• Nenhum resultado encontrado

2 INTRODUÇÃO

2.4 NECESSIDADES DA INVESTIGAÇÃO

É comum ouvirmos, nos corredores do IFES de Itapina, de alguns estudantes repetentes, que estão no regime de dependência na disciplina de Cálculo I, questionamentos a respeito do futuro professor. Eles querem saber quem será o professor que vai trabalhar a disciplina, eles fazem esse questionamento por que, dependendo de quem seja, preferem não se matricular novamente na disciplina. Posicionamento esse que retrata algumas crenças desses discentes sobre o papel dos professores na sua aprendizagem. Provavelmente, alguns desses estudantes, conforme argumenta Gómez Chacón (2003), acreditam em uma didática tradicional de ensino, cujas crenças mais fortemente arraigadas são: de um professor como transmissor de conhecimentos e como fonte de respostas. De acordo com esse pensamento e crença, o seu papel de aluno é de esforçar-se para aprender todos os conteúdos que o professor lhes transmite. Nessa lógica, a disciplina está orientada exclusivamente para a aquisição de conceitos, com característica unicamente informativa. Gómez Chacón (2003, p. 67) ajuda-nos a compreender o problema:

[...] Quando estudantes chegam à sala de aula com uma série de expectativas sobre como deve ser a forma que o professor deve ensinar- lhes matemática. Quando a situação de aprendizagem não corresponde a essas crenças, produz-se uma grande insatisfação que interfere na motivação do aluno.

Para nós, professores universitários, esse pré-julgamento que os estudantes fazem de nós e da forma de trabalharmos os conteúdos matemáticos em aula nos incomodava, especialmente, por parte dessa turma, em 2014, constituída exclusivamente por estudantes repetentes. Trazemos, como exemplo, a atitude de um universitário que conseguimos ouvir na primeira aula em que apresentávamos a proposta da pesquisa e informávamos que contávamos com a colaboração deles. O comentário foi marcante. O estudante, que já tinha sido reprovado duas vezes como aluno do professor-pesquisador, disse baixinho para um colega que estava ao lado: “Esse cara de novo”. Esse breve relato, apesar de bem discreto, reforça os

argumentos de Gómez Chacón (2003, p. 23) de que, ao aprender matemática, o

estudante recebe estímulos associados a ela – problemas, atuações do professor, mensagens sociais, etc. que geram nele certa tensão. A partir desses estímulos,

reage emocionalmente de forma positiva ou negativa.

E essa reação do estudante está condicionada por suas crenças sobre si mesmo e sobre a matemática. Se o estudante depara-se com situações similares repetidamente, produzindo o mesmo tipo de reações afetivas, então a ativação emocional (satisfação, frustração, etc.) pode ser automatizada e se “solidificar” em atitudes e emoções que influenciem suas crenças, e estas podem colaborar de forma positiva ou negativa para sua aprendizagem e sua formação.Portanto, faz-se necessário, e conveniente, levar em conta fatores afetivos desses estudantes repetentes e dos professores como nos informam algumas pesquisas (ERNEST, 1989, 1991; GÓMEZ CHACÓN 2003; MENDUNI, 2003). As emoções, atitudes e crenças atuam como forças impulsionadoras ou de resistência à aprendizagem.

Diante desse cenário, nosso desafio foi pensar em como poderíamos melhorar as perspectivas de aprendizagem dos estudantes repetentes. Ademais, passamos a pensar em questionamentos assim: (1) O que nós, professores, precisaríamos melhorar e/ou alterar em nossa prática pedagógica? (2) Quais intervenções seriam necessárias para ajudá-los a saírem do estado de bloqueio diante da disciplina de Cálculo I e da própria Matemática?

Dois fatos foram fundamentais para focalizar o tema da pesquisa: a) as leituras que fizemos no período de mestrado, desde 2009, e doutorado, desde 2012; b) a experiência com o estudo exploratório no primeiro semestre de 2013, com uma turma de repetentes de Cálculo I. A partir disso, sentimos a necessidade de buscar algumas respostas para algo que estava nos incomodando muito: a grande quantidade de estudantes reprovados em Cálculo I, especificamente em nosso campus. Destacamos também que nos preocupava o fato de termos em nosso campus apenas dois cursos de graduação, e não mais do que três professores para atender a essa demanda crescente de estudantes repetentes de Cálculo I a cada semestre.

Nós, professores, sabíamos que tínhamos condições de investigar o problema e ajudar a reduzir esse número de reprovações. Iniciamos nos questionando: “Por que existe um alto índice de reprovação em Cálculo I? Por que estudantes que são repetentes por duas, três e até mais vezes chegam para cursar novamente a disciplina de Cálculo I, às vezes, desmotivados e com baixa autoestima?” A partir desses questionamentos, é importante que nós, professores universitários, sejamos conhecedores de uma metodologia pedagógica que nos permita refletir sobre como elevar a autoestima do estudante, para que possa compreender que possui a capacidade de aprender. Além disso, procurar também refletir sobre como levar o estudante a sentir-se com vontade de aprender e de ser agente ativo de seu processo de aprendizagem. Ou, como diria Rubem Alves (2007), deixar o estudante com fome de aprender.

A experiência de pesquisa com o estudo exploratório nos conduziu a acreditar que precisávamos investigar alguns conceitos introdutórios do Cálculo. Isso se confirmou após alguns estudantes nos relatarem que os conteúdos específicos de Cálculo I, como limite e derivada, eram aqueles que eles tinham mais dificuldades de aprender, o que de certa forma, fazia com que eles desistissem a partir do resultado das primeiras avaliações. Decidimos, então, concentrar nossos esforços no conteúdo de limite, especificamente em limites de funções reais.

A escolha por esse tema se deu inicialmente porque havíamos decidido pela sequência temática de conteúdos limite-continuidade-derivada-integral, como comenta Barufi (1999, p. 52) ao dizer que essa sequência se constitui na

apresentação do Cálculo sistematizado, formal e logicamente organizado, como resultado de um processo de construção de conhecimento que exigiu muita persistência de pensadores, filósofos e matemáticos durante séculos. A nossa lógica

inicial era que, se o estudante compreendesse o conceito de limite, ele estaria apto a definir derivada a partir da definição de limite e, consequentemente, considerar a integral como uma antiderivada. Conforme Barufi (1999) essa sequência temática

parece basear-se no fato questionável de que a lógica interna consistente [da matemática] deva garantir a aprendizagem significativa por parte dos estudantes (p. 52). Além disso, essa era a sequência didática que vínhamos adotando em nossas

turmas anteriores e que, geralmente, aparece na maioria dos livros-textos de Cálculo e Análise.

O segundo motivo para a escolha do tema ocorreu porque nos cursos de Agronomia e de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LICA) aparecem diversos problemas de aplicação interessantes. Descobrimos problemas relacionados à Física, à Topografia, à Química aplicada à Agronomia, aos cálculos de custos de produção e a outros, nos quais os estudantes necessitariam estudar mais profundamente as funções reais e suas propriedades. E porque nós, professores, tínhamos observado que esse era um conteúdo em que demonstravam certa dificuldade.

Os estudos realizados por Guzmán, Hodgson, Robert e Villani (1998), Nasser, Souza, e Torraca (2012), e por Brolezzi (2003) discutem a problemática da passagem do ensino de matemática em nível médio para o superior. Esses autores todos destacam que a matemática adquire um caráter distinto de abordagem e raciocínio no nível universitário. Eles afirmam que passa de um pensamento matemático elementar para um pensamento matemático avançado no ensino superior.

Geralmente, é cobrada dos estudantes universitários uma experiência formal com conteúdos matemáticos de ensino médio, que eles não possuem. Podemos considerar que boa parte dos conteúdos matemáticos estudados, na escola em nível fundamental e médio, exigia dos alunos principalmente um entendimento de matemática instrumental (SKEMP, 1976). De acordo com esse autor, a escola cobrava dos alunos domínio e conhecimento matemático de procedimentos instrumentais de resolução de exercícios, e, por que não dizer, em alguns casos, exigiam-se, na educação básica, apenas memorizações de tipos de solução e aplicações de fórmulas em tarefas matemáticas. Quando esses alunos entram na graduação, é evidenciada a falta de pré-requisitos de conteúdos da matemática elementar (de ensino fundamental e médio) e, principalmente, daqueles que exigem uma maior capacidade de abstração e generalização.

De acordo com Skemp (1976), um ensino e aprendizagem de matemática que buscam um entendimento relacional precisam estar especificamente voltados para

uma edificação de estruturas conceituais, onde o estudante saiba o que fazer em determinada tarefa matemática e também saiba como fazer e por que fazer, e saiba também explicar tudo que está envolvido na tarefa e a resolução feita. Quando alguém entende um conceito matemático de forma relacional ele vai poder identificar relações entre esse conceito e outros conceitos e os procedimentos operatórios envolvidos nos diferentes conceitos matemáticos. Acreditamos que se um estudante entende relacionalmente um conceito, que ele estará construindo estruturas conceituais a partir das quais devem ser exploradas as diversas possibilidades para realização de uma mesma atividade matemática. Por exemplo, os estudantes precisam saber calcular um limite de função a partir dos métodos algébricos, numéricos e geométricos e diremos que entendem este conceito de forma relacional se souberem passar de um método para o outro e souberem explicar cada resolução.

Estudos de educação matemática e práticas do quotidiano do professor são reveladores das dificuldades de compreensão e generalização de conceitos matemáticos enfrentados pelos estudantes ao longo da sua vida escolar (DOMINGOS, 2003; GUZMÁN, HODGSON, ROBERT, VILLANI, 1998). Para alguns autores, elas parecem acentuar-se quando se dá a transição do ensino médio para o superior. Segundo Nasser, Souza, e Torraca (2012), alguns professores tentam justificar o baixo desempenho dos estudantes no ensino superior, argumentando que alguns alunos não sabem os conteúdos da matemática elementar, os quais servem de suporte para a compreensão de conceitos matemáticos que envolvem um pensamento matemático avançado.

Esses argumentos das pesquisas estudadas, junto aos questionamentos e reflexões já mencionados no texto deram um ponto de partida para a caminhada da pesquisa. Primeiramente, reflexões sobre nosso papel de professor na aprendizagem de estudantes repetentes. Dentre elas, destacamos nossas características pessoais positivas e negativas, nossa metodologia de ensino e capacidade de considerar a diversidade de estudantes. Refletimos a respeito dessa diversidade estudantil, suas crenças, concepções e também características individuais, fatores que anteriormente eram totalmente desconsiderados por nós, professores.

Além disso, refletir a respeito de todos estes fatores foi fundamental para a nossa escolha do conteúdo matemático em que precisávamos nos debruçar nesta investigação de doutorado. Concluímos que seria o conceito de limites de funções, por se tratar de um conteúdo em que algumas noções básicas do Cálculo encontram-se alicerçadas. Ademais, por sabermos que causa muitas dificuldades aos estudantes ingressantes na universidade e, muitas vezes, acaba sendo o vetor do início do problema da repetência e do abandono da disciplina.