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1 DAS RUAS AOS JORNAIS: ATOR E GÊNERO DISCURSIVO

1.2 A noção semiótica de ator

O termo ator emerge na tradição semiótica em substituição ao conceito de personagem (ou dramatis persona). No seio da teoria semiótica houve, segundo Greimas e Courtés (2008, p. 44), uma preocupação com a precisão e a generalização do conceito de ator “de modo a possibilitar o seu emprego fora do domínio literário”, pois, como ilustram os dois semioticistas, tanto um tapete voador quanto uma sociedade comercial podem se manifestar como atores em um texto. Portanto, a noção pode distinguir um actante individual e não figurativo, como a figura do destino, e também designar um actante coletivo e figurativo (no sentido de antropomorfo ou zoomorfo), como um grupo de comerciantes. Distingue-se o conceito de actante da de ator: quando os actantes pertencem a uma sintaxe narrativa, os atores são reconhecidos no nível do discurso, porque, para além de uma função sintática, estes possuem um papel temático.

Em nosso caso, o manifestante de rua é um papel temático específico para o actante manifestante. Não é qualquer manifestante que está sendo analisado nesta tese é, em específico, aquele que possui o papel temático do manifestante de rua, isto é, que se mobiliza nas e pelas ruas, em nosso caso nas vias paulistanas. Portanto, retomamos o ator manifestante de rua neste estudo, porque estamos analisando aquele que protesta (papel actancial) em particular nas ruas (papel temático).

O termo actante, como aquele que realiza ou sofre a ação, foi proposto por Tesnière (1988) e, depois, desenvolvido pelos estudos de Greimas e Courtés (2008, p. 20-22). De acordo com os dois semioticistas, “o termo actante remete a uma determinada concepção da sintaxe que articula o enunciado elementar em funções (tais como sujeito, objeto, predicado),

37 São reconhecidos também os recentes trabalhos de Barros (2008; 2016; 2017) que abordam a natureza da

linguagem e sua interface com as ciências sociais – sobretudo, no desvelamento dos mecanismos de significação do discurso preconceituoso.

independentemente de sua realização nas unidades sintagmáticas (exemplos: sintagmas nominal e verbal)” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 21). Nessa linha de raciocínio, o predicado é compreendido como o núcleo do enunciado, isto é, segundo Greimas e Courtés (2008, p. 21), “os actantes devem ser considerados como os termos-terminais da relação que é a função”. Essa função delineia a construção dos enunciados – sejam os de estado (ser), sejam os de transformação (fazer) – na narratividade dos textos.

Na progressão do nível narrativo, o actante pode assumir papéis actanciais. Os papéis são definidos simultaneamente por meio da posição do actante no encadeamento da narração – eis uma definição sintática – e pelo seu investimento modal – eis uma definição morfológica. Portanto, em acordo com a proposta de Greimas e Courtés (2008, p. 22), “o herói só o é em certas posições da narrativa: não era herói antes, pode não ser herói depois”. Essa flexibilidade do modelo descritivo da semiótica permite o exame de diversos tipos de textos avançando sobre o modelo de Propp (2006).

As teses apresentadas na Morfologia do conto maravilho, de Propp (2006), são retomadas parcialmente na teoria semiótica. O autor russo afirma que “o importante não é o que eles [personagens] querem fazer nem tampouco os sentimentos que os animam, mas suas ações em si, sua definição e avaliação do ponto de vista de seu significado para o herói e para o desenvolvimento da ação” (PROPP, 2006, p. 70). Nesse ponto, a semiótica e a proposta de Propp convergem, pois, em ambas, os personagens, para Propp (2006), e os actantes e atores, para a semiótica (GREIMAS; COURTÉS, 2008), são funções derivadas dos programas narrativos desenvolvidos no enredo de cada texto.

Além disso, a noção proppiana de função embasa a proposta semiótica. Para o estudioso russo, “por função compreende-se o procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação” (PROPP, 2006, p. 22). Nessa proposta, são delimitadas trinta e uma funções que podem ocorrer em sete diferentes personagens. Esses seres ficcionais são, segundo Propp (2006), os únicos elementos que podem se agrupar em feixes de funções. Portanto, fica implícito em sua obra que os personagens são feixes de funções.

Outra contribuição do morfologista russo vem de sua abordagem, que permite postular um princípio de organização subjacente a unidades sintagmáticas que seriam as funções. Por isso, Greimas e Courtés (2008, p. 224) consideram que a noção de função “serviu de ponto de partida para a elaboração de diferentes teorias da narratividade. Quanto à noção de função, ainda fluida em Propp, pode ser precisada e reformulada em termos de enunciados

narrativos”. E foi isso que os semioticistas fizeram: desdobraram as funções de Propp (2006) em enunciados narrativos elementares.

No texto “Os actantes, os atores e as figuras”, Greimas (2014, p. 61-78) examina as problemáticas que circundam o conceito de ator.38 O lituano esclarece que entre ator e

actante não se estabelece uma simples relação de inclusão de uma ocorrência em uma classe. Ao contrário, pode acontecer tanto de um ator se manifestar textualmente por meio de diversos actantes, quanto de um único actante sincretizar diversos atores. Por isso, ator e actantes são “dois níveis autônomos em que se pode situar a reflexão sobre a narratividade” (GREIMAS, 2014, p. 61).

Greimas e Courtés (2008) distinguem dois tipos de actantes no interior do discurso enunciado: (a) actantes da comunicação (ou da enunciação) e (b) actantes da narração. Aqueles são “o narrador e o narratário, mas também o interlocutor e o interlocutário (que participam da estrutura da interlocução de segundo grau que é o diálogo)” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 21). Estes, os actantes da narração, são sujeito/objeto, destinador/destinatário que, do ponto de vista gramatical, podem opor actantes sintáticos e actantes funcionais. Os actantes sintáticos estão “inscritos em um programa narrativo dado”; os actantes funcionais “subsumem os papéis actanciais e um determinado percurso narrativo” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 21). Os dois tipos podem distinguir, nos discursos, sujeitos pragmáticos e sujeitos cognitivos, visto que, em um romance policial, por exemplo, o ator informante é tanto aquele que sabe da informação (actante sintático do sujeito do saber, que é um sujeito cognitivo) quanto aquele que dá a informação (actante funcional do sujeito que faz saber, compreendido como sujeito pragmático).

Sobre os actantes da comunicação, Barros (2001) traz uma formulação adequada aos processos de debreagem da categoria de pessoa nos discursos. Debreagem, na teoria semiótica, é uma das operações pelas quais a enunciação realiza a projeção das categorias discursivas no enunciado. Com a debreagem, criam-se, simultaneamente, na instância da enunciação, o sujeito, o espaço e o tempo e, na instância do enunciado, a representação actancial/actorial, espacial e temporal.

Desde os estudos de Benveniste (2005) sobre a instância da enunciação, compreende- se que, em todo enunciado, está pressuposto um eu. A teoria semiótica desenvolve um eu da enunciação que projeta, por meio de uma debreagem actancial, um não eu no enunciado. Este, por sua vez, é distinto do eu da enunciação. Segundo Barros (2001, p. 74), “observe-se que o

38 A primeira publicação do texto foi na coletânea Sémiotique Narratif et textuel, organizada por Chabrol e

sujeito da enunciação, instaurado por tais procedimentos [debreagem actancial], está sempre implícito e pressuposto [...]”. Para Fiorin (2016a), as diferentes instâncias enunciativas e as distintas vozes que compõem cada enunciado constituem o funcionamento do discurso, pois, com isso, “[...] o discurso torna-se um espaço conflitual e heterogêneo ou contratual e homogêneo, onde vozes discordantes e concordantes tomam lugar em níveis diferentes. Essas vozes concordam, discordam, constituem-se” (FIORIN, 2016a, p. 62).

Os enunciados projetam o eu/tu da enunciação. Há, então, uma debreagem actancial enunciativa que simula o diálogo entre o eu e o tu da instância da enunciação no enunciado. Os enunciados também podem fazer a projeção da categoria da não pessoa (ele). Nesse outro caso, há uma debreagem actancial enunciva. Fiorin (2016a, p. 102, grifo do autor) alarga essas noções de debreagem actancial, visto que “[...] não só a voz que enuncia está ligada à instância da enunciação, mas também as pessoas que designam os actantes da narrativa são indicadas em relação ao eu do narrador”. De acordo com o linguista, “o eu, assim, como o fazem o aqui e o agora, ancora o texto. A debreagem dá-lhe um caráter referencializado” (FIORIN, 2016a, p. 87, grifos do autor). Essa reflexão de Fiorin (2016a) problematiza o modo do discurso significar aquilo que é dito, porque, ao dizer, se constrói discursivamente a pessoa, o tempo e o espaço.39

Com relação à categoria de pessoa, Barros (2001, p. 74, grifos da autora) afirma que “o eu e o ele projetados são actantes e atores do enunciado, distintos da enunciação”. O mesmo ocorre com as categorias de tempo e espaço. Fiorin (2016a) desenvolve as categorias discursivas, demonstrando a existência de mecanismos de debreagem no nível da narração e no do narrado.

Conforme Fiorin (2016a), quando se simula a instância da enunciação, projeta-se o aqui e o agora, ocorrendo a debreagem espacial e temporal enunciativa. Quando se simula um outro espaço e outro tempo, distantes do aqui e do agora da enunciação, são construídos um alhures e um então. Há, nessa ocasião, a debreagem espacial e temporal enuncivas. Nas análises semióticas, distingue-se a debreagem enunciativa (eu-aqui-agora) da debreagem enunciativa (ele-alhures-então). Fiorin (2016a, p. 87-88, grifos do autor) faz a seguinte distinção entre debreagem enunciativa e debreagem enunciva: “se considerarmos pessoa como o termo designador da individualidade e persona como a palavra que indica o papel

39 Na perspectiva de Fiorin (2016a), a embreagem, por sua vez, cumpre outra função primordial entre a instância

do enunciado e a da enunciação: ela “desestabiliza essa referencialização [da debreagem], mostrando o texto como enunciação e, portanto, desvelando a ilusão referencial”.

social de um indivíduo, diríamos que a debreagem enunciativa instala uma pessoa no enunciado e a enunciva projeta nele um persona”.

Fiorin (2016a) desdobra, ainda, a categoria discursiva de pessoa. O estudioso distingue as pessoas da enunciação das pessoas do enunciado: estas se associam ao nível do narrado (instância do enunciado); aquelas estão relacionadas ao nível da narração (instância da enunciação). Na perspectiva do linguista, é possível prever quatro tipos de debreagens, quando são considerados os dois níveis:

Debreagem enunciativa da enunciação: “estão projetados no enunciado, quer no caso em que aparece um narrador ‘intruso’ considerado de terceira pessoa, mas que diz eu, quer quando há um narrador dito de primeira pessoa” (FIORIN, 2016a, p. 103, grifo do autor);

Debreagem enunciva da enunciação: ocorre “quando os actantes da enunciação não estiveram projetados no enunciado [...]” (FIORIN, 2016a, p. 104);

Debreagem enunciativa do enunciado: decorre “quando o narrador se identifica com uma das personagens, naquilo que concerne ao enunciado enunciado, ou seja, ao eu actante da narrativa” (FIORIN, 2016a, p. 104, grifo do autor);

Debreagem enunciva do enunciado: acontece “quando se faz referência a qualquer actante da narrativa que não se identifica com o narrador” (FIORIN, 2016a, p. 104, grifo do autor).

No discurso jornalístico, preponderam os primeiros tipos. Nos gêneros como reportagem e editorial, está projetada, geralmente, a debreagem enunciva da enunciação, pois é velada a voz do sujeito midiático por meio de “um apagamento das marcas da enunciação no enunciado” (FIORIN, 2016a, p. 88), produzindo um efeito de sentido de objetividade. Nos gêneros como artigo de opinião, há a predominância da debreagem enunciativa da enunciação, uma vez que utiliza-se a primeira pessoa e esta ocupa, conforme Fiorin (2016a, p. 88), “o lugar privilegiado da subjetividade” – entendendo subjetividade como efeito de sentido produzido pelo texto.

Fiorin (2016a) defende que existem relações de hierarquia e de organização entre as quatro possibilidades de debreagem actancial citadas. O estudioso explica que a debreagem da enunciação e a do enunciado “não têm o mesmo estatuto, pois esta é subordinada àquela. De fato, a debreagem da enunciação engendra a enunciação enunciada e o enunciado enunciado

e, então, no enunciado enunciado instaurado, operam as debreagens do enunciado” (FIORIN, 2016a, p. 104). Considerando as relações da categoria de pessoa, Fiorin (2016a, p. 104, grifos do autor) faz algumas ponderações: se de um lado, “o narrador é sempre um eu, que se enuncia ou não; as personagens são o eu, o tu ou o ele”, de outro, “as relações entre as pessoas neutralizam-se, são flutuantes e intercambiáveis”.

Seguindo esse raciocínio, as debreagens ocorrem no nível da narração e do narrado. Com isso, são reafirmadas as diferenças entre a categoria de pessoa (eu/tu) e a de não pessoa (ele), propostas por Benveniste (2005). No nível da narração, compreende-se que o eu e o tu são reversíveis na situação de enunciação, enquanto que, no nível do narrado, isso não é possível. Como Fiorin (2016a, p. 52-53) esclarece – em consonância com os estudos de Benveniste (2005; 2006) –, a terceira pessoa “é a única com que qualquer coisa é predicada verbalmente. Com efeito, uma vez que ela não implica nenhuma pessoa, pode representar qualquer sujeito ou nenhum e esse sujeito, expresso ou não, não é jamais instaurado como actante da enunciação”.

Partindo desses pressupostos, Fiorin (2016a, p. 92) esclarece que, “[...] a rigor, não existe narrativa em terceira pessoa”. Essa afirmação se confirma no quadro teórico da semiótica francesa, alargando o conceito de enunciação enunciada. Inicialmente, essa noção era entendida como enunciação reportada, simulacro da enunciação. Com os desdobramentos do projeto da semiótica, passou a se definir “como o conjunto de índices que remetem à instância enunciativa” (FIORIN, 2016a, p. 92). Nesse sentido, concordamos com Fiorin (2016a, p. 57, grifos do autor), pois “[...] mesmo que não haja um eu explicitamente instalado por uma debreagem actancial enunciativa, há uma instância do enunciado que é responsável pelo conjunto de avaliações e, portanto, um eu”.

Fiorin (2016a) explica ainda que o uso da expressão narrativa em terceira pessoa se deve à confusão entre os actantes da narração e os do narrado. Fiorin (2016a, p. 92, grifo do autor) salienta que o texto tratado como escrito em terceira pessoa não é aquele “em que o narrador diz ou não eu”, mas aquele em que o actante narrador “não participa dos acontecimentos narrados. Na medida em que o narrador pode intervir a todo instante como tal na narrativa, toda narração é virtualmente em primeira pessoa”.

No prisma da semiótica, narrador e narratário constituem o segundo nível de hierarquia enunciativa. Esses conceitos são designados como “o destinador e o destinatário do discurso” e “estão explicitamente instalados no enunciado [...]. Actantes da enunciação enunciada, são eles sujeitos diretamente delegados do enunciador e do enunciatário, e podem

encontrar-se em sincretismo com um dos actantes do enunciado (ou da enunciação) [...]” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 327).

Antes dos actantes narrador e narratário, estão o enunciador e o enunciatário como o primeiro nível de hierarquia enunciativa. A enunciação é a instância implícita e logicamente pressuposta pela existência do enunciado (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 166-168). Seguindo essas premissas, Fiorin (2016a, p. 55) ressalta que “o autor implícito é produto (da leitura) do texto. Ele provém da leitura da obra toda e não das interpretações explícitas do narrador, pois está fundido numa rede de índices pontuais e localizados que se espalham pelo discurso inteiro”. O enunciador é esse autor implícito.

O enunciatário, por sua vez, pode ser compreendido como “filtro e instância pressuposta no ato de enunciar, é também sujeito produtor do discurso” (FIORIN, 2016a, p. 56-57). Combinados, eles constituem o termo sujeito da enunciação. Esse termo, mesmo “empregado frequentemente como sinônimo de enunciador, recobre de fato as duas posições actanciais, a do enunciador e a do enunciatário [...]” (FIORIN, 2016a, p. 57).

O terceiro nível da hierarquia enunciativa se estabelece quando o narrador dá voz a um actante do enunciado. Em um primeiro grau, existem actantes da enunciação pressupostos ao enunciado: enunciador/enunciatário. E há os actantes instalados no enunciado pela instância da enunciação como vozes delegadas: narrador e narratário. No segundo grau, entretanto, “surgem actantes de enunciação instalados por uma debreagem interna [narrador/narratário], que instaura um diálogo” e “como este é um simulacro da estrutura da comunicação criado no interior do discurso, pressupõe os dois actantes da comunicação, o destinador e o destinatário [interlocutor/interlocutário] [...]”. Esse esquema foi representado da seguinte maneira por Barros (2001, p. 75):

Figura 1 – Esquema das debreagens da categoria discursiva de pessoa

Dentre as instâncias desse esquema, o que almejamos investigar é o objeto do discurso. É o centro do esquema descrito por Barros (2001, p. 75): “enunciador [narrador [interlocutor [objeto] interlocutário] narratário] enunciatário” – o que foi retomado por Fiorin (2016a, p. 60). Do objeto, o próprio discurso, emerge a categoria de não pessoa (ele). Mesmo que o actante do enunciado não tenha voz e não diga eu, ele pode existir e existe como o ele de quem se fala. É também ele, o interlocutor, se o actante do enunciado assume a voz em discurso direto.

O narrador, para Fiorin (2016a), é presença, pois representa um actante da enunciação enunciada. Ele delega voz ao interlocutor. Então, quando o manifestante de rua é construído como actante do enunciado, ele se torna efeito de identidade actorial criado pela enunciação, pois todo enunciado pressupõe uma instância enunciativa (cf. BENVENISTE, 2005; FIORIN, 2016a). O ator coletivo manifestante de rua, por sua vez, é, figurativamente, um eles, que se constitui, semioticamente, como um ator investido da ideologia enunciativa. A instância enunciativa trata o ator coletivo de modo peculiar a depender dos gêneros e dos estilos autorais, bem como das formações ideológicas e discursivas que a perpassam e também a constituem.

Greimas (2014, p. 61) afirma que as estruturas actancial e actorial podem explicar a organização do imaginário humano, pois este se compõe como “projeção tanto de universos coletivos quanto individuais”. No Dicionário de semiótica I, no verbete actante, “levando-se em conta o papel que ele [actante] desempenha, ao nível da semântica discursiva, graças ao procedimento da figurativização, diremos que o actante é individual, dual ou coletivo” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 21). Portanto, as estruturas actanciais e actoriais que constituem o ator coletivo manifestante de rua estão associadas às relações de organização do imaginário humano, e essas relações podem ser elucidadas pela análise semiótica dos procedimentos de figurativização, no nível da semântica discursiva dos textos.

Sobre os actantes da narração, Greimas (2014, p. 62) reitera que “se ao verbo- predicado do enunciado for atribuído o estatuto de função (no sentido lógico de relação formal), podemos definir o enunciado como uma relação entre os actantes que o constituem”. Na teoria narratológica do mestre lituano, duas espécies de enunciados narrativos são diferenciadas: uma em que o sujeito (S) se dirige () ao objeto (O), e a outra em que um destinador (Ddor) dirige () um objeto (O) a um destinatário (Drio).

A primeira espécie (SO) opera “no plano da relação do homem que com seu trabalho produz valores-objeto e os coloca em circulação no âmbito de uma estrutura de

troca” (GREIMAS, 2014, p. 63). A segunda espécie (Ddor O Drio) sustenta-se “no plano individual, ou seja, da relação do homem com o objeto desejado e da inserção deste nas estruturas da comunicação inter-humana” (GREIMAS, 2014, p. 63). São esquemas elementares os quais se “apresentam como posições formais que permitem a eclosão e a articulação do sentido” (GREIMAS, 2014, p. 63, grifo do autor).

Do ponto de vista da produção dos discursos, Greimas e Courtés (2008, p. 45) propõem uma estrutura actorial, “já que os diferentes atores do discurso são constituídos como uma rede de lugares que, vazios por natureza, são lugares de manifestação das estruturas narrativas e discursivas”. Por isso, “o ator não é somente lugar de investimento desses papéis [actancial e temático], mas, também, de suas transformações, consistindo o discurso, essencialmente, em um jogo de aquisições e de perdas sucessivas de valores” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 45).

O conceito de ator do enunciado se relaciona às formações discursivas e ideológicas. O ator do enunciado concretiza os valores adotados pelo enunciador e pelo narrador. Desse modo, o ator do enunciado é instrumento que compõe os contratos enunciativos entre enunciador e enunciatário. Por isso, outro procedimento teórico-metodológico adotado neste estudo consiste em examinar o ator do enunciado manifestante de rua, como actante do enunciado, verificando nesse ele, de quem se fala, as relações semânticas das formações discursivas e ideológicas com as quais o sujeito da enunciação dos textos dialoga.

No verbete actorialização do Dicionário de semiótica II, Panier (1986, p. 12) define essa noção: “como componente da produção do discurso (discursivização), a actorialização pode ser considerada como resultado da performance da enunciação”. Considerando a proposta, a etapa da performance do ato de enunciar do discurso jornalístico produz no enunciado a actorialização do manifestante de rua. E como tal, o manifestante de rua passa a ser considerado um efeito de sentido criado pela enunciação.

De acordo com Barros (2001, p. 76), a voz delegada do interlocutor em debreagem de segundo grau pode ser entendida “como recurso na criação de efeitos de verdade e como meio de passar a responsabilidade do que é dito àquele que se cita em discurso direto”. Optamos por apreender o ator coletivo manifestante de rua, sobretudo como voz citada, no discurso indireto, sendo o discurso direto em debreagem de segundo grau analisado de maneira pontual. A escolha teórico-metodológica se deve às coerções do objeto em análise, o ator coletivo em detrimento do ator-indivíduo.

Outro apontamento trabalhado também se apoia em Panier (1986), quando “a disposição e a distribuição de atores debreados no enunciado manifestado constroem um

conjunto de tipos ‘não eu’, que devem ser correlacionados à instância de enunciação (‘eu’), a qual eu pressupõe a actorialização” (PANIER, 1986, p. 12).40 Essa reflexão confirma, mais uma vez, a pertinência de se estudar a categoria de não pessoa (BENVENISTE, 2005) que, semioticamente, pressupõe a presença do sujeito da enunciação e de suas formações discursivas e ideológicas (BARROS, 2001; 2005; DISCINI, 2009a; GREIMAS; COURTÉS, 2008). O manifestante de rua é uma presença criada pela enunciação (cf. DISCINI, 2015a). Sobre o conceito de presença, a semiótica discursiva e tensiva traz contribuições ao entendimento da abordagem teórico-metodológica que construímos para o estudo do ator coletivo.

Conforme explicam Greimas e Courtés (2008, p. 382), “na perspectiva da semiótica, a presença (o ‘estar aí’) será considerada como uma determinação atribuída a uma grandeza,

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