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3 A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DAS MUDANÇAS SOCIAIS E DO SERVIÇO

3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE AS FAMÍLIAS

A família, uma das instituições mais antigas da história da humanidade, sempre ocupou papel de destaque na sociedade. Nesse contexto, sublinha-se que “o acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm à solidão”.68

Entretanto, analisando a história, verifica-se que, “entre os vários organismos sociais e jurídicos, a família foi, sem sombra de dúvida, uma das principais organizações que se alteraram no curso do tempo e da história.69

No Brasil do século XVI a família era baseada no matrimônio e no patriarcado, ou seja, na incapacidade jurídica da mulher e na soberania do marido

67

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de et al. Serviços de proteção social às famílias. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: IEE/PUC-SP, 1998.

68 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p. 27.

69

AKEL, Ana Carolina Silveira. Guarda compartilhada: um avanço para a família. São Paulo: Atlas, 2008. p. 3.

perante a família. Nesse período a mulher não tinha o direito de substituir o marido em suas decisões, mesmo quando este se encontrava ausente.70

Nessa sociedade conhecida como “conservadora”, “os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio”.71

Contudo, “a partir da segunda metade do século XIX, o processo de modernização e o movimento feminista provocaram outras mudanças na família e o modelo patriarcal passou a ser questionado”. 72

José Bernardo Ramos Boeria, através de sua doutrina, explica essa transformação:

A denominada ‘grande família’, com caráter patriarcal e hierarquizado, centrada no matrimônio, sofreu transformações que foram constatadas e reveladas por sociólogos, historiadores e juristas, chegando para muitos a ser considerada como um processo de desintegração familiar. Este processo é resultado de profundas mudanças das estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais, tais como a Revolução Industrial, grandes concentrações urbanas, inserção da mulher no processo de produção e

emancipação feminina.73

Diante disso, passa-se, então, a se delinear o conceito de família conjugal moderna, “[...] na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros com base no amor romântico, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo, e novas formulações para os papéis do homem e da mulher no casamento”.74

Assim, a indissolubilidade do casamento perde espaço para as separações e para o divórcio que, por sua vez, passa a fazer parte da vida cotidiana.

Nesse viés, anota-se que as mudanças das formas da vida conjugal traduzem-se “[...] no aumento da monoparentalidade ‘predominantemente feminina’ e da taxa de divórcios e re-casamentos, com a conseqüente recomposição do casal. Isso resultou numa desinstitucionalização do casamento, segundo aqueles autores”. Verifica-se, portanto, uma transformação na família, “[...] pois o que se observa é o surgimento de novos modos e ser entre homens e mulheres e seus filhos,

70 GUEIROS, Dalva Azevedo. Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade

familiar. In: Revista Serviço Social e Sociedade Ano XXII nº 71. São Paulo, Ed Cortez, 2002. p. 106.

71 DIAS, 2007, p. 27-28. 72 GUEIROS, 2002, p. 107.

73 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse de estado de filho –

paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 22.

partilhados por muitos casais contemporâneos e que terminarão por constituir novas regras”.75

Nesse sentido, anota-se a seguinte lição de Dalva Azevedo Gueiros:

O crescimento do divórcio, a diminuição dos índices de casamento, a redução do número de filhos e do desejo em tê-los, aparecem como outros aspectos significativos da família contemporânea e, por sua vez, favorecem novas configurações e a torna mais complexa. As relações intergeracionais aparecem hoje como algo a ser codificado e administrado pela família moderna, uma vez que a “cultura dos jovens” se expressa com conteúdos bem diferentes daqueles vividos por seus pais, provocando assim um embate entre eles.76

Todavia, foi com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que todas essas transformações foram consagradas, considerando que a norma constitucional, em seu art. 226, caput, declarou que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.77

Segundo Maria Berenice Dias, a Constituição Federal “[...] espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros”.78

Na mesma linha, Antônio Carlos Gomes Costa afirma que a Constituição Federal de 1988 transformou a abordagem da família, “[...] incorporando em seu texto um conceito bastante atual: o traço dominante da evolução da família é a sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua”.79

Cynthia Sarti, por sua vez, elenca as principais alterações introduzidas no âmbito da família pelo texto constitucional:

1. a quebra da chefia conjugal masculina, tornando a sociedade conjugal compartilhada em direitos e deveres pelo homem e pela mulher; 2. o fim da

75

SZYMANSKI, Heloisa. Viver em família como experiência de cuidados mútuo: desafios de um mundo em mudança. In: Revista Serviço Social e Sociedade Ano XXII nº 71. São Paulo, Ed Cortez, 2002. p. 19.

76

GUEIROS, 2002, p. 110.

77

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 mar. 2009.

78

DIAS, 2007, p. 30-31.

79

COSTA, Antônio Carlos Gomes. Família: a base de tudo. In: É possível mudar: a criança, o adolescente e a família na política social do município. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. p. 17.

diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, reiterada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que os define como “sujeitos de direitos”. Com o exame do DNA, que comprova a paternidade, qualquer criança nascida de uniões consensuais ou de casamentos legais pode ter garantidos seus direitos de filiação, por parte do pai e da mãe.80

No que tange ao Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor a partir de 1990, a doutrina também o elenca como um importante instrumento de proteção à família contemporânea.

Na visão de Cynthia Sarti, o mencionado Estatuto “[...] dessacraliza a família a ponto de introduzir a idéia da necessidade de se proteger legalmente qualquer criança contra seus próprios familiares, ao mesmo tempo em que reitera a ‘convivência familiar’ como um ‘direito’ básico dessa criança”.81

Nesse passo, importante destacar o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de

pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.82

Com base nesses fundamentos, percebe-se que o direito à convivência familiar e comunitária, em resumo, trata do direito do indivíduo de crescer na companhia e sob os cuidados de uma família, biológica ou substituta, assim como segue:

A criança se mostra em uma condição especial, quando comparada aos adultos, necessitando de cuidados e assistência especiais, principalmente em seu ambiente familiar, onde sua educação deve seguir os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, juntamente com um clima de paz, tolerância, liberdade, tendo como finalidade o desenvolvimento pleno e harmônico de sua personalidade, por isso, fez-se necessário o reconhecimento de direitos próprios da criança e do adolescente.83

Assim, para Heloisa Szymanski, “ao se pensar na família hoje, deve-se

80

SARTI, Cynthia A. Família enredadas. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2008. p. 24.

81 SARTI, 2008, p. 24. 82 BRASIL, 1990. 83

ANDRADE, Larissa Leônia Bezerra de; CAVALCANTI, Jamille Lemos Henrique; LUCENA, Danielle Cabral de. Convenção sobre os Direitos das Crianças. Disponível em:

considerar as mudanças que ocorre em nossa sociedade, como estão se construindo as novas relações humanas e de que forma as pessoas estão cuidando de suas vidas familiares”. Isso porque “as mudanças que ocorrem no mundo afeta a dinâmica familiar como um todo, e, de forma particular, cada família conforme sua composição, história e pertencimento social”.84

Desta feita, verificam-se as principais mudanças ocorridas na sociedade e na legislação, especialmente no que se refere à Revolução Industrial, à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que terminaram revolucionando os paradigmas que envolvem o contexto familiar, antes baseada no matrimônio e no patriarcado.

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