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Aqui a nomeação escolar refere-se a todos os níveis de escolaridade, da Educação Infantil a Educação Superior.

FENOMENOLOGIA, PESQUISA E EDUCAÇÃO

31 Aqui a nomeação escolar refere-se a todos os níveis de escolaridade, da Educação Infantil a Educação Superior.

O tempo que coaduna com essa proposta educativa é o que assume a temporalidade e o ritmo dos sujeitos que vivem a escola, o ensino, a aprendizagem, as relações. É uma educação que aceita o aluno em sua totalidade como pessoa, em que seus sentimentos, valores, características fluam espontaneamente, num processo significativo para quem aprende e para quem ensina.

Uma proposta em que o currículo assuma o engajamento homem- mundo e valorize a experiência vivida pelo ser, concepção também defendida por Bicudo (2011, p.76) quando reflete:

Ver currículo como construção cultural implica ver a escola [...] como um espaço que tem existência e um ser próprio [...] homens [...] frente a outros, que têm um pensar e uma história própria; consiste ainda, em nos compreendermos existindo naquilo que fazemos na escola enquanto partes da obra educacional.

Fazer parte da obra educacional é o sujeito ter como reconhecimento o seu vivido como repertório para um projeto educativo que manifeste as variadas dimensões do existir humano. Na escola, nas salas de aula, na relação com os professores, com os colegas, o aluno não aprende pelo uso exclusivo da cognição, mas pela sensibilidade, pela criatividade, pelo movimento, numa experiência corpórea que compõe sua existencialidade.

Por isso, tem sido um esforço dos fenomenólogos32 mostrar que a fenomenologia é um campo fértil para a pesquisa em educação, por não conceber a priori verdades ou teorias acerca da realidade, sendo a captura do fenômeno no mundo vivido pelos sujeitos — episódios de todos os dias. Busca a compreensão do fenômeno interrogado, não tendo a preocupação com explicações e generalizações.

[...] explicar é uma tarefa tão artificial, enquanto descrever supõe abordar o fenômeno da perspectiva do homem que o vivencia tal como ele se apresenta à consciência (CARMO, 2002, p.22).

Quer dizer, o sujeito no seu mundo-vida (como são, o que fazem, porque fazem, suas escolhas, suas renúncias...), atribui sentidos à sua experiência vivida. Vale destacar ainda que,

A vivência não é entendida como algo dado, pois somos nós que penetramos no interior dela e que a experenciamos de maneira imediata. O significado explicitado diz do sentido de experiência vivida, dizendo, com isso, do contato imediato com a vida, não se tratando de um conteúdo de experiência, mas do ato de vivê-la (BICUDO, 2011, p.33).

Viver no mundo é a primeira condição humana, teorizar sobre essa experiência é consequência. O mundo não é uma ideia que o homem nomeia, mas aquilo que ele percepciona e dá sentido. Para Merleau-Ponty, entender a raiz da ciência é descrever o mundo da forma como o sujeito o experimenta, pois “[...] cada órgão do sentido interroga o objeto à sua maneira [...]” (2006, p. 301). Nenhuma ciência responderá por uma verdade absoluta, pois há outras versões sobre uma determinada realidade.

O conhecimento é inacabável porque o homem está sempre lançado ao mundo, deparando-se com infinidade de experiências, transcendendo o conhecimento natural que nos é dado como resposta imediata às coisas que nos cercam. A intenção é descrever a essência daquilo que envolve o sujeito no pré-reflexivo com o mundo, nas coisas que estão silenciadas, que ainda não sofreram um controle intelectual (contemplação da experiência vivida). Essa posição está longe de ser um ataque à ciência, mas uma negação ao dogmatismo que defende um conhecimento absoluto e verdadeiro.

O pesquisador que opta pelas abordagens clássicas de pesquisa, assume a prerrogativa de construir ideias prévias sobre os fenômenos, do saber gerado do locus e sujeitos investigados e apresentar um relato que

traduz uma imagem impessoal dele, desejando que o coletivo social o legitime como verdade.

A fenomenologia combate qualquer procedimento metodológico que fracione a realidade e o fenômeno humano e desconsidere os sentidos da existencialidade humana como mote de análise científica.

O sentir é esta comunicação vital com o mundo que o torna presente para nós como lugar familiar de nossa vida. É a ele que o objeto percebido e o sujeito que percebe devem sua espessura. Ele é o tecido intencional que o esforço de conhecimento procurará decompor (MERLEAU-PONTY, 2006, p.84).

Ao fenomenólogo, enquanto pesquisador, cabe conduzir a pesquisa em busca dessa subjetividade para ter acesso à objetividade, na tentativa de atribuir significado à descrição do fenômeno, elucidando seus atributos e eliminado interferências que possam obscurecê-lo. Não cabe assumir passos de um método como meio infalível para atingir com fidedignidade o real, ao contrário, a exigência recai no rigor de uma atitude fenomenológica para descrever o irrefletido, aquilo que não vemos na atitude natural, que estão para além das aparências, libertas de nossos conceitos e valores.

O rigor no âmbito da pesquisa fenomenológica não se funda em metodologias construídas e aceitas como válidas em si, ou seja, independentemente da interrogação, da região de inquérito, da indagação pelo quê se pesquisa e como se procede à investigação, mas se constitui no próprio movimento de perseguição à interrogação (BICUDO, 2011, p.56).

A atitude fenomenológica é buscar a experiência da pessoa encarnada como início e chegada do ato investigativo, que sempre atribui sentido e mais sentidos às coisas, é descrever a experiência como totalidade, o que significa para este ser situado, perceber as dimensões de sua existência: as emoções, o

corpo, a inteligência, suas intenções. “É uma tentativa de descrição direta de nossa experiência tal como ela é” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.1).

A compreensão da experiência não é uma evidência, mas a verdade em todas as suas manifestações, embora “a verdade tanto se manifesta como se oculta, e o seu ocultamento ainda é uma das formas de sua manifestação” (REZENDE, 1990, p.29), é uma busca inalcançável pelo pesquisador, uma vez que o ser situado interage com o mundo, decide o que quer conhecer e o que deseja comunicar.

A fenomenologia é uma ferramenta crítica na pesquisa científica, em especial quando destacamos o fenômeno educação, sob um foco mais específico — “como ver a educação sob o olhar fenomenológico [...]” (BICUDO & CAPPELLETTI, 1999, p.43). Significa enxergá-la sob a perspectiva da cultura, como dimensão que melhor nos permite compreender a existência humana como fenômeno educativo, social, político, concreto, universal num mundo humano.

Para além das hipóteses, das abstrações, das teorizações, o critério epistemológico da fenomenologia é dar reconhecimento ao que os homens vivem no mundo, pois a existência é prenhe de significação. O mundo humano é o mundo das civilizações, da cultura, em que nele a existencialidade assume forma. Sob essa ótica, a educação é a aprendizagem da cultura, vital à condição humana (REZENDE, 1990).

A ênfase é na experiência pura do sujeito no mundo, de um sujeito que experimenta um objeto, que no caso da escola é de cada aluno, professor e pessoas envolvidas nesse contexto para tecerem sua essência existencial. Consideramos ser esse um projeto ambicioso de educação, que ao valorizar o ser em todas as suas dimensões, dá destaque ao mundo em sua concretude e na essência existencial dos sujeitos, em um “tecido intencional que o esforço de conhecimento procurará decompor” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.84).

A educação contribui para uma originalidade da existência humana no mundo, que é o de uma história vivida em decorrência dos acontecimentos. É por meio dela que o homem tem condições de existir como sujeito, exposto a um mundo convulsionado permanentemente pelas mudanças, que o desafia a optar por novas sendas existenciais.

O mundo não tem um enredo que o ordene em atos sequenciados e perenes, pelo contrário, viver para o homem é deslocar-se constantemente nele, é editar outras formas de existir, superando angústias, imprevistos. As verdades humanas são sempre provisórias, pois se mantém como absolutas até que um novo acontecimento ocorra.

A fenomenologia enquanto modalidade de pesquisa qualitativa desafia os protocolos consagrados em conduzir os estudos científicos — do conhecimento em si mesmo — como cerne da investigação, para mirar aquele que conhece — constituindo-se em uma nova lente epistemológica, que valora a consciência subjetiva e a intersubjetividade.

Se o mundo existe, esse não é o mote de interesse da fenomenologia. Seu interesse se volta para como é que o homem conhece o mundo que habita, que visão tem dele, que histórias tem para contar, que relações estabeleceu, que decisões tomou. A experiência, realização de cada pessoa, é primordial para essa compreensão.

Vale destacar que a fenomenologia, enquanto modalidade de pesquisa, não tem a pretensão de construir sínteses ou prescrições que possam ser aplicadas a qualquer realidade, validadas universalmente. Inversamente, busca as peculiaridades, o particular, pois nele habita seu interesse.

No próximo capítulo, realizaremos um resgate histórico do que é ser professor baseado no referencial teórico eleito. A partir da fenomenologia nossa tentativa é de capturar pressupostos analíticos que ajudem a compreender o ser professor.

CAPÍTULO III