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A categoria aspecto não é relevante apenas do ponto de vista gramatical (§ 1.2) e semântico (§ 2.1), ela é ontologicamente determinante para a interpretação dos eventos no mundo. Como exposto em § 1.2, a noção mais elementar de evento faz referência à possibilidade de localização temporal, ou seja, ao estabelecimento de uma relação entre um conjunto de eventos e um intervalo de tempo – na linha de Klein (1994). E é justamente nessa relação que se instaura a propriedade de aspecto, fazendo referência à

maneira como o evento é descrito, isto é, se seu desenvolvimento contém o momento de referência ou se está contido nele.

Mais especificamente, no que tange à categoria aspecto, a literatura reconhece a existência de dois tipos, quais sejam: lexical e gramatical. O ASPECTO LEXICAL (ou

ACIONALIDADE) concerne à classificação dos eventos de acordo com suas propriedades temporais intrínsecas, com um comprometimento maior com a ontologia e com como o mundo é. Vendler (1967) entende que o aspecto lexical diz respeito ao modo como um predicado esquematiza a noção do tempo e, partindo dessa esquematização, o autor distribui os predicados em quatro classes acionais: estados, atividades, accomplishments e achievements. Exemplos desses casos aparecem em (15).

(15) (a) João detesta azeitona. (estado) (b) Maria trabalha no prédio da esquina. (atividade) (c) O pedreiro construiu a casa. (accomplishment) (d) O gato caiu do telhado. (achievement)

A manipulação das propriedades (ou traços) gramaticais que subjazem a cada uma das classes vandlerianas não é consenso na literatura. De todo modo, parece unânime a ideia de que accomplishments e achievements são predicados télicos, isto é, pressupõem um ponto de culminação inerente (um TELOS), e que estados e atividades são atélicos. Além disso, parece haver algum consenso que estados são predicados homogêneos (isto é, não têm partes ou estágios identificáveis) e que achievements são predicados pontuais (instantâneos).

O trabalho pioneiro e (hoje) clássico de Vendler deu início a uma longa tradição de estudos linguísticos com o propósito básico de entender como as línguas naturais codificam em suas gramáticas noções ontológicas que tangem à maneira como o mundo é e como os eventos são e se desenvolvem. O termo “lexical” relacionado a esse tipo de aspecto se refere à ideia de que existem certas propriedades do evento subjacentes à sua relação com o tempo (por exemplo, telicidade) que estão codificadas no morfema lexical – na raiz – e mantém estrita relação com a organização do mundo.

Já há uma vasta literatura sobre o assunto – da qual Vendler (1967), Comrie (1976), Dowty (1979), Klein (1994) e Smith (1997) são trabalhos clássicos – e muito já foi desenvolvido tanto sobre como classificar os eventos (ou predicados verbais) quanto

sobre quais as formas de reconhecer as classes acionais em termos de um repertório gramatical. Muito do que foi feito sobre a classificação e o diagnóstico dos eventos tem se detido nos verbos e na sua relação com seus argumentos e modificadores aspectuais. Essa discussão não aparece reproduzida nesta tese.

Proporcionalmente, o estudo sobre aspecto no domínio das nominalizações, isto é, no domínio de quando os eventos são expressos por nomes em vez de verbos recebeu menos atenção. Isso se deve, em parte, à ideia de que os nomes deverbais herdam as propriedades do verbo do qual derivam e, portanto, assume-se que elas, sendo lexicais, são mantidas – o que pode ser inferido da proposta de Williams (1981), por exemplo. Essa conclusão, sob a perspectiva da semântica lexical, é bastante coerente se for assumido que as raízes – os morfemas lexicais – carregam algum tipo de conteúdo semântico. Do contrário, a conclusão de que verbos e nomes compartilham propriedades de aspecto lexical seria apenas uma coincidência – cf. Harley (1999).

Como já discutido, é praticamente consensual (pelo menos, dentro da MD) que as propriedades eventivas (ou verbais) das nominalizações advêm da presença de uma camada funcional verbal (vP etc.) que é compartilhada por verbos e (alguns) nomes. Ainda assim, a atribuição do aspecto lexical ao nível vP não está isenta de problemas, porque a partir da concatenação de vo (um morfema funcional, categorizador), a estrutura passa, na MD, do nível lexical para o nível funcional.

Além disso, uma estrutura categorizada – uma “palavra” – não tem um estatuto teórico privilegiado nesse modelo. Naturalmente, alguém poderia argumentar que a intepretação lexical das raízes poderia ser capturada através de entradas enciclopédicas que tivessem sua inserção condicionada à presença de vP (cf. § 2.3 para discussão). Entretanto, se esse fosse o caso, não seria possível explicar a sistematicidade das propriedades sintáticas verificadas nas diferentes classes acionais, já que a inserção do conteúdo enciclopédico é pós-sintática.

Por outro lado, assumir que toda informação acional/aspectual dos predicados está codificada na raiz seria, à luz da MD, igualmente problemático. Primeiramente, porque se as raízes fossem classificadas, de alguma forma, de acordo com propriedades de uma classe acional, não seria possível explicar por que nominalizações de raiz não têm propriedades eventivas (sem mencionar outras classes de palavras, como adjetivos etc.). Em segundo lugar, porque se sabe que o tipo de argumento do verbo pode fazer com

que um certo predicado seja classificado como pertencente a uma outra classe acional, que não aquela a qual ele é normalmente atribuído, como pode ser visto em (16) e (17).

(16) (a) O João vendeu a casa em um mês / *por um mês. (b) O João vendeu casas *em um mês / por um mês.

(17) (a) As crianças caíram da escada em um minuto / *por um minuto. (b) Crianças caíram da escada *em um minuto / por um minuto.

Conforme Dowty (1979), por x tempo é um adjunto compatível com predicados atélicos; e em x tempo, com predicados télicos. Assim, o exemplo em (16a) indica que se está diante de um predicado télico. Porém, a modificação em uma propriedade do objeto (de singular para plural) produz uma DETELIZAÇÃO – transformando-o em um

predicado atélico, (16b). Do mesmo modo, em (17a), está-se diante de um predicado télico, mas em (17b), de um predicado atélico, também em virtude da manipulação de uma propriedade gramatical do argumento externo.

O que tais dados sugerem é que o morfema lexical é condição necessária, mas não suficiente para determinar a classe acional de um predicado e, logo, o aspecto lexical dependeria do verbo e seus argumentos – no caso, √ > vP > VozP e os argumentos que esses núcleos funcionais projetam. De qualquer forma, a noção intuitiva que subjaz ao reconhecimento de uma mudança na classe acional e/ou de uma detelização/coerção sugere que há uma leitura prototipicamente atribuída a esses predicados – e talvez seja essa informação associada à raiz, independentemente de como esteja codificada – cf. MacDonald (2008) para um tratamento sintático do aspecto lexical.

Seja como for, uma discussão aprofundada acerca da melhor maneira de codificar o aspecto lexical (e do que é “lexical”, nesse caso) dentro do quadro da MD demandaria uma avaliação metateórica e uma análise semântica e ontológica que extrapolaria muito o objetivo e o escopo desta seção e desta tese – mas cf. Arad (1999), Harley (1999), Alexiadou (2009, 2011a), Alexiadou, Iordăchioaia & Soare (2010), Scher, Medeiros & Minussi (2011), para discussão e algumas propostas. Feitas essas considerações, esta tese simplesmente assume que há um domínio eventivo (o “domínio-VP”) que codifica o aspecto lexical do predicado, independentemente de qual seja e de como se dê a contribuição composicional da raiz, de vo e de Voz.

Por sua vez, o aspecto gramatical diz respeito à maneira como os eventos aparecem descritos pelo falante (pontual ou durativo, concluso ou inconcluso etc.). O aspecto gramatical não tem a ver com propriedades temporais intrínsecas (ou seja, ontológicas) do predicado, mas sim com o repertório gramatical da língua que enseja uma certa forma de descrição do evento – o que atribuiu a essa propriedade o rótulo de “aspecto do ponto de vista” (COMRIE, 1976; SMITH, 1997). Esse tipo de aspecto está normalmente associado a alguma projeção funcional (por exemplo, AspP) em uma posição distinta – e mais alta – da que a do aspecto lexical (VP) – cf. Ippolito (1999) para uma análise na mesma linha bem como Schmitt (2001) e Wachowicz & Foltran (2006) para discussão e referências.

No domínio verbal, tradicionalmente o aspecto gramatical (ou ASPECTO VERBAL)

está associado à morfologia flexional como visto, por exemplo, na diferença entre João

nadava e João nadou. Nos dois casos, há um evento de nadar (que pertence à classe das

atividades); nos dois exemplos, o evento ocorreu em algum momento anterior à fala, ou seja, no passado. A diferença entre essas duas sentenças, então, não está no nível do evento (VP) nem no nível do tempo (TP), mas sim, no nível do aspecto (AspP).

No primeiro caso, trata-se da apresentação do evento como durativo e inconcluso (aspecto imperfectivo) e no segundo, como pontual e concluído (aspecto perfectivo). No que tange à estrutura verbal do português, com base na proposta de Schmitt (2001) bem como na de Wachowicz & Foltran (2006), a diferença entre nadava e nadou poderia ser capturada através de (18) e (19).51

(18) (a) João nadava.

(b) [T[PRETÉRITO][Asp[IMPERFECTIVO] [Voz [v √NAD]VP]VozP]AspP]TP. (19) (a) João nadou.

(b) [T[PRETÉRITO][Asp[PERFECTIVO] [Voz [v √NAD]VP]VozP]AspP]TP.

Com base em (18) e (19), é possível ilustrar não somente o modo como nadava e

nadou diferem (no caso, na especificação do núcleo Asp), mas também a ideia comum

de que aspecto lexical e aspecto gramatical são codificados em posições diferentes: este em AspP e aquele em VP (ou seja, √ > vP > VozP). Sendo esse o caso, uma vez que

51 Como o propósito de (16) e (17), no que tange à estrutura funcional verbal, é apenas ilustrativo, essa discussão não aparece desenvolvida nesta seção – mas cf. Bassani & Lunguinho (2011) e Santana (2016, 2019) para discussão e propostas alternativas.

verbos e nominalizações eventivas compartilham uma porção estrutural comum, não é surpreendente que se possa falar em aspecto gramatical também no domínio nominal.

Naturalmente, como já discutido, há evidências gramaticais e interpretativas de que a projeção AspP está presente também no domínio das nominalizações (quando da denotação de eventos). De todo modo, convém analisar com um pouco mais de detalhe essa afirmação para explicitar como o aspecto gramatical pode ser depreendido nas nominalizações e quais são os morfemas que sinalizam essa propriedade. Mais uma vez estabelecendo um paralelo com o domínio verbal, a hipótese defendida nesta tese é a de que a estrutura funcional das nominalizações também alberga dois domínios aspectuais, como ilustrado em (20), partindo da análise de § 1.2.2.

(20) nP

no AspP aspecto gramatical (domínio do ponto de vista)

Asp VozP

Voz vP aspecto lexical (domínio do evento)

vo √

Ao colocar (18) e (19) de um lado e (20), do outro, é possível concluir que o compartilhamento estrutural entre verbos e nominalizações eventivas (isto é, a camada

verbal, de forma genérica) não diz respeito somente ao evento, mas também ao modo

como o falante o descreve (por isso, aspecto do ponto de vista), isto é, da mesma sorte que a utilização de uma morfologia flexional diferente pode disparar leituras aspectuais distintas; por hipótese, esse é um efeito que poderia ser observado também no domínio nominal (e, portanto, derivacional).

2.2.1. Aspecto gramatical

A ideia clássica de que a informação de aspecto gramatical está no domínio da morfologia flexional vem do fato de que, pelo menos nas línguas românicas, a informação de aspecto está enfeixada com a informação de tempo, modo, e, em muitos casos ainda, com a informação de pessoa e número – esses são morfemas flexionais, então chamados “cumulativos”. Isso quer dizer que, via de regra, o aspecto gramatical não aparece como informação independente do tempo; por exemplo, -va de nadava não

sinaliza apenas o aspecto imperfectivo ou o tempo pretérito, mas as duas coisas juntas, da mesma forma que -ou em nadou significa pretérito, aspecto perfectivo e terceira pessoa do singular.

Contudo, isso ocorre não porque essas noções são ontologicamente dependentes, mas sim, porque certas línguas “escolhem” enfeixar essas informações em um único morfema. Portanto, a relação do aspecto gramatical com a morfologia flexional é

gramatical e não ontológica. Dito de outro modo, a princípio, é perfeitamente possível

encontrar aspecto gramatical no domínio derivacional – em uma nominalização, por exemplo – como ilustrado por (21), repetidos de (43) de § 1.2.2 por conveniência – cf. também Bašić (2010).

(21) (a) Oceni-enie studentów przez nuaczycieli nastąpiło szybko. (polonês) avaliação-PERF estudantes-GEN pelos professores ocorreu rapidamente „a avaliação dos estudantes pelos professores ocorreu rapidamente‟ (b) Oceni-anie studentów przez nuaczycieli ciagnęło się przez cały

tydzień. (polonês) avaliação-IMPERF estudantes-GEN pelos professores durou REFL

pela semana

„a avaliação dos estudantes pelos professores durou a semana toda‟

Como pode ser visto em (21), nas nominalizações eventivas do polonês, há uma oposição bastante clara entre enie („PERF‟) e anie („IMPERF‟). Em primeiro lugar, porque

nessa língua, pelo menos nos exemplos dados, a marca de aspecto gramatical é discreta, e o morfema que o expressa é não cumulativo. Em segundo, porque a oposição entre perfectivo e imperfectivo, isto é, a diferença no modo de descrição do evento é claramente sinalizada por expedientes sintáticos distintos: ocorreu rapidamente (para aspecto perfectivo) e durou a semana toda (para aspecto imperfectivo).

Com relação ao português, essa oposição não aparece morfologicamente marcada nas nominalizações eventivas; porém, isso não quer dizer necessariamente nem que o núcleo funcional não esteja presente nem que não é possível encontrar essa marcação em outros tipos de nominalização. Na verdade, como sugerido em § 2.1, a ausência de realização fonológica do núcleo Asp para as nominalizações zero eventivas pode ser interpretada como uma evidência em favor da sua subespecificação, ou seja, a relação

entre o conjunto de eventos (e) e o MR (i) não está gramaticalmente explicitada, o

que faz com que seja possível que uma mesma nominalização zero eventiva se combine tanto com um expediente sintático imperfectivo, como em (4a) e (22a), quanto perfectivo, em (4b) e (22b).

Em termos de representação lógica, isso poderia ser expresso por (e R i), como proposto, em que “R” equivale a uma relação, não especificada gramaticalmente, entre o conjunto de eventos e MR. Todavia, tal relação poderia ser depreendida do contexto, explicando por que as duas leituras são possíveis.

(22) (a) Durante a análise dos dados, o Pedro sentiu dor de cabeça. (b) Depois da análise dos dados, o Pedro tomou uma aspirina.

Além disso, como é praticamente consensual na literatura sobre a estrutura funcional das nominalizações, a própria compatibilidade de modificadores aspectuais com alguns nomes é uma evidência em favor da presença de uma projeção AspP. De todo modo, talvez Asp não seja o único caso de núcleo funcional subespecificado, como pode ser observado em (23) – cf. § 5.2.3 para uma discussão detalhada.

(23) (a) O João tentou sair ontem.

(b) O João está tentando sair neste momento. (c) O João vai tentar/tentará sair amanhã.

Os dados em (23) mostram que, do ponto de vista morfológico, sair não está especificado para tempo, isto é, não há nenhuma marca fonologicamente visível que sugira que a saída de João tenha ocorrido no passado, esteja ocorrendo no presente ou vá ocorrer no futuro, isso é dado por meio de expedientes sintáticos específicos, tais como advérbios e/ou por meio da relação com a sentença matriz (em que o tempo está especificado).

Ainda assim, não parece ser o caso que a sentença encaixada não tenha uma projeção de tempo (um TP) na ausência de um traço específico – cf. § 5.2. Assim, com base nessas considerações, é possível concluir que há motivação empírica para defender que (i) há uma projeção AspP nas nominalizações e (ii) pelo menos, nas nominalizações zero, o núcleo Asp não está especificado.

Na verdade, mesmo nos estudos sobre o PB, a ideia de que certas nominalizações podem veicular leituras aspectuais não é nova; tampouco é nova a proposta de que sua estrutura funcional contenha uma projeção AspP. No entanto, uma avaliação atenta de alguns trabalhos sobre o PB que tratam da relação entre nominalização e aspecto mostra que é possível tanto partir de uma observação empírica coerente e chegar a uma análise equivocada quanto assumir uma proposta teórica consistente e fazer previsões falsas.52

Travaglia (1985), debruçando-se sobre a categoria de aspecto no PB, sugere que parece haver algumas oposições aspectuais nos nomes, como mostram os exemplos em (24)53. Porém, como o próprio autor conclui, o fato de esses nomes poderem se referir a eventos, processos e estados, impossibilita a sua caracterização como de aspecto pontual ou durativo, ou seja, as propriedades dos eventos não devem ser confundidas com o modo como eles aparecem descritos pelo falante, como aparece discutido a seguir.54

(24) (a) Explosão → evento pontual. (b) Festa → processo durativo. (c) Paz → estado durativo.

Adicionalmente, Costa (1990) talvez tenha sido o primeiro estudo a sugerir que diferentes sufixos nominalizadores incidem sobre as propriedades aspectuais do evento expresso. Para a autora, há um tipo de nominalização que “refere o processo encarado globalmente, sem referência à constituição temporal interna e” (...) um outro tipo de nominalização que “refere o processo encarado imperfectivamente, chamando a atenção para sua constituição temporal interna” (p. 90). Exemplos em (25)55

.

(25) (a) convívio ~ convivência. (b) ajuste ~ ajustamento. (c) processo ~ processamento. (d) teste ~ testagem.

52 Agradeço especialmente ao Renato Miguel Basso pelas várias discussões sobre esse problema. 53

Retirados de Travaglia (1985, p. 124).

54 No entanto, para Travaglia (1985), parece haver uma oposição entre nomes que denotam aspecto não acabado (evento em curso) versus acabado (o resultado de uma ação acabada), como visto, por exemplo, na diferença entre queimação e queimadura – cf. Resende (2019).

A respeito de (25), segundo Costa, os exemplos marcados com sufixo expressam a ideia de imperfectividade, ao passo que os não marcados por sufixo56 disparam uma leitura global do evento (ou seja, perfectiva). Conforme § 1.1 (e muita literatura recente), a ausência de marcação com sufixo com matriz fonética equivale não a uma

não marcação, mas a uma instância de sufixo zero. Assim, reinterpretando a conclusão

da autora, nominalizações com sufixo zero disparariam uma leitura perfectiva, ao passo que outros tipos de nominalizadores desencadeariam uma leitura imperfectiva. Porém, os exemplos em (26), (27) e (28) – ao lado de (4) e (22) – mostram que tanto a leitura perfectiva quanto a imperfectiva estão disponíveis.

(26) (a) A convivência com a Ana durou mais tempo do que o João pôde aguentar. (b) A convivência com a Ana causou uma mudança na cabeça do João.

(27) (a) Durante o processamento do pedido, você deve aguardar na sala de espera. (b) Depois do processamento do pedido, você deve procurar a gerente da loja. (28) (a) A testagem da amostra ocorreu enquanto o Pedro dormia no laboratório.

(b) A testagem da mostra ocorreu depois que o Pedro comprou o laboratório.

O que os exemplos em (26), (27) e (28) sugerem é que, com o expediente sintático apropriado, é possível que a nominalização expresse tanto uma leitura “encarada globalmente” quanto chame “a atenção para a constituição temporal interna do evento expresso” – o que corrobora a proposta da subespecificação de Asp. Naturalmente, essa observação não sugere, de modo algum, que os sufixos em (25) veiculam o mesmo tipo de interpretação semântica. Intuitivamente, os nomes à direita e à esquerda sinalizam leituras diferentes. De todo modo, o ponto, nesse caso, é que não se trata de uma diferença aspectual, uma oposição entre aspecto gramatical perfectivo e imperfectivo. Se esse fosse o caso, pelo menos, uma das alternativas seria agramatical, como ocorre em (29) e (30).57

(29) (a) *Depois que convivia com a Maria, o João mudou de atitude. (b) Depois que conviveu com a Maria, o João mudou de atitude.

56

Contudo, -i-, em convívio, é um sufixo nominalizador e não faz parte da raiz – cf. Resende (2019). 57 É justo mencionar que, sem uma análise cuidadosa e formalizada da acionalidade dos predicados e da relação entre aspecto lexical e gramatical, não é possível chegar a conclusões categóricas sobre a natureza exata das restrições/preferências que envolvem morfemas lexicais, morfemas funcionais e modificadores adverbiais. Ainda assim, focando apenas no aspecto gramatical, as generalizações podem ser mantidas.

(30) (a) Enquanto ajustava a saia, a costureira teve uma ideia. (b) *Enquanto ajustou a saia, a costureira teve uma ideia.

Desconsiderando possíveis interferências do aspecto lexical, diferentemente dos dados em (29), (30) e (31), os exemplos em (32) e (33) mostram que, no caso dos verbos, não é qualquer expediente sintático que gera uma construção bem formada. Esse contraste de gramaticalidade leva a duas conclusões: (i) quando o traço de aspecto está codificado na estrutura, a ocorrência de um modificador aspectual diferente leva a uma sentença agramatical; (ii) as nominalizações eventivas não estão especificadas para aspecto, seu valor depende do contexto.

No que tange à intuição de Costa de que diferentes nominalizações veiculam diferentes leituras, pode ser que isso seja resultado de alguma propriedade do próprio nominalizador. Brinton (1995), por exemplo, defende que os diferentes nominalizadores do inglês sinalizam leituras semânticas distintas. A autora mostra que existe uma certa sistematicidade entre a classe acional do verbo (ou da base verbal) e o emprego do sufixo que ocorre na nominalização correspondente.

Conforme sua análise, tanto sufixos latinos (como -al, -ation, -ment etc.) quanto o sufixo zero são dispositivos de EMPACOTAMENTO e atribuem uma leitura delimitada ao evento (que independe de telicidade), ao passo que -ing é um recurso de MOAGEM e gera

um efeito de indelimitação do evento. Para ilustrar essas operações de coerção à luz de propriedades gramaticais, Brinton (1995) parte de um paralelo, já bem estabelecido na literatura, de que predicados atélicos se comportam como nomes de massa e predicados télicos têm um comportamento semelhante a nomes contáveis, no que diz respeito à cumulatividade e à delimitação.

Para citar um exemplo, uma porção de lama somada à outra porção de lama tem como referência uma terceira porção de lama, da mesma forma que um período de tempo de nadar somado a outro período de tempo de nadar tem como referência um terceiro período de tempo de nadar. Nesses casos, pode até ser que a referência resultante seja maior (em massa ou em período de tempo), mas trata-se de uma referência cumulativa. Diferentemente, a soma de uma cadeira com outra cadeira não tem a mesma referência de uma cadeira (mas de duas) do mesmo modo que a soma de

um evento de cair com outro evento de cair não equivale a uma única queda (mas a duas). Nesse caso, a referência é não cumulativa.

Com relação à DELIMITAÇÃO, tanto nomes concretos quanto eventos podem ser, de

alguma forma, delimitados em sua referência; por exemplo, é possível mensurar água, através de um contâiner, como copo, fazendo com que um nome massivo (homogêneo e

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