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4. REORGANIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA NO ESPAÇO VIRTUAL

4.1 Noção de tempo e espaço com o digital

Antes de entrar na discussão sobre a noção espaço-temporal do digital, se faz necessária uma breve explanação sobre os conceitos de virtual, ciberespaço e cibercultura. O termo virtual é empregado muitas vezes para representar o não real, o não concreto. Pierre Levy (1996) no seu livro “O que é o virtual?” aborda o tema a partir da problemática da atualização21. Levy aponta que a confusão na compreensão do termo se estabelece através da relação de contraditoriedade do real. Para o autor, o virtual tem o poder de potencializar uma problemática e solucioná-la quando a atualiza. “A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato” (LEVY,

21 Para Levy (1996, p. 16) a definição de atualização é a “criação, invenção de uma forma a

1996, p.15). Portanto, a virtualização não descaracteriza a existência do objeto ou ser, mas proporciona uma “elevação da potência” do mesmo.

O virtual traz no seu significado uma definição diferente do tempo e espaço já que ele apresenta como principal característica o “desprendimento do aqui e agora”. Já no real o objeto necessita ser fixado num recorte espaço- temporal preciso. Enquanto o real é territorializado, o virtual se concebe na desterritorialização (LEVY, 1996). É no digital que o virtual é capaz de demonstrar melhor essa característica. Levy (1996, p. 24) destaca ainda como uma forte particularidade do virtual a “passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior”. Um exemplo de um objeto essencialmente formado pelo processo de virtualização é a inteligência coletiva22 estudada por Levy. Segundo o autor, ela concentra toda a problemática do virtual onde estão impressas e potencializadas todas as características deste.

No digital o ambiente que reúne o virtual a partir da composição das redes digitais é denominado de ciberespaço. Local onde a inteligência coletiva encontra espaço para uma maior potencialização e desenvolvimento. O ciberespaço é possibilitado devido ao aprimoramento das tecnologias digitais e das redes. Ele surge como um “[...] novo ambiente virtual do saber que transforma o próprio saber agrega formas de cooperação flexíveis que resultam em processos de inteligência coletiva experienciados na rede” (NUNES, 2009, p.220).

Em relação ao ciberespaço Pierre Levy (1999) fundamenta sua definição no aspecto tecnológico estabelecido pela capacidade de conectividade (Internet) de redes e a grande capacidade de armazenamento de informações. “Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação [...]” (LEVY, 1999, p. 92 e 93).

As diversas formas de manifestações socioculturais presente no ciberespaço constituem o que autores denominam como cibercultura. Para

22 Levy conceitua como inteligência coletiva como “[...] uma inteligência distribuída em toda

parte, continuamente valorizada e sinergizada em tempo real” e completa ainda que é uma “[...] inteligência cujo sujeito seja ao mesmo tempo múltiplo, heterogêneo, distribuído, cooperativo/competitivo e que seja constantemente engajado num processo auto-organizador ou autopoiético” (LEVY, 1996, p. 96 e 102).

Lemos (2002, p.256) ela se configura como um “fenômeno global de mudanças socioculturais complexas”. Ainda no campo da definição de cibercultura a partir destas relações firmadas pela sociedade contemporânea Levy explica:

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração (LEVY, 1999, p.130).

É na cibercultura que o usuário encontra espaços abertos para as suas manifestações socioculturais e políticas. A cultura através de aspectos da colaboração, participação, cooperação e organização virtual se apropria do ciberespaço e intensifica o seu uso através da sociabilização e criação coletiva. Pode se afirmar que é um exemplo concreto das possibilidades criativas da inteligência coletiva. “A cibercultura, misturando a tecnologia, imaginário e sociabilidade, está no cerne dos impactos socioculturais [...] potencializa uma espécie de “fase mágica” da tecnologia [...]”(LEMOS, 2002, p. 257 e 258).

Esta “fase magia” vivenciada por meio do aprimoramento tecnológico faz que a “sociedade do espetáculo” se transforma na “sociedade da simulação”. A simulação deriva-se dos meios digitais onde “o real torna-se apêndice de seus simulacros” (LEMOS, 2002). Segundo Lemos, é na sociedade da simulação que o “receptor” desempenha novos papéis e energiza a sua capacidade criativa e colaborativa a partir das facilidades técnicas oferecidas pelas mídias digitais.

Nesta breve exposição do debate sobre virtualização, ciberespaço e cibercultura, percebe-se o quanto estes conceitos estão intimamente ligados a nova noção de espaço e tempo trazida pelo digital. As novas tecnologias fazem emergir um senso de liberdade de criação, de comunicação e relações pessoais que rompe o pensamento de espaço demarcado e tempo. E com isso cria uma nova noção chamada tempo real e espaço ilimitado e desterritorializado.

Dominique Wolton (2003) analisa este cenário a partir da simbologia do ideal de liberdade e do poder de controle espaço-temporal que está intimamente ligado a três palavras fundamentais “autonomia, domínio e

velocidade”. “Este tempo real que perturba as escalas habituais do tempo e da comunicação é provavelmente essencial como fator de sedução. A adversidade do tempo é vencida [...] E pode-se assim navegar ao infinito, com uma mobilidade extrema” (WOLTON, 2003, p. 85).

Ainda reforçando o pensamento de Wolton acima exposto, pode-se destacar o estudo de Pierre Levy (1998) sobre o espaço que ele denomina como “espaço do saber” onde os coletivos intelectuais se realizam a partir das “temporariedades subjetivas”. Levy (1998), no livro A inteligência coletiva, aponta as relações espaço-temporal que se intercalam e se completam mutuamente por meio do individual e coletivo. Ele afirma que o espaço do saber estabelece o tempo pessoal em que constrói a subjetividade coletiva enquanto o tempo coletivo permite a disposição subjetiva do individual.

O tempo real não deve ser visto em oposição às linhas do tempo do mundo material, bem como o espaço real e o ciberespaço. Eles se completam e reconfiguram o cenário da sociedade contemporânea. Há a necessidade da existência das duas noções. É perceptível que após o surgimento do tempo real e “espaço do saber” as relações socioculturais, políticas e econômicas ganharam uma nova modelagem. Eles continuam a influenciar a noção do espaço-temporal do mundo material, mas não a anula.

O digital traz a oportunidade da audiência se redirecionar ao tempo e espaço podendo transformar o que está acessando a partir dos novos caminhos que são possibilitados pela conectividade. E também neste novo tempo e espaço cada pessoa é a responsável por decidir a duração do seu tempo e delimitação do espaço que deseja acessar. As formas de organização da audiência neste espaço do saber fizeram emergir o fenômeno chamado redes sociais e comunidades virtuais, assunto tratado no próximo item.