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Noções de corporeidade e de experiência

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1.1. Contribuições da fenomenologia

1.1.2. Noções de corporeidade e de experiência

Para começar a falar sobre experiência, não podemos esquecer-nos de tratar sobre corporeidade, pois esta tem desenvolvido uma relação crucial com a mesma. A partir da percepção que se faz através da corporeidade, o Ser dá sentido aos fenômenos. A corporeidade expressa a existência de um corpo como um campo criador de sentidos, uma vez que é pelos órgãos de sentidos que o Ser percebe o seu entorno e produz experiência.

Essa corporeidade entrelaçada pelas experiências vivenciadas como ser no mundo, construindo significados pelos variados sentidos existenciais, é um ponto primordial nas obras do Merleau-Ponty, em que toda a experiência vivenciada pelo ser humano diante das coisas ou diante de outro ser humano é sempre de forma carnal, como relata Machado:

De certo modo, impregnamos as coisas, as paisagens, a temporalidade, a espacialidade com a nossa carnalidade. Andamos em ruas, entre os carros, abrimos portas, entramos em casas, tocamos nas coisas, e nesse movimento o nosso corpo vai

dialogando com as coisas, interagindo e ampliando sentidos. Reconhecemos as coisas em suas interações de sentidos. Um instrumento de arte (violão, tela de pintura, palco, elementos cênicos, etc.) amplia e ultrapassa seu sentido de utilidade e de identidade de acordo com a vivência diária e as solicitações recíprocas de sentidos. [...] O corpo, por meio desse movimento, mantém um contato sempre direto e relacional com as coisas e com o outro (MACHADO, 2011, p. 49).

Nóbrega (2008) segue argumentando que no livro “Fenomenologia da percepção”, Merleau-Ponty dá ênfase à experiência vivenciada pelo Ser, através da sua inserção no mundo, como ser-no-mundo, como sujeito encarnado nesse mundo, como um sujeito que sente, ouve, vê e se reconhece como parte/continuidade desse espaço e tempo, sendo, então, a experiência perceptiva uma experiência corporal, uma percepção sinestésica. Essa corporeidade também é expressa na obra “O visível e o invisível” de Merleau- Ponty (1964/1992), quando fala que “a experiência de minha carne como ganga de minha percepção ensinou-me que a percepção não nasce em qualquer outro lugar, mas emerge no recesso de um corpo” (p. 21 apud NÓBREGA, 2008, p. 142).

Para Descartes, o entendimento do Ser era relacionado a um juízo de valor, à busca de uma essência pura, na qual o ser humano para se conhecer necessitava voltar ao seu interior, pelo pensamento, distanciando-se, assim, da exterioridade, negando a antologia da experiência e da percepção no mundo. Por sua vez, a exterioridade defendida por Merleau-Ponty relata que o mundo não é apenas aquilo que penso, mas também o irrefletido, é o relacionamento afetivo que se constrói através da experiência original do sujeito (MARIN e LIMA, 2009). Portanto, o pensamento sobre o mundo não pode ser maior que nossa experiência, pois não penso uma mão, não penso uma árvore, não penso um céu, e sim é através de minha experiência vivida por intermédio do meu corpo que percebo esses fenômenos a minha volta (COELHO JUNIOR, 2002).

A essência, segundo Capaldo (2007), é algo que perpetuou muitas discussões, entre elas, destaca-se a compreensão defendida pelos fenomenólogos Husserl e Merleau-Ponty. Para Husserl, essência é transformação atribuida à coisa por meio da imaginação compreendida, deixando de ser expressão do Ser pela sua maneira de ser existência.

Portanto, a essência não será uma expressão do sentido interior aos fenômenos, e sim expressão da experiência do ser humano enquanto história, tempo e espaço.

Para se chegar a esta experiência vivenciada pela existência do Ser imerso no mundo, é necessário fazer a redução fenomenológica, ou seja, fazer uma suspensão dos juízos perceptivos (Epoché3) formados pela compreensão da ciência e pela filosofia para retornar ao vivido, ao experienciado por suas percepções. Nessa análise, Merleau-Ponty busca compreender a experiência perceptiva do ser humano, como podemos verificar no argumento a seguir:

Na análise desta experiência, consideramos separadamente a experiência nela mesma, a experiência perceptiva, e o “Sujeito” ou “objeto” da experiência. Entretanto, Merleau-Ponty não quer decompor a experiência, mas, ao contrário, quer compreendê-la na sua unidade, na sua totalidade nascente. Ele não quer reduzir a experiência do “ser-no-mundo” à “significação do mundo”, em uma forma de interpretação idealista da redução fenomenológica. Esta coloca-nos no centro da existência e a redução eidética de Husserl é apenas o meio, por ele utilizado, para conhecer a facticidade de nossa existência (CAPALDO, 2007, p. 39).

Assim, esse retorno às coisas proporcionado pela redução fenomenológica, torna-se um retorno às experiências em que as coisas se fundamentam pela função do ego transcendental que é o próprio sujeito, ou seja, um retorno às operações intercorporais que cercam a vida do sujeito.

As incertezas, as dúvidas, a ansiedade, fazem parte, por exemplo, de um amplo conjunto de sentidos que caracterizam a vida experienciada do ser, pela sua própria experiência vivida. No qual o corpo encarnado, em seus movimentos no mundo, constrói suas próprias compreensão através da atuação como “corpo situado”, através de movimentos visuais, da fala, da audição, dos gestos diversos, criando assim, a cada experiência, novos significados. “Dessa forma, o seu sentido é sempre em existência” (MACHADO, 2011, p. 54).

Uma maneira espontânea que, ao mesmo tempo, possui uma grande riqueza de detalhes é a fala expressa, os gestos que a acompanha, como seu

3 “Epoché, também chamada de redução ou ato de colocar em evidência o foco de investigação, visando destacar o que está sendo interrogado, de maneira que os atos de consciência constitutivos da geração de conhecimento sejam expostos. Esse procedimento envolve o dar-se conta daquilo que se está fazendo, de modo que a redução se torna transcendental, denominada, então, de fenomenológica” (BICUDO, 2011, p. 35).

tom e a fisionomia. A fala carrega sentido, não apenas para saber quais pensamentos o ser humano alicerça num determinado momento, mas para compreendê-los pela sua origem e seu modo de ser, sendo esta moldada e construída pela existência como corpo encarnado.

Mesmo que o pensamento científico queira fazer da consciência o meio para organizar o mundo dos sujeitos, ela não poderia o fazer se não pela experiência desse Ser imerso no mundo. Segundo Marin e Lima (2009), Merleau-Ponty argumenta que a ciência tem a intenção de manipular as coisas através de seus experimentos e técnicas, mas, renuncia habitá-las, ou seja, renuncia essa experiência existencial concreta de Ser no mundo.

Portanto, compreender o mundo vivido do ser humano é tentar evidenciar seus sentidos pela expressão e experiência. A redução se torna importante, pois é a partir dela que o fenômeno é evidenciado e posto à luz, e assim, pode- se compreender o vivido da forma que nos é mostrado, como “ser situado”. Nesse sentido, a corporeidade é uma situação do ser humano diante de suas expressões, trazendo-lhe sentido ao seu modo existencial. “A experiência do homem no mundo é, nesse viés, também uma experiência de corporeidade” (MACHADO, 2011, p. 57).

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