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A necessidade do pensamento complexo para entender as relações entre os elementos físicos-naturais

A Geografia, foi se fragmentando ao longo do século XX, inicialmente em Física e Humana, posteriormente compartimentando-se em subáreas, especializações (SUERTEGARAY, 2018, p.24). A dificuldade da construção de um arcabouço teórico-metodológico unificador das áreas física e humana tem sua origem no positivismo, modelo paradigmático ainda predominante na contemporaneidade, mas não único, visto que alguns pesquisadores têm, mesmo que de maneira incipiente utilizado a teoria do sistema, a geossitêmica e a complexidade.

O nosso sistema educativo privilegia a separação em vez de praticar a ligação, e a Geografia, enquanto ciência das relações e que tem o Geossistema como método de análise é capaz de unir esses elos para um estudo integrador. A organização do conhecimento sob a forma de disciplinas seria útil se estas não estivessem fechadas em si mesmas, compartimentadas umas em relação às outras;

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assim, o conhecimento de um conjunto global, o homem, é um conhecimento parcelado (MORIN, 2013).

Esse ensino fragmentado, primeiro em disciplinas e, segundo dentro da própria disciplina, em suas subáreas, desenvolvendo os conteúdos como se não houvese relação entre eles, como se um conteúdo não influenciasse e fosse influenciado pelo outro, gera no estudante a dificuldade em perceber a interação entre os elementos que constituem sistemas complexos.

No caso da Geografia, convencionou-se crer que ensinar é dividir o espaço geográfico em duas áreas incomunicáveis, descrever fenômenos naturais, categorizar a produção espacial em gavetas (a economia, a cultura, o modo de produção), estabelecer marcadores temporais e edificar o mundo enquanto narrativa, das nações menos às mais desenvolvidas (CASTROGIOVANNI; BATISTA, 2018, p. 8).

Aliado a isso,

a distinção entre o físico e o humano determina duas abordagens da mesma realidade, que partem da totalidade (geografia) e bifurcam em campos integrados, mas separados (geografia Física e Geografia Humana). Na compreensão relacional da realidade há diferenças entre ênfases para atingir as dimensões espaço-temporais; deve-se, portanto, proceder a uma leitura holística do meio ambiente; o físico e o humano, a percepção e a cognição (OLIVEIRA; MACHADO, 2004, p.136).

O caminho para uma melhor compreensão dos fenômenos geográficos deve é a análise integrada, dado que a especialização abstrai, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita os laços e a intercomunicação do objeto com o seu meio, insere-o no compartimento da disciplina, cujas fronteiras quebram arbitrariamente a sistemicidade (a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos (MORIN, 2013).

A Geografia enquanto ciência das relações tem que guiar suas pesquisas e o ensino escolar baseado no paradigma da complexidade, ligando o que aparentemente está separado, propiciando um ensino que permita compreensão complexa da realidade.

MATERIAIS E MÉTODOS

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Com o intuito de atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, primeiramente foi definida a discussão teórico-metodológica que guiaria a pesquisa. Escolheu-se a Teoria de Shulman (2005) sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo para apoiar a pesquisa. Não foi objetivo seguir essa teoria de forma sistemática, mas ter seus pressupostos como fonte de inspiração.

O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo ou PCK (Pedagogical Content Knowledge) como é conhecido na literatura internacional e cuja sigla tem sido amplamente difundida no Brasil nas últimas décadas, é o que de acordo com Shulman (1987) diferencia um professor de uma dada disciplina de um especialista dessa mesma disciplina.

Para esse pesquisador todas as pesquisas concernentes ao ensino estão mais associadas aos recursos e técnicas utilizadas pelos professores na sala de aula, por isso ele fundamenta suas pesquisas no saber docente para o ensino, ou seja, na compreensão e raciocínio, transformação e reflexão.

A Teoria da Base de Conhecimento do professor desenvolvida por Shulman surgiu diretamente da observação das aulas desenvolvidas por dois professores em uma escola do Tennessee. Em entrevista a Gaia (2007), Lee Shulman descreve esse momento

[...] e eu estava assistindo dois professores que estavam dando aula em salas próximas uma da outra e ambos estavam trabalhando o mesmo programa (assunto), e mesmo assim o que eles estavam fazendo e como estavam fazendo era tão diferente que eu fiquei intrigado. Quero dizer, eles deveriam estar ensinando o mesmo programa (Assunto), eles estavam trabalhando com crianças muito, mas muito semelhantes; na verdade, eu assisti as mesmas crianças indo da sala de um professor para a sala do outro, mas o ensino deles era tão dramaticamente diferente, e não era por causa das diferenças de personalidades, era algo que estava relacionado com o entendimento, a visão e a prática desses professores. Eu acabei conversando com ambos os professores por um longo tempo depois das aulas. E, voltando para o hotel onde estava hospedado, eu comecei a me questionar, na tentativa de acabar dizendo alguma coisa para mim mesmo que me ajudasse a descobrir que tipo de teoria eu precisaria para entender o que aqueles professores fizeram e que foi tão diferente” (p.151)

A partir dessas observações, Shulman e seus colaboradores passaram a investigar quais são os saberes dos professores que são mobilizados ao ensinar.

Pois, Shulman (2014, p 197) afirma que embora existam muitas descrições de professores eficazes, a maioria destas concentra-se na gestão da sala de aula. Encontram-se poucas descrições ou análises de professores que prestam muita atenção não apenas na gestão dos alunos em sala, mas também na gestão das ideias dentro do discurso.

Assim, Shulman opta por buscar entender a Base de Conhecimento de Ensino e para nortear seu trabalho parte dos seguintes questionamentos:

Quais são as fontes de base de conhecimento para o Ensino? Em que termos essas fontes podem ser conceituadas? Quais são os processos de raciocínio e ação pedagógicos? Esses questionamentos serviram de base para as pesquisas que fundamentaram a reforma educacional durante a década de 80 nos Estados Unidos e influenciou os sistemas de ensino em várias partes do mundo. O autor sustenta em seu ensaio intitulado “Conhecimento e Reforma: fundamentos para nova reforma” (1987) que à época já existia uma base de conhecimento para lecionar. Essas categorias de conhecimentos subjacentes à compreensão do professor, que são necessárias para promover a compreensão entre os alunos são apresentadas no quadro 3.1.

Quadro 3.1- Títulos das categorias da base de conhecimento Conhecimento de conteúdo

Conhecimentos gerais pedagógicos: tendo em conta especialmente os princípios gerais e as estratégias de gestão e organização da sala de aula que vão além do conhecimento específico da matéria;

Conhecimento do currículo: com um domínio especial de materiais e programas que servem como "ferramentas do trabalho” do professor;

Conhecimento pedagógico do conteúdo: que corresponde o amálgama especial entre a matéria e a pedagogia é uma esfera exclusiva dos professores, sua própria forma especial de conhecimento profissional

Conhecimento dos estudantes e suas características;

Conhecimento dos contextos educativos: que vão desde o funcionamento do grupo ou classe, gestão e financiamento dos distritos escolares, ao caráter das comunidades e culturas; e

Conhecimento dos objetivos, metas e valores educacionais e suas bases filosóficas e históricas Fonte: Shulman (1987, p. 206)

É importante salientar, que essas categorias são apontadas pelo autor como sendo as mínimas necessárias, caso fossem organizados os conhecimentos do professor num manual.

Ainda de acordo com o autor, entre essas categorias, o conhecimento pedagógico do conteúdo é de particular interesse porque identifica os corpos distintos de conhecimento para o ensino. Representa a mistura de matéria e didática para se chegar ao entendimento de como determinados temas e questões são organizados, o que estes representavam e como eram adaptados para os diversos interesses e habilidades dos alunos, e expostos ao ensino.

É importante frisar que para Shulman não basta apenas ter o domínio dos conteúdos específicos da disciplina escolar e acrescentar a isso o domínio de técnicas de ensino, o conhecimento pedagógico do conteúdo é fundamental pois possibilita a interação entre conteúdo e técnica que resulta em algo novo e especifico para um contexto educativo especifico.

Fernadez (2015) chama a atenção para a utilização da expressão Conhecimento Pedagógico do Conteúdo ao invés de saberes, de acordo com a autora isso ocorre porque Shulman

Está realmente igualando o status do que o professor produz na prática (PCK) aos conhecimentos que são produzidos na academia e que influenciam e são influenciados pelo PCK. Tais conhecimentos são os pertencentes à base de conhecimentos – conhecimento do tema, conhecimento pedagógico e conhecimento do contexto, estes sim informados ao professor pela academia (FERNANDEZ, 2015, p.504).

Com relação às fontes que vão subsidiar a base de conhecimento para o ensino, Shulman afirma ter pelo menos quatros, a saber:

1. Formação acadêmica nas áreas de conhecimento e disciplina; 2. Os materiais e o entorno do processo educacional institucionalizado; 3. Pesquisas sobre escolarização, organizações sociais, aprendizado humano, ensino e desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetam o que os professores fazem;

4. A sabedoria que deriva da própria prática.

Nesse processo de ensinar e aprender o raciocínio pedagógico é uma ferramenta primordial para o desenvolvimento eficaz da aula.

De acordo com Shulman (1987, p.19) dado um determinado texto1, e um conjunto de objetivos educacionais e/ou ideias particulares, o raciocínio e ação pedagógica pressupõe a existência de um ciclo através de atividades de compreensão, transformação, instrução, avaliação e reflexão (figura 3.1).

Figura 3.1- Ciclo do Raciocínio Pedagógico de Lee Shulman

Fonte: Shulman (1987) Organização: Marcela Mafra

Neste esquema, o ponto de partida é a compreensão do conteúdo a ser ensinado e o ponto culminante do processo é um ato de novas compreensões.

O ciclo evidencia a compreensão daquilo que o professor sabe e que por meio da compreensão, utilização de diferentes recursos didático-pedagógicos, e estratégias de ensino é transformado e produz uma nova compreensão tanto para o aluno quanto para o professor.

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Nóvoa (2009) salienta que o domínio cientifico de uma área de conhecimento é imprescindível para ensinar, mas é necessário abandonar a ideia de que a profissão docente se define, primordialmente, pela capacidade de transmitir um determinado saber, pois ela exige um esforço de reelaboração. Por isso, o autor afirma preferir o termo transformação deliberativa em detrimento da transposição

didática de Chevallard (1985), pois “o trabalho docente não se traduz numa mera

transposição didática, pois supõe uma transformação dos saberes”.

3.1 Tipo de Pesquisa

A pesquisa é qualitativa, de caráter exploratório-explicativa. Este tipo de pesquisa é indicado quando não há um levantamento de dados bem consistente com relação a temática pesquisada, proporcionando, portanto, maior familiaridade com o problema e identificando os fatores que contribuem para sua ocorrência, além de trabalhar com o universo de significados por parte dos participantes da pesquisa.

Por isso, Minayo (2009) enfatiza que a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Mas, que permite que os dados coletados possam ser classificados por meio de categorias.

Minayo (2009) divide o processo do trabalho cientifico da pesquisa qualitativa em três fases. As fases propostas pela referida autora foram seguidas nessa pesquisa e são descritas a seguir:

1ª. Fase – Exploratória – consiste na preparação do projeto de pesquisa e de todos os instrumentos necessários para preparar a entrada no campo.

2ª. Fase – Trabalho de Campo – consiste em levar para a prática empírica a construção teórica elaborada na primeira etapa.

3. Fase – Análise e tratamento empírico e documental – constituem os procedimentos que objetivam interpretar os dados empíricos, articulá-los com a teoria que o orienta. Para isso, esse momento é divido em ordenação dos dados, classificação e análise propriamente dita.