• Nenhum resultado encontrado

Nexos necessários entre ciência, epistemologia e pesquisa educacional

Não há como desenvolver uma pesquisa epistemológica sem considerarmos os elementos básicos de sua sustentação, dado o caráter de investigação sistemática do objeto do conhecimento que esta desenvolve. Este “caráter sistemático” cremos, não fecha o estudo das possibilidades de desenvolvimento da pesquisa científica num olhar, mas como caminho, almeja acompanhar avaliativamente o avanço, o retrocesso ou a estagnação da pesquisa e dos processos que a compõem, buscando, é claro, o seu melhor crescimento e desenvolvimento.

Ciência, epistemologia e pesquisa educacional são os “elementos básicos” de que tratamos, onde o primeiro sistematiza conhecimentos, cria teoria e métodos acerca de uma dada realidade, elabora princípios e possibilidades a partir do objeto de estudo, buscando

suas articulações com fontes pertinentes e possibilitando ao segundo a crítica-reflexiva sobre sua prática. A epistemologia, portanto, será o veículo de indagação, reflexão e crítica do texto da ciência e de seu desenvolvimento, tendo como objetivo primordial a investigação da pluralidade e o esclarecimento do texto (aqui entendido como a realidade da ciência ou a ciência em construção). Depois da identificação do objeto (o texto), do objetivo da pesquisa epistemológica (estudo da pluralidade e esclarecimento do texto) passa-se para o método epistemológico que é o “recurso às categorias clássicas da epistemologia para interrogar o texto, categorias que tratam com a possibilidade, fundamentos (origens ou limites), e verdade do conhecimento” (ABIB, 1996, p. 222). Através da investigação dessas categorias

“... o epistemólogo interroga o texto e busca nele as repostas. À medida que as obtém, constrói gradativamente seu discurso sobre o texto, pode afirmar, por exemplo, que o núcleo conceitual da teoria apresentada no texto é solidário com o empirismo e realismo bem como com o conceito consensual de verdade, ou que está mais próximo do relativismo, empirismo, da verdade como utilidade prática, e assim por diante. Sendo assim, o epistemólogo supõe não só que o texto é atravessado de ponta a ponta por questões epistemológicas, mas também que elas estão aí enclausuradas num labirinto de silêncio. É nesse dédalo que ele adentra e se esforça para compreender a linguagem muda que opera por trás do texto e que é constitutiva de seu sentido. Vai gradativamente, interpelando o texto, construindo seu discurso, escrevendo seu texto, na proporção que apura sua audição para essa linguagem, para esse silêncio, e tudo isso conforme faz essa linguagem sair do mutismo. Terminando seu texto, existem dois textos, o que investigou e o que escreveu. É esse último que é apresentado como esclarecimento do primeiro, porque visa, precisamente, elucidar seu sentido. Assim, um texto encerra um pré-texto, que só vem a tona através da investigação epistemológica” (Ibidem – grifo do autor).

A pesquisa educacional de forma mui especial necessita desse olhar epistemólogico, onde o seu texto e contexto sejam investigados através da realidade de sua própria história e dos processos que a formam. O grande problema, no entanto, como aponta PIMENTA (1996, p. 42), é que a “educação não tem sido suficientemente tematizada como área de investigação de uma ciência”, justamente porque toma emprestado um aparente estatuto de

cientificidade das “ciências da educação” que não lhe favorece um enfrentamento adequado de questões epistemológicas no campo educacional. Este não-enfrentamento dificulta não somente a articulação de pesquisas neste campo, mas também à formulação de pesquisas necessárias à pratica social da educação. A questão epistemológica na pesquisa educacional é o veículo que possibilita a reflexão necessária neste campo específico, transformando, revendo e repensando o universo estudado, bem como apontando caminhos que ainda não foram trilhados, ou se já trilhados, apontando “novas luzes” sobre os mesmos. Há que se retomar esse discurso, possibilitando à educação ser entendida como uma ciência primeira que abre caminhos ao conhecimento do homem enquanto tal, de sua história e de outras ciências, daí enfocarmos ciência, epistemologia e pesquisa educacional como elementos indissociáveis, permitindo à investigação educacional ser construída sem vieses especulativos, mas sob o prisma epistemológico necessário. VIEIRA PINTO (1979, p. 3) corrobora com tal enunciado, declarando que

“Qualquer que seja o campo de atividade a que o trabalhador científico se aplique, a reflexão sobre o trabalho que executa, os fundamentos existenciais, os suportes sociais e as finalidades culturais que o explicam, o exame dos problemas epistemológicos que a penetração no desconhecido do mundo objetivo suscita, a determinação da origem, poder e limites da capacidade perscrutadora da consciência, e tantas outras questões deste gênero, que se referem ao processo da pesquisa científica e da lógica da ciência, não podem ficar à parte do campo de interesse intelectual do pesquisador, que precisa conhecer a natureza do seu trabalho, porque,... este é constituído da sua própria realidade individual.”

Outrossim, deve a pesquisa epistemológica ser trabalhada a partir dos aspectos histórico e lógico que lhes dizem respeito. Enquanto o primeiro preocupa-se com o surgimento, desenvolvimento e etapas de transformações do objeto, o segundo converge sua atenção para a leitura do primeiro, não se preocupando apenas em reproduzir sua historicidade, mas através desta, ir revelando seus caminhos (do objeto), desvelando o conhecimento acerca do mesmo, apresentando-lhe novos enfoques e descobertas relevantes ao seu desenvolvimento e possibilitando a reflexão-crítica sobre seus processos com vistas

à repensar sua trajetória. Assim, conhecer a ciência, a epistemologia, a pesquisa educacional, conceitos de história, do homem, do abstrato e do concreto, de causa e efeito, elementos ontológicos e gnosiológicos através do lógico e do histórico é abrir trilhas no desvelamento do conhecimento da produção científica e seus processos, que longe de

pretender revelar todas as faces da totalidade toma-a como caminho em construção37 para a

compreensão de sua realidade. A partir daí, o nosso trabalho convergirá para um estudo de caráter lógico–gnosiológico da produção científica no campo educacional, abrangendo os elementos até aqui descritos e que serão detalhados a partir do próximo capítulo.

37 É oportuno lembrarmos KOSIK (1976, p. 30-35) que entende a totalidade como a realidade de um todo

estruturado, dialético, onde os fatos, quaisquer que sejam podem vir a ser racionalmente compreendidos. Entretanto, adverte o autor, o acúmulo de “todos” os fatos não é fonte segura para se conhecer a realidade e mesmo o montante de todos os fatos não compendia a totalidade. A realidade para o autor deve ser entendida no contexto da concreticidade, sendo conhecida através da mediação do abstrato. Desta maneira ela se apresenta como fenômeno e essência, sendo explicada através de seu desenvolvimento.

CAPÍTULO III

METODOLOGIA DA PESQUISA: SUA CONSTRUÇÃO,

SEUS RESULTADOS

“ De fato, além de delimitar os aspectos do fenômeno que podem ou valem a pena ser pesquisados, o objeto de estudo os incorpora em uma versão condicionada pela perspectiva teórico-conceitual assumida. O fenômeno assim transformado é submetido ainda a considerações quanto à viabilidade metodológica e à disponibilidade ou desenvolvimento de técnicas adequadas ao seu estudo. O objeto de pesquisa assim construído irá portanto orientar a proposição de perguntas ao domínio empírico, a organização dos dados que essas perguntas irão gerar e a transformação final destes dados em resultados de pesquisa” (SÁ, 1998, p. 15).

3.1 . Primeiros passos

Inicialmente fizemos um considerável levantamento de todas as teses e dissertações defendidas no período compreendido entre 1995 e 1998 do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/UNICAMP), tipificando-as conforme os níveis aos quais pertenciam, suas respectivas áreas de concentração, número da amostra, autor, orientador, título e data de defesa. Assim encontramos o número de 389 documentos ( teses e dissertações), distribuídos, até então, nas seis áreas de concentração, como mostra quadro 10.

Em seguida passamos ao estabelecimento de uma amostragem, como parte dos procedimentos que adotamos, dado o grande volume de documentos defendidos no programa e a impossibilidade de empregarmos “tempo hábil” para a leitura integral e observações sobre todos. Optamos, então, por obtermos uma amostragem através da técnica de seleção estratificada e sistemática. Esse tipo de amostragem é realizado a partir de uma seqüência ou lista que englobe todos os elementos de uma população identificada, trabalhando-se a seguir, a população amostral, a partir de um ponto de partida aleatório entre 1 e o inteiro mais próximo à razão da amostragem, lembrando que a amostragem estratificada é caracterizada pela seleção de uma amostra de cada subgrupo da população considerada (GIL, 1996, p. 98-99).

Através da distribuição dos documentos por níveis (mestrado e doutorado) e por área de concentração, os organizamos de forma crescente, isto é, cada documento ordenado conforme as datas de defesa, sempre partindo da mais antiga à mais recente e de acordo com o intervalo que selecionamos (1995-1998). Uma vez organizados em estratos e em ordem crescente, selecionamos 25% de cada estrato, conforme a técnica de fila ou amostra sistemática, correspondendo um elemento amostral para cada quatro da população considerada, sendo que o primeiro elemento de um a quatro foi escolhido aleatoriamente e os demais conforme o intervalo n + 4, até que cobrisse a totalidade da população trabalhada. Dessa forma, de acordo com a técnica utilizada, encontramos uma amostragem

ajustada de 97 documentos, distribuídos nas respectivas áreas de concentração, conforme poderemos analisar através do quadro 10.

QUADRO 10

TOTAL DA POPULAÇÃO E AMOSTRAGEM POR ÁREA DE

CONCENTRAÇÃO

População (N) Amostragem (n) Área de Concentração M D Total da População (M + D) M D Total da Amostragem (M + D) Filosofia e História da Educação 27 42 69 7 10 17 Psicologia Educacional 82 35 117 20 9 29 Adm. e Supervisão Educacional 31 22 53 8 5 13 Metodologia do Ensino 61 32 93 15 8 23 Ciências Sociais Aplicadas à Educação 33 8 41 8 2 10 Educação Matemática 14 2 16 3 21 5 SOMATÓRIA 248 141 389 61 36 97

Com essas informações em mãos, passamos à escolha e desenvolvimento de um instrumento de pesquisa que pudesse fornecer diretrizes norteadoras e que abrangesse os diversos níveis (metodológico, teórico, técnico e epistemológico) e aspectos da pesquisa epistemológica que desenvolvíamos, assim passamos à sua construção.

1

Por haver apenas dois (2) documentos nessa área de concentração em nível de doutorado, resolvemos considerar sua totalidade.