• Nenhum resultado encontrado

4 A ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR NO CASO DA PONTE RIO NITERÓI/RJ,

4.2 SEQUÊNCIA DA AÇÃO POLICIAL MILITAR

4.2.1 Negociação com o criminoso

Para Garret (2008), nessa etapa da crise, em que os negociadores já estão no local, deve-se seguir um protocolo para resolução do problema, com as seguintes

alternativas: “Controlar e tentar negociar; - Uso de agentes químicos para forçar rendição; - Uso de atiradores de elite (snipers ou sharpshooters) para neutralizar o sujeito; ou - Uso de um grupo tático com uso de armamentos e táticas especiais.” (GARRET, 2008, p. 33).

Continuando nessa linha, Garret (2008, p. 33) nos diz que “sendo considerado o uso dessas alternativas, deve-se iniciar pela primeira, dirigindo-se progressivamente à última. Parece claro, portanto, que uma determinada resposta pode obstar/impedir o uso de outras mais tarde.” A exemplo, se utilizar agentes químicos entendemos que não há reféns na situação, pois a integridade física deles deve ser preservada.

A invasão do ambiente por grupo tático se justifica se for feito depois do disparo do atirador de elite, se for antes, poderá resultar em morte dos reféns, pois agitaria o tomador desses reféns, fazendo-o reagir de forma inesperada. Se o disparo for feito antes da invasão tática, há a certeza de que o criminoso está neutralizado.

Geralmente esses causadores de crises com reféns demonstram um dos quatro tipos a seguir. O primeiro é o mentalmente perturbado, que se subdivide em quatro, sendo: Esquizofrênico-Paranoico; Doença Maníaco-Depressiva; De Personalidade Inadequada e Personalidade Antissocial. (GARRET, 2008).

O Esquizofrênico-Paranoico é conceituado por Garret (2008, p. 34) como o que “pensa perturbadamente. De fato, essa perturbação é tão grande que o leva para fora da realidade, fazendo-o sofrer de uma psicose (mentalmente desordenado ou insano).” Esses ouvem e veem coisas que não existem, e não fazem parte da realidade, em regra têm condutas criminosas por acreditarem estar obedecendo ordens de alguém superior ou executando um grande plano. (GARRET, 2008).

Para doença Maníaco-Depressivo temos que:

A pessoa [...] geralmente é tão deprimida que fica fora da realidade, sofrendo de uma psicose (mentalmente desordenado ou insano). Há a possibilidade de consideração de indignidade para viver, sentimento de culpa por “pecados” de outrora e crenças frequentes ilusórias. Existe também chance de que essa pessoa acredite, por exemplo, que é responsável por todo o sofrimento no mundo e sua atual depressão é uma punição por ter vivido uma vida pecadora. O potencial para suicídio é extremamente alto, assim como o é o potencial para matar qualquer refém. (GARRET, 2008, p. 35).

Pode-se notar, em pessoas assim, uma maior lentidão para assimilar perguntas e entender a realidade, podendo demorar de 15 a 30 segundos cada um desses momentos. Eles estão profundamente ligados em uma sensação de culpa e peso por seus supostos pecados. Nesses casos, o negociador deve guiar a conversa no sentido de que ele não se prolongue em contar seus pecados, mas que fale do que ele gosta. No entanto, quando se percebe que ele possui firmeza na fala é hora de agir, pois já decidiu por matar ou cometer suicídio. (GARRET, 2008).

Há de se criar uma relação com esse tipo, para conseguir sua confiança a ponto de ludibriá-lo a sair do local onde estão os reféns, para que então seja contido.

Os dois próximos estão relacionados a um distúrbio de personalidade, não podendo ser considerados psicóticos. (GARRET, 2008). Isso se refere “a padrões de comportamento de longa duração e mal adaptáveis, que geralmente se desenvolvem durante a adolescência”. (GARRET, 2008, p. 36).

Temos agora o de personalidade inadequada que:

Durante toda sua vida, a pessoa com uma personalidade inadequada mostra reações/respostas ineficazes e ineptas a estresse social, emocional e físico. Ela geralmente será um daqueles desistentes de continuar estudando quando entram para o ensino fundamental e pode ter tido uma sucessão de empregos, após ter sido despedido de todos por causa de desempenho ruim. Ele vê a si próprio como um perdedor – como alguém que sempre falhou. Fazer reféns pode ser sua última tentativa de provar a alguém (esposa, pais ou namorada) que ele pode fazer alguma coisa direito. O incidente com reféns, incluindo a atenção de autoridades e da mídia, pode ser o ponto alto da sua vida. (GARRET, 2008, p. 36).

Nesses casos não se deve trazer ao local pessoas próximas, pois lhe produziria um sentimento de provocação. Ele possui clareza de suas ações e a comunicação é mais fácil, ele sabe das consequências que pode sofrer, e ao chegar nesse ponto assume todos os riscos. O negociador há de ser pessoa de extrema capacidade para que tente, na medida do possível, contornar a situação, pois deve pôr fim ao caso sem que o tomador dos reféns tenha o sentimento que mais uma vez falhou. (GARRET, 2008).

Finalmente, temos o de personalidade Antissocial. Segundo Garret (2008, p. 37) esse tipo é

Uma pessoa com uma personalidade anti-social também é conhecida como sociopata ou psicopata. Ele é o clássico “manipulador” ou “vigarista”. Um dos sintomas mais importantes desta personalidade é a absoluta inexistência de qualquer sentimento de consciência ou culpa. A pessoa não incorporou à sua vida os princípios morais e valores de nossa sociedade. Esta situação acarreta sua despreocupação com os reféns, assim entendidos como seres humanos. Frequentemente ele é um orador, lisonjeiro/loquaz e convincente e apresenta-se extremamente bem. Ele é um “vigarista”, um especialista em “frias”. Consequentemente, é possível que seus reféns o vejam como um “bom rapaz” que as autoridades estão atormentando. Ele é egoísta e procura prazer físico. A maioria dos seus interesses gira em torno de manipular as pessoas para obter ganhos materiais para ele mesmo. Ele é muito impulsivo e exige satisfação imediata, não aprendendo com experiências anteriores nem com prisões.

Podemos perceber que esse tipo é extremamente perigoso, pois além de ter a percepção da realidade ele não possui nenhum senso de moralidade e não se importa com consequências. Ele não aprende com os erros, para ele o que importa é o momento e sua satisfação imediata. (GARRET, 2008).

Vencida essa etapa dos mentalmente perturbados, seguimos com o que Garret (2008) chama de “criminoso”, sendo ele o que cometeu um crime anterior, e no intento de fuga toma um refém. Após constatar que ele não é um mentalmente perturbado, o negociador tem mais facilidade em dialogar, pois tem significativas chances de o criminoso conhecer a lei. Por conhecer a lei e saber o que esperar de uma ação policial o perseguindo, toma refém para que seja capturado ileso. (GARRET, 2008).

O chamado criminoso deve ser tratado com a realidade e com os fatos reais. O negociador não terá dificuldades consideráveis com ele, pois pretende ser capturado em troca de segurança física unicamente.

Pode-se constatar que temos prisioneiros os quais são

Pessoas que cumprem penas privativas de liberdade e acabam, por vezes, provocando rebeliões e fazendo reféns (geralmente agentes penitenciários). Nessas situações, quase não há preocupação com distúrbios mentais, uma vez que aqueles prisioneiros, psiquiatricamente perturbados, ficam reclusos em complexos médico penais.(GARRET, 2008, p. 38).

Esses geralmente tomam como reféns os próprios agentes penitenciários, o que aumenta muito as chances de serem assassinados. Quando em grupo, tornam- se uma subcultura, tornando a intervenção do negociador muito mais desafiadora. Mas não temos nesse caso uma possibilidade na nossa situação concreta, o que descarta essa possibilidade aplicada ao nosso tomador de reféns.

Por último, tem-se a figura do terrorista, Garret (2008, p. 39) aduz que ele “ objetiva a atração de tanta publicidade quanto possível para a sua causa. Os eventos causados por terroristas são decorrentes de longo e profundo planejamento e treinamento, sendo suportados física e psicologicamente pelos companheiros.” Neste há o perigo constante de morte dos reféns, pois o terrorista já premeditou suas ações e está disposto a morrer por sua causa como “mártir.

Pelo exposto, podemos dizer que o causador da crise se encaixa em um dos quatro tipos de perturbações mentais apresentadas. Por meio de depoimentos, podemos traçar as características do sequestrado a de um Maníaco-Depressivo.

Assim se extrai de Seabra (2019, p.1) que

Willian Augusto da Silva, 20 anos, era introspectivo, vivia na internet, tinha dificuldades de se relacionar ao vivo e sofria de depressão, relataram à polícia do Rio de Janeiro familiares do homem que sequestrou um ônibus e, por quase quatro horas, manteve 39 pessoas reféns no veículo, parado sobre a ponte Rio-Niterói, na manhã desta terça-feira (20).

Mais ainda, além dos objetos já mencionados que o sequestrador carregava na mochila, havia “uma biografia do escritor Charles Bukowski, nascido na Alemanha, mas naturalizado americano, e conhecido por obras de caráter obsceno.” (SEABRA, 2019, p.1).

A mãe dele, em depoimento, disse que ele era ansioso, introspectivo e fazia uso de medicamentos. Segundo um primo, o sequestrador relatou, numa determinada festa em família, suas condições emocionais, que se tratava de um quadro depressivo (SEABRA, 2019).

Antônio Ricardo Lima Nunes, diretor da divisão de homicídios que investiga o caso, afirmou acreditar em um crime planejado. Segundo Lima Nunes (2019, apud SEABRA, p. 1), “Acreditamos que o sequestro foi premeditado”. Corroborando com isso, alguns parentes afirmaram que em alguns momentos William pesquisou sobre sequestros na internet, e alguns relatos de passageiros dizem que ele, constantemente, falava que queria ficar famoso. (SEABRA, 2019).

Baseado na afirmação dos passageiros de que ele dizia que ficaria famoso, temos uma mistura na personalidade do sequestrador entre Maníaco-Depressivo e o Antissocial. Não podemos ter certeza do que realmente o motivou, pois os fatos levam

a crer que ele possuía esses dois distúrbios mentais, em que um dificultou a comunicação e o outro tornava suas ações imprevisíveis.

No entanto, no depoimento de uma das passageiras, podemos extrair que o sequestrador queria mesmo ser notado, queria aparecer na mídia, colocando a vida de outras pessoas em risco. (G1, 2019).

Após todo drama sofrido, em depoimento, uma refém afirmou o seguinte

De início, eu achei que era um assalto. Mas logo ele falou que queria fazer algo como o filme do ‘ônibus 174’. Ele começou a prender as pessoas, pediu batom para colocar o número na tela. Eu me machuquei um pouco. Ele começou a negociar e estava meio avoado. Ele falou que queria parar o estado. (G1, 2019, p. 1).

Um professor que era refém também disse algo parecido, ou seja, que “ele falou que não queria assaltar ninguém, não queria agredir ninguém. Ele só falou isso, vamos entrar para história.” (G1, 2019, p. 1).

Vale lembrar que o fim do sequestro do ônibus 174 terminou tragicamente, com uma das reféns morta covardemente com tiros à queima roupa pelas costas.

Após negociação árdua de aproximadamente duas horas, “psicólogos da polícia concluíram que ele tinha traços psicóticos e era instável, [...] afirmou Maurílio Nunes, comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais).” (SEABRA, 2019, p. 1).

Sendo assim, havia outras opções para preservar a vida dos reféns, porém, eram muito mais arriscadas e o tiro de comprometimento era o mais adequado nesse caso, assim, na primeira oportunidade, o atirador de precisão efetuou o disparo, colocando fim àquela crise.

Traçado o perfil psicológico do criminoso, entendemos a gravidade e o risco que os reféns estavam expostos. Podemos partir, então, para a aplicação da força letal no abatimento do sequestrador.

Documentos relacionados