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Para tornar os músicos, que demonstraram afinidade com os projetos do americanismo e do nacionalismo musicais, mais conhecidos, as cartas de Curt Lange e Camargo Guarnieri não poderiam prescindir do estabele- cimento de relações pessoais, como observado, por exemplo, na ocasião em que Curt Lange se dispôs a ajudar, através de seus contatos no exte- rior, as alunas de José Klíass1: “Pode dizer à Anna Stella que conte co- migo em Paris, onde tenho boas relações”2. Tais ligações vieram, paula- tinamente, a constituir uma rede de abrangência internacional que, além de intermediar as negociações em favor da apresentação dos músicos, em seus países, também apoiava a gravação de peças, por parte de composi- tores e intérpretes vinculados ao grupo.

Entretanto, a prática de negociação epistolar, travada por Curt Lange e Camargo Guarnieri, apresentava modalidades muito variadas. Grande parte delas voltava-se para o estabelecimento de alianças. Todavia, es- sas tentativas nem sempre eram bem-sucedidas e, por vezes, sequer cogi- tadas. Assim, vários contatos iniciados por Curt Lange e Camargo Guar- nieri, em um tom de amistosa camaradagem, desdobraram-se em diálogos tensionais e mesmo conflituosos. Relato paradigmático dessas tensões, que se contrapunham à promoção de acordos, ainda mais realçada pela repre-

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1José Klíass (1895-1970) era um importante professor de piano e educador, tendo formado pianistas do quilate de Iara Bernette e Ana Stella Schic. Cf. LAGO, Sylvio.

Arte do piano: compositores, obras e grandes intérpretes da música erudita, da arte popular brasileira e do jazz. São Paulo: Algol Editora, 2007. p. 652-653.

2Carta de Curt Lange a José Klíass, 5 de dezembro de 1946. Diante do triunfo de alguns alunos de Klíass tanto no Brasil quanto no exterior, nessa mesma carta, Curt

Lange ainda parabenizava o pianista “pelos êxitos da sua excepcional qualidade de pedagogo e homem”, admiração partilhada por Camargo Guarnieri, que dedicou- lhe o “Ponteio N. 14”.

sentatividade sociocultural dos agentes envolvidos, encontra-se na carta escrita por Curt Lange, em que esse musicólogo revela suas apre- ciações, acerca de Villa-Lobos:

[...] o volume VI do Boletín Latino-Americano de Mú- sica, que ficou com as partes VI.2 e VI.3 na Imprensa Nacional pronto para se tirar das máquinas, com di- nheiro e mais dinheiro, havendo uma parte dedicada a São Paulo extremamente interessante. O Villa me tomou tanto ódio pelo fato de eu não ter feito entrega da minha consciência a ele, e de ter escrito mentiras e mais mentiras e invenções sobre a sua personalidade, que não permite nada que significasse o meu regreso ao Brasil, divulgando toda classe e espécies de men- tiras sobre mim nos seus circuitos oficiais, que são o Itamaraty e o Ministério da Educação3.

Mas é importante observar que as posições dos agentes culturais, ci- tados nas missivas, alteravam-se significativamente – em situações dis- tintas, um mesmo sujeito poderia aparecer como aliado, ou potencial con- corrente dos projetos do americanismo e do nacionalismo musicais. Embora tal oscilação estivesse parcialmente vinculada a um fator cultural-ideo- lógico (a defesa da música “nacional”, em sua associação ao “moderno” e ao “folclórico”)4, postula-se que essa mesma fluidez encontra-se asso- ciada ao crescente profissionalismo do campo musical latino-americano. Quanto maior fosse a maestria de um músico, bem como sua capacidade de inserir-se no mercado musical em formação, mais importante seria sua ade- são ao projeto capitaneado por Curt Lange e Camargo Guarnieri.

A menção a inúmeros músicos, na correspondência, evidencia, também, a importância do papel dos sujeitos na promoção de ações pontuais e co- tidianas, as quais não deixavam de repercutir, em médio prazo, no for- talecimento de um projeto musical. Ademais, como tais agentes atuavam em conformidade com o domínio técnico-musical por eles exercido, a lei- tura do epistolário possibilita ao historiador a reconstituição da abran- gência e complexidade do campo musical brasileiro e latino-americano en- tre as décadas de 1930-1950, que envolvia compositores, regentes e intérpretes, mas também musicólogos e educadores musicais, além do pú- blico ouvinte.

Observe-se, ainda, que a correspondência de Curt Lange e Camargo Guarnieri apresentava um elemento específico, que torna sua leitura al- tamente instigante: esses dois músicos, portadores de personalidades for- tes e opiniões bem definidas, muitas vezes não mediram palavras para ex- pressar suas expectativas, alegrias e frustrações.

Nesse sentido, mostra-se emblemático, por exemplo, o rol de ins- truções enviadas por Curt Lange a Camargo Guarnieri, no ano de 1945, por

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3Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 24 de agosto de 1953. 4Conforme abordado nesta obra nos dois capítulos antecedentes.

ocasião da tournée desse compositor por alguns países da América do Sul: Es posible que encontre en Montevideo algún cachorro que le hable mal de mí porque alguna vez le hice un bien, o porque tuve que decir alguna verdad, o por- que pretendió alguna cosa que no pude hacer. Esto es próprio de todo medio donde se trabaja y se lucha. És el caso de Ud en São Paulo. Por conseguinte, no se preocupe por eso. Mis vinculaciones en Montevideo, que hoy en día es un ambiente musical empobrecida por la invidia y las aspiraciones desmedidas, se encuen- tran en los círculos intelectuales5.

O deslanchar do americanismo e do nacionalismo musicais trouxe uma visibilidade – e, portanto, uma identidade – a muitos agentes do campo musical da América Latina, status, aliás, que não conseguiu ser mantido pelos projetos culturais, implementados a partir da segunda metade do século XX. Com isso, na contemporaneidade, muitos dos nomes citados por Curt Lange e Camargo Guarnieri, em suas cartas, limitam-se a lembranças testemunhais ou a pequenas remissões em obras temáticas de referência. Reler a correspondência trocada por ambos implica, então, reconstituir o dinamismo da cultura de uma época, traçado no interior do campo musi- cal.

OS COMPOSITORES

Quando um músico disputava com os missivistas uma apresentação, uma gravação, a ocupação de um mesmo lugar institucional etc., a relação en- tre eles tendia a degradar-se, mas, se esse artista se dedicasse à com- posição, a possibilidade de um embate era ainda maior. Afinal, a compo- sição era tida como apanágio de poucos, por exigir, além de um amplo conhecimento da arte musical, um talento estético singular. Tal pers- pectiva elitizante viu-se ainda mais reforçada na virada do século XX, com a parcial refutação do sistema tonal, que havia servido de base para a criação musical dos períodos clássicos e românticos, ou, ainda, da po- lifonia da renascença. Por conter uma sonoridade mais facilmente reco- nhecível pelos ouvintes o tonalismo sustentava, até então, o ofício da composição musical. Mas as exigências de tal prática viram-se alteradas com o retorno do modalismo, recorrente no medievo, e a inclusão do ato- nalismo, produção do fin-de-siècle oitocentista, sobretudo com as obras de Schoenberg, Debussy e Stravinsky. A partir daí, cada compositor tor- nou-se responsável pela exploração dos códigos musicais disponíveis, bem como por apresentar as novas possibilidades sonoras para o público ou-

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vinte que, entretanto, fora formado sob outros parâmetros de composição e não raramente resistia às inovações. Tais desafios eram ainda acres- cidos pelo desenvolvimento da indústria fonográfica, que colocou no mer- cado cultural produções musicais de distintas épocas e estilos, apelando ao gosto individual e acirrando a concorrência. Além disso, ao lado da música dita “erudita”, as composições, voltadas para o consumo de en- tretenimento, tornaram-se cada vez mais comuns com o estabelecimento de barreiras cada vez maiores entre os dois estilos6.

Por tudo isso, muito frequentemente, entre os compositores, eclo- diam vaidades feridas, suscetibilidades contrariadas. Tais dilemas, por exemplo, levaram Curt Lange a manter ligações de amor e ódio com o de- fensor da estética dodecafonista, o compositor Hans Joachin Koellreut- ter. Afinal, Curt Lange trabalhara em conjunto com Koellreutter, em prol da publicação de alguns números da revista Música Viva, incorporada à Editorial Interamericana de Compositores7. Porém, diante de alguns de- sentendimentos entre ambos, de ordem administrativa, Koellreutter foi ro- tulado por Curt Lange de “moderno Judas”:

Ya habrá sabido Ud. una serie de detalhes sobre el desenlace fatal con esse moderno Judas. Estaba co- brando comisión a espaldas mías, y en convivencia con Cenni. Este, para deshacerse de él, me lo dijo, ha- ciéndose él mismo el inocente, pero el móvil fué el de eliminar a Koellreutter para poder hacer mejores porquerías, a solas. Ahora mismo tengo con esa gente graves preocupaciones, y sólo me salva en todo eso la presencia de nuestro Cónsul que es un encanto de per- sona y la lealdad en persona”8.

Tal conflito, a princípio, nem sequer era cogitado, com Curt Lange rasgando altos elogios ao compositor alemão: “De Koellreutter estoy cada vez más satisfecho como colaborador y amigo. Que sería de la Editorial sin él?”9 Entretanto, frente às tentativas de autonomização de Koell- reutter, as desconfianças de Curt Lange logo se apresentaram: “Me ex- traña que Koellreutter no lo haya buscado. Le he hablado varias veces antes de irme, hasta último momento, para que nunca lo deje a Ud”10.

Suspeitas e até recriminações similares atingiam, vez por outra, no texto epistolar, outros compositores afamados, como Villa-Lobos. Afi- nal, segundo os missivistas, esse músico recebia um tratamento privile- giado:

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6IAZZETA, Ferrnando. O que é a música (hoje). http://www.eca.usp.br/prof/iazzetta/papers/forum2001.pdf. Acesso em 30 dez. 2008. 7Essa Editora é abordada no capítulo IV deste livro.

8Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 12 de outubro de 1943. 9Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 18 de setembro de 1942.

A Editorial Cooperativa vae bien. Está já em 64 obras publicadas, algumas delas de grande extensão. Sobre el Boletin VI não falo, porque isso é assunto ruin. Ainda não recebi, depois da distribuição no Brasil, mais do que dois (2) exemplares. Já no mês de junho o Villa tinha recebido quase 700 exemplares da Im- prensa Nacional. O assunto, naturalmente, está cau- sando penosa impressão no nosso governo e em outros países. Além disso, o volume II, que eu deixei pronto, com mais da metade do III, com material precioso, pa- rece, segundo me escrevem os chefes da Imprensa Na- cional que trabalharam comigo, que está perdendo-se o valioso material de chumbo e gravuras11.

Curt Lange percebia com grande animosidade a postura de Villa-Lo- bos no interior do campo musical:

A partir del 9 de noviembre me iré al norte argentino para hacer unos estudios. Gustosamente iría también al Brasil en el año que viene, pero no sé aún cómo y en qué forma preparar mi viaje. De Villa-Lobos nada puede esperarse, pues piensa sólo en sí mismo. Yo ya sabía esto y por la misma razón no le pediré nunca nada. Me satisface asimismo que haya venido, porque por encima de todo, está su recia personalidad12. Mesmo assim, Curt Lange não descartava contatos com esse composi- tor brasileiro, chegando a convidá-lo a apresentar-se no Uruguai, ainda mais que Villa-Lobos não deixava de incluir, em seus concertos e reci- tais, obras de Camargo Guarnieri ou de outros músicos vinculados ao pro- jetos do americanismo e do nacionalismo musicais: “Ya sabrá Ud. que he logrado traer a ésta a Villa-Lobos com sus 7 de sus pedagogos e intér- pretes. Me há dado mucho trabajo organizar todo y lograr vencer a los rehacios y a los mal intencionados”13. Assim, em outro episódio, Curt Lange comentou sobre a inclusão de tais obras no repertório das apre- sentações de Villa-Lobos: “Hay que tomar las decisiones de él como son. Lo essencial está en hacerle ver el reverso, cosa que no hacen los que éstan aquí y dependem de él. Estoy muy contento al saber que incluye el hermoso “Tostão de chuva”14.

Um comentário depreciativo, similar aos referentes a Villa-Lobos, foi também expresso, por Curt Lange, com relação ao compositor uruguaio Guido Santórsola15, que, por mais de duas décadas, cultivou um estilo ba- seado nas tradições folclóricas brasileira e uruguaia. Todavia, em obras posteriores, ele adotou o atonalismo e as técnicas seriais16. Uma vez no

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11Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 14 de novembro de 1947. 12Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 16 de outubro de 1940. 13Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 16 de outubro de 1940. 14Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 10 de maio de 1944.

15Cartas de Curt Lange para Camargo Guarnieri, março de 1941 e 12 de setembro de 1945; carta de Curt Lange para Paulo Antonio Montz, 1º de novembro de 1943. 16BÉHAGUE, Gerard. La música en América Latina. Caracas: Monte Avila Editores, 1983. p. 394.

Brasil, Santórsola17 apresentou-se pela primeira vez em público, ao lado de Souza Lima, e mantendo, a partir daí, intensa atuação no campo musi- cal entre os anos de 1925 e 1931. Realizou com Hugo Balzo uma série de concertos no Uruguai e na Argentina, com um repertório de obras clássi- cas e modernas, tendo, em paralelo, fundado a orquestra da Asociación Cultural Uruguaya e o Cuarteto Kleiber de Montevideo18. Curt Lange, em- bora respeitasse seu desempenho profissional, mantinha, quanto a ele, sérias reservas pessoais, pois o considerava um entrave a seu projeto de interligação musical nas Américas, face aos interesses particulares do regente:

[...] Nuestros músicos no andan por allí. Apenas les dá del atril hasta al café, para allí intrigar. San- tórsola es uno de ellos. Mucho cuidado. Es un pavao, de ambiciones incontroladas. Conspiró en Belo Hori- zonte contra las autoridades para ver si podía ha- cerse de la dirección de orquestra, tirando a Bosmans, de la dirección del Conservatório, elimi- nando a Lambert, y su mujer de la cátedra superior de piano, eliminando o subjugando los profesores19.

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17Santórsola nasceu em Canosa de Puglia, região da Itália, emigrando aos cinco anos para São Paulo. Iniciou seus estudos musicais no Conservatório Dramático Mu-

sical de São Paulo. Integrou o Quarteto Paulista; foi professor de violino e viola no Conservatório Dramático Musical de São Paulo; fundou o Instituto Musical Brasileiro, onde dirigiu o Curso de Música de Câmara; integrou como primeira viola as orquestras Sinfônicas de São Paulo e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro; atuou como solista sob a direção de Villa-Lobos, Kleiber, Baldi, Busch, dentre outras atividades, cf. SLONIMSKY, Nicolás. La musica de América Latina. Buenos Aires: F. y M. Mer- catali, 1947. p. 329; Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1998. p. 713.

18Deve-se ainda mencionar o papel desempenhado pela esposa de Santórsola, Sarah Bourdillon, que acompanhava o marido em suas tournées musicais, como co-

menta Curt Lange em carta de 1º de novembro de 1943 a Paulo Antonio Montz: “Sra. Sarah Bourdillon de Santórsola, pianista, pedagoga del piano, que acompañará a Santórsola al piano”.

19Carta de Curt Lange para Camargo Guarnieri, 12 de setembro de 1945.

GUIDO SANTÓRSOLA

OS REGENTES

Grande parte dos maestros indicados por Curt Lange e Camargo Guar- nieri, em sua correspondência, não era brasileira. Assim, por diversas vezes os dois missivistas demonstravam um olhar depreciativo quanto à qualidade dos regentes e, consequentemente, das orquestras deste país, como escreve Curt Lange para Camargo Guarnieri em 30 de abril de 1940: Cómo resuelven el problema, entonces, de la orques- tra? En realidad, a mi juicio, el Brasil no há te- nido nunca una orquestra verdaderamente buena, en los últimos tiempos, por lo menos. Las grabaciones que hicieron para la feria de New York, y lo mismo outra para un músico popular de esa, cuyo nombre no re- cuerdo en esse momento (una suite sobre un cuento in- fantil), denotan orquestras malas y un espíritu de selección no muy feliz. Creo que el amigo me com- prendrá. Lástima que esta opinión no se puede exte- riorizar.

Camargo Guarnieri partilhava da opinião do amigo, promovendo, in- clusive, críticas ainda mais ácidas sobre a prática de regência no Bra- sil, conforme expresso em missiva para Curt Lange, datada de 24 de ju- nho de 1940:

A vida musical aqui está completamente “acéfala”. De- pois da saída do insubstituível Mário de Andrade, tudo ficou diferente. Agora anda por aqui uma doença muito perigosa chamada: regencio-mania. Todos os mú- sicos de São Paulo estão atacados desse mal. O pior é que até agora não descobriram um remédio efi- ciente... [...] Você me pergunta se as orquestras daqui são boas. São as mesmas dos tempos passados... em quanto os músicos componentes existirem! Não acre- dito em conserto, nesse organismo que nasceu errado. [...] Mas, daí, o problema ficaria insolúvel quando fossem escolher o regente! O número destes seria maior que a orquestra!... [...] É uma pena, meu caro Curt Lange! No Rio, ao que parece, a epidemia ainda não chegou.

As críticas proferidas pelos missivistas precisam ser interpreta- das, todavia, numa conjuntura de mudança histórica da prática da regên- cia, a exigir, uma atualização constante dos músicos que se dedicavam a esse ofício. Assim, enquanto a regência dos períodos anteriores carac- terizava-se por uma marcação uniforme da pulsação em conformidade à par- titura, a partir de Wagner, a condução de uma orquestra implicava esco- lhas mais personalizadas, cabendo ao maestro conferir, “a sua própria maneira, o caráter de uma obra”20. Tal alteração demandava um expressivo

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domínio do saber musical e um grau de experiência, dificilmente possuí- dos pelos regentes brasileiros, face aos poucos espaços e recursos dis- poníveis para apresentações da música erudita no país.

Dessa maneira, não é surpresa que as menções do epistolário de Curt Lange e Camargo Guarnieri, ao regente do Departamento de Cultura do mu- nicípio de São Paulo, Ernst Mehlich21, não portassem grandes elogios, pelo menos no que concerne à música latino-americana contemporânea. De iní- cio, o cargo ocupado por Mehlich o havia colocado no foco das atenções de Curt Lange, que passou a enviar-lhe várias obras de compositores la- tino-americanos, na esperança de que fossem por ele selecionadas para execução em concertos: “Mandé a Mehlich una partitura muy linda de un cubano, “Yamba-O”, de Alejandro García Caturla22, y quedó en hacerla de un momento a outro”23.

Algumas dessas peças foram efetivamente escolhidas por Mehlich, como “La Isla de los Ceibos”, apresentada em um concerto realizado em home- nagem ao cinquentenário da União Pan-Americana, pela Sociedade Filarmô- nica de São Paulo, no Teatro Municipal dessa capital24. Comentando o re- ferido concerto, Camargo Guarnieri escreveu a Curt Lange:

O Mehlich dirigiu no dia 30 de abril o concerto em homenagem a União Pan-Americana. Somente o Fabini re- presentou o Uruguay. Dele executaram “La Isla de los Ceibos”. Prefiro não comentar a obra. A falta de en- saios, aliás, o Mehlich é recordista(!), prejudicou todas as composições executadas. Acredito que seja caduquice! Mas ele não está ainda na idade para isso!...25

Críticas semelhantes recebeu Souza Lima26 em sua atuação como maes- tro, ainda que esse músico tivesse regido peças de Camargo Guarnieri, como a estreia da “Abertura Concertante”, junto à Orquestra da Socie- dade de Cultura Artística de São Paulo27. Assim, no dizer de Camargo Guar- nieri: “O Souza Lima já não quer ser mais pianista, gostou do pauzinho! Como pianista ele chegou a ser notável. Como regente... Talvez a falta de técnica de direção de orquestra seja a razão. Mas quem o convencerá

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21Ernst Mehlich (1888-1977) nasceu na Alemanha e radicou-se em São Paulo em 1933 por motivos políticos – afinal, o regime nazista suscitou o êxodo de muitos ar-