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A noção diferenciada de inadimplência a as implicações para um possível contramovimento do mercado

5.1 Caracterização do universo pesquisado

5.2.5 O processo de solicitação e as decisões sobre o crédito: criando reciprocidade para a redistribuição e o contra movimento do mercado

5.2.5.1 A noção diferenciada de inadimplência a as implicações para um possível contramovimento do mercado

Como visto, nestes empreendimentos de finanças solidárias, o processo de solicitação de crédito e as decisões sobre ele são mais sociais e informais, baseadas nas relações de proximidade construídas no território. Esta premissa tem levado à adoção de critérios “flexíveis” de concessão do crédito, mas não indefinidos. Da mesma forma, o controle do pagamento das prestações também se assenta em relações informais, influenciando a noção de inadimplência adotada, ou melhor, construída na prática dos BCDs.

Notamos que a noção tradicional de inadimplência, ou seja, aquela que considera qualquer atraso a partir de 30 dias ou da data definida para pagamento das prestações, é adotada por apenas 23,4% dos BCDs entrevistados. A maioria deles (36,2%) leva em consideração a intenção (comunicada no BCD) do devedor de pagar a dívida,

165 renegociando-a. Como exposto na Tabela 25, a definição de inadimplência é composta de múltiplos critérios e varia de um BCD a outro. Interessa notar que os BCDs têm combinado um ou dois critérios de inadimplência. Por exemplo, a partir de 30 dias e se a dívida não for negociada; ou depois de algumas cobranças e se ainda assim o devedor não pagar.

No entanto, se por um lado esta multiplicidade de critérios aponta para uma noç~o mais flexível ou “frouxa” de inadimplência, por outro, ela dificulta sobremaneira a identificação das taxas de inadimplência nos BCDs. De fato, as visitas de campo permitiram identificar que, em alguns casos, o devedor só é considerado inadimplente quando evidencia a não intenção de pagar a dívida (é o caso do BCD Cocais, por exemplo). Esta flexibilidade dificulta o controle do volume devido e o estabelecimento de índices de inadimplência.

Vale notar que esta suposta “frouxidão” é da própria natureza das relações de proximidade que forma a base de atuação dos BCDs nos territórios apontando para a necessidade de redefinir tanto a noção quanto a forma de calcular a inadimplência no caso dos BCDs.

Tabela 25 – Critérios de inadimplência usados pelos BCDs

Critérios de inadimplência

Respostas

% de BCDs Nº de

ocorrências ocorrências % das

A partir de um dia de atraso na data de pagamento 3 4,8% 6,4%

A partir de 30 dias de atraso 11 17,5% 23,4%

A partir de 60 dias de atraso 14 22,2% 29,8%

Atraso não comunicado/justificado 10 15,9% 21,3%

Quando não renegociada a dívida 17 27,0% 36,2%

Outros 8 12,7% 17,0%

Total 63 100,0% -

Nota: A tabela se refere a uma questão de resposta múltipla. A análise deve ser feita sobre o % de BCDs. Fonte: Dados da pesquisa direta (2012).

Esta noção diferenciada de inadimplência é, a nosso ver, um aspecto importante no conjunto da gestão e do controle do crédito baseado no princípio da reciprocidade. As relações de proximidade permitem aos BCDs, na figura dos agentes de crédito, membros da comunidade, construir mecanismos de cobrança também diferenciados e que

166 funcionem bem. No entanto, eles não impedem que alguns pagamentos não atrasem ou não se efetuem e acabem refletindo em baixas nos fundos de crédito. Em alguns BCDs, um ou dois pagamentos atrasados ou não efetuados podem se configurar na perda da capacidade do BCD de emprestar durante um determinado período.

Esta fragilidade financeira pode abrir espaço para um possível contramovimento do mercado em direção à reciprocidade que caracteriza a metodologia de concessão, análise e controle do crédito típica dos BCDs. Denominamos contramovimento diante da percepção do movimento do BCD em se diferenciar (ou se afastar) do princípio do mercado por meio do seu modo de atuação no território, especialmente no que diz respeito aos critérios para análise e concessão de empréstimos.

Na Tabela 26, os dados se referem a apenas 36 dos 47 BCDs pesquisados que possuem registros dos devedores com pelo menos um dia de atraso no pagamento das parcelas. Sendo assim, os dados se referem a inadimplência no sentido comum do termo e não no sentido que os BCDs em geral a entendem. Identificou-se que a taxa média geral de inadimplência é de 10,31% (considerando o conjunto das linhas de crédito, tanto em Reais como em moeda social) no período de um ano e meio (2011 e 2012-1). A taxa mensal de inadimplência nos BCDs, considerando um dia de atraso, é em média de 0,57% sobre a base de 36 respondentes (10,31% dividido por 18 meses). Para se ter uma ideia, a taxa de inadimplência35 do programa Crediamigo do Banco do Nordeste nos

últimos dois anos foi de 0,74% e 0,63% por mês (BNB, 2012), que é considerada baixa.

35

Significando valores em atraso de um a 90 dias em relação à carteira ativa do mês na posição 31 de dezembro de cada ano.

167 Tabela 26 – Taxas gerais de inadimplência – Estatísticas

Medidas estatísticas Valores

Casos válidos/casos omissos (36) / (11) Taxa mínima de inadimplência 0,00% Taxa máxima de inadimplência 55,0% Amplitude da taxa de inadimplência 55,0% Taxa média de inadimplência 10,31%

Desvio padrão 13,08%

Taxa modal de inadimplência 0,00% Taxa mediana de inadimplência 6,50% 1º quartil da taxa de inadimplência 0,50% 2º quartil da taxa de inadimplência 6,50% 3º quartil da taxa de inadimplência 14,75%; Fonte: Dados da pesquisa direta (2012).

Embora as taxas de inadimplência dos BCDs, num sentido tradicional, sejam relativamente baixas e em grande parte dos casos ela seja nula (moda igual a 0,0), em alguns casos estas taxas se tornam comprometedoras diante das dificuldades de obtenção dos fundos para empréstimos. Por isso, o atraso no pagamento associado às deficiências no fundo de crédito foram apontados como principal desafio em 28 dos 47 BCDs entrevistados. Para alguns agentes de crédito, os solicitantes não têm conseguido honrar o valor das parcelas, pagando apenas uma parte: “As pessoas estão com dificuldades tanto para pagar em dia, quanto para honrar o valor da parcela” (informação verbal, set. 2012). Estes e outros desafios enfrentados pelos BCDs de modo geral foram sistematizados nos itens seguintes.

5.2.6 A formação do fundo de crédito e outras especificidades: os principais desafios da atuação

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