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Nike, Coca-Cola, KFC, Burger King e Disney na berlinda

3. DISCURSOS E CONTRADISCURSOS NA REDE

3.2 Nike, Coca-Cola, KFC, Burger King e Disney na berlinda

Esta pesquisa tem como objetivo identificar as estratégias discursivas utilizadas nos enunciados textuais e visuais criados pelos prosumers nos seus contradiscursos. Para tanto, formulou-se um estudo teórico-empírico, cujo trajeto teórico está calcado em um raciocínio lógico indutivo, utilizando-se uma abordagem, prioritariamente, qualitativa.

A análise do discurso foi a técnica de análise escolhida para a pesquisa. Como técnica de levantamento de dados, utilizou-se a observação de peças de contrapropaganda criadas pelos prosumers e veiculadas em sites, blogs e redes sociais na Internet. Foram enfatizados os dados visuais e verbais como indicadores de disposições psicológicas coletivas. Buscou-se identificar, através dos enunciados selecionados, uma ressonância geral dos anseios, desejos e opiniões de um grande número de pessoas nas sociedades de consumo contemporâneas.

A pesquisa foi realizada considerando-se uma amostragem aleatória. As cinco peças de contrapropaganda escolhidas para formarem o corpus de pesquisa se utilizam da propaganda institucional de grandes marcas do capitalismo global para gerar novos enunciados e questionar procedimentos de caráter legal, moral, político ou ideológico utilizados pelas empresas detentoras dessas marcas. As marcas evidenciadas e criticadas nos enunciados criados pelos prosumers são Burger King, Kentucky Fried Chicken, Coca-Cola, Nike e Disney.

Todas as peças selecionadas abordam questões relativas ao desrespeito dos direitos humanos ou dos animais no século XXI. Esses temas, inseridos numa esfera maior das discussões a respeito do abuso do poder econômico e das elites econômicas sobre as minorias, os fracos, os oprimidos e os subalternos, no mundo contemporâneo, conquistam um número cada vez maior de simpatizantes. É provável que isso ocorra porque a sociedade contemporânea parece viver um novo momento, no qual sente-se uma necessidade urgente de novos discursos, novas atitudes,

como bem defende Milton Santos ao afirmar que a grande tarefa dos cidadãos, no mundo ocidental contemporâneo, é elaborar um “novo discurso, capaz de desmistificar a competitividade e o consumo e o de atenuar, senão desmanchar, a confusão dos espíritos” (2000, p.55).

Para Santos, a época atual não é apenas de globalização, mas de “globaritarismo”, um processo estrutural violento alicerçado no dinheiro, na competitividade e na potência em estado puro, “cuja associação conduz à emergência de novos totalitarismos (idem, p.55). Ele vislumbra, no entanto, a possibilidade de transformação dessa realidade com a participação efetiva dos cidadãos na esfera social de maneira critica e consciente, por uma outra globalização. “No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção de um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato.” (idem, ibidem, p.21).

Todas as peças que compõem o corpus da pesquisa estão disponíveis para visualização e compartilhamento na World Wide Web, de maneira gratuita, com acesso rápido e fácil, por pessoas de qualquer lugar do mundo, de qualquer faixa etária ou classe social. Foram selecionadas inicialmente por terem mensagens compostas por elementos verbais e visuais, e que se apropriam da identidade corporativa das marcas, conhecidas nos cinco continentes, para impactar o grande público e angariar novos ativistas e simpatizantes. Esses fatores garantem a homogeneidade do corpus.

As peças selecionadas foram observadas e analisadas de março de 2009 a janeiro de 2011. Para melhor análise das regularidades e dispersões, foram categorizadas em três grupos: 1) O das mensagens de combate às condições subumanas e ilegais de trabalho humano (peças contra a Nike e a Coca-Cola). 2) O dos enunciados que denunciam a violação ao direito dos animais (peças contra o KFC e o Burger King). 3) Por fim, uma peça elucidativa das mensagens contrárias aos conteúdos com viés racista apresentados pela empresas do conglomerado Disney.

A exclusão social relacionada às condições degradantes de trabalho, incluindo o trabalho infantil em diversas partes do mundo, é alvo de muitas críticas por parte de intelectuais, líderes mundiais, organizações não governamentais (ONGs) e ativistas do mundo inteiro na atualidade. Esses grupos acusam o sistema neoliberal de ser o responsável pelo aviltamento do trabalho humano em favor da reprodução irrestrita do capital. Boff chama a atenção para o fato de que “há um descuido e um descaso pela vida inocente de crianças usadas como combustível na produção para o mercado mundial” (1999, p.18). De acordo com o Relatório Mundial da Infância, produzido pela UNICEF, em novembro de 2009, 150 milhões de crianças entre 5 e 14

anos estão envolvidas com trabalho infantil. (www.unicef.org/brazil/pt/resumo_sowc_20anosCDC.pdf)

Figura 1: Garoto paquistanês costura bolas para a Nike.4

Para Sella, “o empobrecimento dos outros, o sacrifício dos pobres e a exclusão social são realidades necessárias para os neoliberais” (2002, p.51). O autor afirma que “o sacrifício do outro é parte integrante do pensamento neoliberal” voltado para “a idolatria do capital” (idem, p.51). Boff observa que são milhões de homens e mulheres excluídos dos processos de produção: pessoas consideradas descartáveis pela sociedade. “Esses nem sequer ingressam no exército de reserva do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo e de alguma seguridade social” (2003, p.18) Para Santos, há, na segunda metade do século XX, a “produção das dívidas sociais e a disseminação da pobreza numa escala global” (2000, p.73).

Todos esses fatores levam a um cenário de engajamento sócio-politico por parte de consumidores e cidadãos do mundo inteiro, que buscam, através do seus discursos antimarcas, contribuir com suas parcelas de contestação frente ao sistema neoliberal vigente.

Alcançamos assim uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente produzida pelos atores globais com a colaboração consciente dos governos nacionais e, contrariamente às situações precedentes, com a conivência de intelectuais contratados – ou apenas contatados – para legitimar essa naturalização (SANTOS, 2000, p.72).

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Outra tema de grande destaque nesta investigação é a violação e o desrespeito aos direitos dos animais, e que encontra espaço nos discursos também ligados a marcas de expressão e consumo internacionais. Alvo de diversas organizações não governamentais em todo mundo, entre elas, destaca-se a organização americana PETA, cuja sigla significa People for the Ethical Treatment of Animals5 e que faz amplo uso dos novos canais de comunicação com os cidadãos, através das mídias digitais, com perfis ativos e bem procurados no Facebook, no Twitter, além de um canal no YouTube. . Em 11 de janeiro de 20116, 974.805 pessoas “curtiam” PETA no Facebook (o “counter”, ou contador de visitas, está visível para todos os visitantes na home do site). E 29.546 pessoas haviam subscrito seu canal no YouTube. Mensagens postadas pelo público no Twitter também apareciam na home do site da organização.

Figura 2: Alyssa Milano em campanha da PETA a favor do vegetarianismo7.

Fundada em 1980, pela sua atual presidente Ingrid Newkirk, a Peta conta hoje com dois milhões de membros participantes de todo o planeta e promove educação sobre os direitos dos animais, investigações, pesquisa, resgate de animais, envolvimento de celebridades e campanhas

5 Em português: Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais. Tem como slogan: "os animais não são nossos para

comer, usar, fazer experiências ou para entretenimento”. Seu site é o www.peta.org. Disponível para leitura em várias línguas.

6 Às 01:27h, no horário de Brasília.

de protesto, combatendo marcas de repercussão e reconhecimento mundial como Mc Donalds, Kentucky Fried Chicken, Burger King e Donna Karan, entre outras. Conta com orçamento anual superior a 30 milhões de dólares - gerado com arrecadações de fundos, pagamento de taxas pelos integrantes e vendas de camisetas e produtos e emprega mais de cem funcionários (nenhum dos quais consome ou usa qualquer espécie de produto animal).

Peta está engajada na causa de proteção dos animais contra todos os atos de exploração humana desnecessária e abusiva. É famosa por pressionar grandes redes de lanchonetes. Conduz uma operação clandestina de espionagem na comunidade científica que realiza pesquisas com animais, visando a expor suas práticas de laboratório, visto que é contra toda e qualquer pesquisa médica que inclua o uso de animais, bem como o consumo de carne e leite, contra os zoológicos, circos, lã, couro, caça, pesca e até animais de estimação.

O racismo é outro tema que mobiliza, politicamente, instâncias governamentais e não governamentais há séculos e permanece em evidência no mundo contemporâneo. Wallerstein pondera que os conceitos de racismo/sexismo em oposição ao conceito de universalismo são necessários ao capitalismo histórico como uma maneira de tentar equilibrar o desafio do individualismo estimular “uma virulenta corrida de todos contra todos, pois não a legitima somente para a pequena elite, mas para a espécie humana como um todo” (2001, p.133) O tema do racismo ou da “dominância étnico-racial” (VAN DIJK, 2010, p.96) está relacionado a questões ligadas ao poder sócio-econômico e gera muitos debates e polêmicas em função dessa relação.

A cor da pele não foi, naturalmente, uma invenção do capitalismo, nem de sistema algum – foi o produto das diferentes condições ecológicas que o homem encontrou na sua dispersão pelo planeta. Mas prestou ao capitalismo um inestimável serviço, separando, neste fantástico mercado em que se compra e vende mão-de-obra, a mercadoria da primeira da de segunda (mais ou menos como fazem os vendedores de tomate: os melhores, 80; os piores, 50) (SANTOS, 1980, p.34)

Van Dijk avalia as ligações existentes entre o discurso, o poder e o racismo. Defende que uma estratégia do discurso dominante é definir o status quo étnico como “natural”, “desejável”, “inevitável” ou até mesmo “democrático” (2010, p.96). Para o autor, a dominância étnico-racial ou racismo é também reproduzida através de “padrões diferenciais de acesso discursivo por grupos majoritários e minoritários, e não apenas por conta de acessos diferenciados a residência, emprego, habitação, educação ou previdência social” (idem, p.96). Há um discurso próprio do

Neoliberalismo, chancelado pelas perspectivas do racismo e do sexismo, que existe para explicar “por que os que estão na parte baixa da pirâmide chegaram lá. Eles tiveram menos iniciativa, mesmo quando a possibilidade lhes foi oferecida” (WALLERSTEIN, 2001, p.134). É contra essas abordagens que, através do discurso “naturalizado” na sociedade e também na mídia, que se insurgem alguns grupos organizados, além de cidadãos com olhar crítico sobre as práticas sociais e discursivas.