

232 LYNCH, Christian Edward Cyril. A democracia como problema. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 34.

permitem “organizar e verificar a inteligibilidade dos eventos e seus princípios subjacentes”.233

Fica claro que não se trata de uma abordagem objetivista. Na mesma trilha lefortiana, o autor nega a possibilidade de controlar, a partir de uma posição externa, seu objeto de estudo. É preciso, então, buscar deliberadamente a história em seu fazer-se. Para tanto, não há um “método” propriamente dito, o que torna necessário um movimento em direção às coisas mesmas, a fim de extrair delas o seu melhor sentido beneficiando-se do distanciamento histórico. É um empreendimento cujo norte, portanto, inclui a tentativa de romper com a divisão entre a história e a filosofia políticas. A história, para Rosanvallon, pode ser considerada uma espécie de material da filosofia política, um objeto para a reflexão filosófica.234 É por meio dela que se

233 Para isso, Rosanvallon não se limita a uma análise ou um comentário de textos clássicos da filosofia política, “muito embora, em certos casos, eles possam justificadamente ser considerados centrais na medida em que ilustram as questões suscitadas em determinado período histórico e as respostas então oferecidas”. No entanto, a história filosófica do político, para o autor, precisa ainda seguir a história das mentalidades, preocupando-se “em incorporar todos os elementos que produzem este objeto complexo que é a cultura política. Esta tarefa certamente inclui o modo por que grandes textos teóricos são lidos, mas também a atenção às obras literárias, à imprensa e aos movimentos de opinião, panfletos e discursos parlamentares, emblemas e signos. Ainda mais largamente, a história dos eventos e instituições deve ser apreendida como algo em permanente construção, de tal modo que, assim considerada, não há objeto que possa ser considerado alheio para esse tipo de história do político. Ela consiste em reunir todos aqueles materiais empregados, cada um de modo separado, por historiadores das ideias, das mentalidades, das instituições e dos eventos”. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história filosófica do político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 41-45.

234 Nesse cenário, sustenta o autor que uma das principais marcas da filosofia política é sua “relação necessária, instransponível e sempre problemática com as experiência e opiniões presentes em um dado momento na política real da comunidade”. Segundo esse ponto de vista, a filosofia política não pode ser enxergada como uma mera “província” da filosofia comum. “Pelo contrário, ela constitui um modo particular de filosofar, já que seus objetos resultam diretamente da vida da comunidade, juntamente com a totalidade dos argumentos e controvérsias que a atravessam”. Daí a insistência de Rosanvallon no fato de que “nenhum conceito político (seja ele democracia, liberdade ou outros) pode ser dissociado de sua história”. O autor ainda adverte para uma possível incompreensão desse movimento, que não deixa de representar o risco – para o qual adverte – de uma abordagem objetivista, que pretenderia avaliar o seu objeto de estudo desde uma posição externa: “[...] o que é interessante na história do passado é sua capacidade de lançar luz sobre o presente. Olhando a questão mais de perto, porém, as coisas não são tão simples. Com efeito, muitos livros de história preferem reinterpretar a história a partir dos termos do presente, ou mesmo do futuro, conforme imaginam que ele será. Essa inversão dos termos de compreensão me parece particularmente surpreendente no campo da história política”. Ele então critica a obra de Aulard (Histoire politique de La révolution française): “Esse tipo de história, ao mesmo tempo gradualista e linear, enxerga como um dado e um fato incontestável (sufrágio universal = democracia) o que, na verdade, é o cerne de um problema (a gradual redução da ideia de democracia à ideia do voto). Aulard age como se a presente ideia democrática estivesse ali desde o início, impedida apenas de emergir completamente em razão de circunstâncias, insuficiente discernimento dos atores envolvidos ou do impacto da luta de classes entre povo e burguesia. A história lida dessa maneira é sempre de grande simplicidade: ela é o território onde forças opostas se chocam (ação e reação, o progressista e o reacionário, o moderno e o arcaico, o burguês e o popular), os avanços e os reveses da ideia sendo explicados como resultantes daqueles entrechoques. O passado é julgado do ponto de vista do presente, que em si mesmo não é objeto de reflexão. Nessas condições, a

pode tentar compreender o simbólico da sociedade, ou, mais precisamente, por meio do que o intelectual francês chama de “representações positivas ou ativas” produzidas pelos atores sociais ao longo do tempo (as quais encerram o campo de possibilidades a respeito do que é possível pensar e determinam as questões do momento). Ele entende ser da essência da história filosófica do político a não equiparação das representações sociais às ideologias (tema caro a Lefort, como vimos), bem assim a sua não redução à condição pura e simples de preconceitos que tão só espelhariam determinados estados das relações em sociedade. Há uma dimensão constitutiva, instituinte nesse fenômeno simbólico, dado que tais representações constituem “reais e poderosas infraestruturas sociais”. Em outras palavras, nas sociedades modernas – diz-nos Rosanvallon – “as formas de vida comunal registram [...] uma tensão permanente com suas próprias representações, dado que a estrutura social não é mais um produto da natureza ou da história, precisando, por isso, ser continuamente construída e criticada”. Parece, de fato, um outro modo de explicitar a mesma ideia que perpassa praticamente toda a obra de Claude Lefort: a tensão entre conflito e identidade/unidade simbólicas nas democracias, formando o campo reflexivo (do político) que propicia às sociedades transformarem-se a si mesmas.235

No pano de fundo do pensamento rosanvalloniano está uma assunção (muitas vezes implícita) de que não é possível apreender o mundo, torná-lo inteligível, sem conceder lugar ao plano compreensivo do simbólico-político, a menos que se pretenda adotar um ponto de vista inexoravelmente reducionista. Em suas próprias palavras: “[...] a compreensão da sociedade não poderia se limitar à adição e à articulação de seus diversos subsistemas de ação (o econômico, o social, o cultural etc.) que, longe de serem imediatamente inteligíveis, apenas o são quando relacionados a um quadro interpretativo mais amplo”. Fiel, portanto, à escola francesa do político, o autor enxerga esse plano (do político) como um “centro nervoso” de que decorre a instituição mesma da sociedade, imprescindível para compreensão de seus principais aspectos, dentre os quais o próprio fenômeno do poder, que interessará mais de perto a esta investigação.236 Daí a imprescindibilidade anunciada de lançar-se mão da

história se torna um obstáculo genuíno para o entendimento do presente. A história filosófica do político na sua forma compreensiva nos permite, por outro lado, superar a barreira entre história política e filosofia política. Entender o passado e investigar o presente faz parte de um mesmo processo intelectual”. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história filosófica do político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 51-54. 235 Ibid., p. 57-58.

filosofia e da história no mesmo empreendimento intelectual. A democracia não apenas tem uma história. Em Rosanvallon (e em grande medida também em Lefort), democracia é uma história, indissociável, portanto, de um trabalho de exploração e experimentação, de compreensão e elaboração de si mesma. “A história assim concebida é o laboratório em atividade do nosso presente e não apenas a iluminação de seu pano de fundo”. Por isso o autor, na trilha de seu mestre, pretende partir “da complexidade do real e de sua dimensão aporética” para alcançar a “coisa mesma” do político, inscrevendo-se no campo dos “fenomenologistas empíricos”, como textualmente refere.237

Buscar a “coisa mesma” do político é tentar captar a inerente complexidade do fenômeno democrático, considerar o caráter problemático do regime para apreendê- lo em seu movimento – “e não tentar dissipar o seu enigma por uma imposição normativa, como se uma ciência pura da linguagem ou do direito pudesse indicar aos homens a solução razoável diante da qual eles haveriam forçosamente de se conformar”. Não é uma estratégia válida, para Rosanvallon, tentar “exorcizar a complexidade mutável da questão democrática por meio de um exercício tipológico”. É preciso tomar como objeto a característica sempre aberta e “sob tensão” da experiência democrática, partir das antinomias constitutivas do político que se revelam no curso da história. A história, pois, como “a matéria e a forma necessária de um pensamento total do político”, um meio de colocar-se à prova os conceitos fundamentais desse plano simbólico (a democracia, a legitimidade, a igualdade, a liberdade etc.).238 Perscrutar a vida democrática é, nesse sentido, explorar um

esclarecer esse modo de compreensão dos fenômenos político-sociais: “Para compreender a especificidade de um fenômeno como o nazismo, não basta analisar as diferentes tensões e os múltiplos bloqueios da Alemanha da década de 1930 – a não ser que paradoxalmente o banalizemos, considerando-o simples resposta exacerbada à crise do regime de Weimar. Enquanto tentativa patológica de fazer surgir um povo uno e homogêneo, o fundamental do nazismo não se torna inteligível senão quando relacionado às condições de perversa ressimbolização e de restabelecimento da ordem global do político que ele tentou compreender. Tomando um exemplo mais próximo de nós, pode-se dizer que a atual crise atravessada pela Argentina não pode ser interpretada simplesmente a partir dos fatores econômicos e financeiros que são sua causa imediata. Ela só adquire sentido quando situada na longa história de um declínio ligado à dificuldade recorrente de fundar a nação no reconhecimento de obrigações compartilhadas”. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 72-73.

237 Ibid., p. 84-85.

238 Há nessas reflexões – de modo implícito – uma crítica às teorias que Rosanvallon considera puramente normativas da democracia, representadas exemplarmente por (cada um a seu modo) Habermas e Rawls. Entendo que essa crítica não alcança a teoria da democracia de Dworkin, que me parece perfeitamente compatível com o ideário lefort-rosanvalloniano, como pretendo deixar claro oportunamente. Vide novamente: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 84-85.

problema. É, ao mesmo tempo, um movimentar-se para longe de improváveis modelos ideais ou originais do democrático. Assumir sua inerente incerteza. Em outras palavras, é caminhar na “carne” do social e do político, penetrando-a, fincando interrogações na experiência e em suas respectivas representações.

Esse modo de trabalhar permite a Rosanvallon enxergar a democracia para muito além da ideia do “governo da maioria”. Ele explora – e beneficia-se disso para erigir seu pensamento – toda uma dimensão “contrademocrática” presente de maneira tão paradoxal quanto inexorável no seio mesmo desse regime: la comprensión de la

política como espacio de experiência se impone aún con más fuerza en el caso del estudio de la contrademocracia.239 Apenas com a consideração da democracia enquanto “prática viva” é que se torna possível apreender os “poderes de controle e de obstrução” e o “povo-juiz”, típicas exteriorizações da contrademocracia na sociedade.240 A contrademocracia, apesar de a expressão induzir a uma tal conclusão, não é o contrário da democracia, ainda que reduzamos esta a sua expressão eleitoral- majoritária. Embora não deixe de servir-lhe como contraponto, a contrademocracia é uma autêntica dimensão do democrático, composta por poderes indiretos disseminados pelo corpo social. Organiza, frente à democracia de legitimidade eleitoral, toda uma “democracia de desconfiança”, formando uma espécie de “sistema” com o que o autor chama de “instituições democráticas legais”. Para Rosanvallon, a determinação das condições de formação de um poder legítimo e a formulação de uma “reserva de desconfiança” são historicamente inseparáveis. A confiança, nessa linha de pensamento, não deixa de representar uma “instituição invisível”, produzindo uma ampliação da qualidade da legitimidade do poder, agregando a seu caráter procedimental dimensões morais e substanciais (integridade e bem comum). Além disso, um regime de confiança cumpre um papel temporal: “permite pressupor o caráter de continuidade no tempo dessa legitimidade ampliada”. É nesse contexto que o autor pode falar na confiança como um “economizador institucional”, que cumpre papel relevante na democracia ao fundamentar “todo um conjunto de mecanismos de verificação e prova”.241 Liga-se à ideia de uma legitimidade conquistável e aferível pelo

239 ROSANVALLON, Pierre. La contrademocracia: la politica en la era de la desconfianza. Trad. Gabriel Zadunaisky. Buenos Aires: Manantial, 2011. p. 41.

240 Tratarei a seguir de cada uma.

241 Prossegue Rosanvallon: “Essa dissociação entre legitimidade e confiança constitui um problema central na história das democracias. A dissociação tem sido a regra; a superposição, a exceção (na França, fala-se em ‘estado de graça” para expressar a existência, depois de uma eleição, de um período muito breve no qual as duas qualidades excepcionalmente se confundem). As reações a

exercício do poder. Essa compreensão de confiança será útil para oportunamente abordar o conteúdo da legitimidade por reflexividade das cortes constitucionais.

O esforço de Rosanvallon é destinado à proposição de uma classificação de formas de representação democrática para além daquela eleitoral-majoritária, a fim de prover algum conteúdo esquemático à incerteza e ao conflito irredutível que caracterizam o respectivo regime. Ele parte de uma constatação geral, argumentando que a expressão da desconfiança contrademocrática tomara, ao longo da história, duas grandes vias.242 Uma delas, de tipo “liberal”, seria paradigmaticamente representada por Montesquieu, Benjamin Constant e pelos “pais fundadores” do regime norte-americano, notadamente Madison. Essa via teria como característica maior uma espécie de obsessão por prevenir a acumulação de poderes. Su proyecto

no fue edificar un gobierno bueno y fuerte fundado en la confianza popular, sino constituir un poder débil e institucionalizar la sospecha. Mais democracia significa,

nessa ótica, mais suspeita em face do poder. A outra via ou o outro enfoque sobre a instituição da desconfiança é – na terminologia rosanvalloniana – de tipo “democrático”. En este caso, el objetivo es velar por que el poder sea fiel a sus

compromissos, buscar los medios que permitan mantener la exigencia inicial de um servicio al bien cómun. É esse o sentido de desconfiança que Rosanvallon tem em

mente quando erige sua teoria sobre a democracia (e que o levará a pensar a legitimidade da jurisdição constitucional de uma maneira distinta daquela que a