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Como argumento, a ideia de que as nominalizações têm uma representação lógica derivada composicionalmente não apenas é compatível com a postulação de que há uma estrutura funcional subjacente a elas, mas também é consequência dela. Conforme § 1.2.1, mesmo as estruturas nominais mais básicas envolvem um processo sintático e, por consequência, uma representação lógica em LF.45 Assim, as nominalizações de raiz – nesta tese, responsáveis pela denotação de substâncias, objetos, locativos e instrumentos – envolvem a concatenação de uma raiz a um morfema nominalizador.

A rigor, nomes são predicados que denotam conjuntos de indivíduos46. Portanto, o objeto sintático nP é uma função que toma um indivíduo e retoma um valor de verdade. Essa análise está em convergência com o PRESSUPOSTO DE SUBCATEGORIZAÇÃO de

Embick & Marantz (2008), segundo o qual, as raízes não podem ser interpretadas – ou pronunciadas – antes de serem categorizadas, isto é, concatenadas com um morfema funcional identificador de categoria.

Especificamente, antes da categorização (nesse caso, anteriormente à projeção nP), a única semântica associada à raiz é a (conceitual) que a identifica na Lista 1. Então, uma raiz como √MARTEL quando concatenada com no cria uma projeção nP que

denota, grosso modo, “o conjunto de indivíduos que têm a propriedade de ser martelo”, como em (1). O mesmo procedimento se aplicaria a penetra, fumo ou a qualquer outra nominalização de raiz – raciocínio que aparece também em Roy & Soare (2013). As operações e os morfemas que são computados somente em PF (como vogais temáticas) são discutidos em § 3.1.

(1) (a) martelo. (b) ║[n√ ]nP║=

(c) λx : x ∈ D<e, t>. MARTELO(x).

45 Neste capítulo, a notação empregada é <e> = entidade, <t> = valor de verdade, <s> = evento, <i> = intervalo de tempo. Todos os outros tipos semânticos são derivados a partir desses.

46 Porém, é preciso dizer que a discussão sobre o que, de fato, os nomes denotam é muito mais complexa e envolve questões sintáticas e semânticas que extrapolam o escopo desta tese. Há muito debate na literatura sobre a distinção massa/contável e discussões acerca do nominal nu em posição argumental. Há até mesmo quem defenda que alguns nomes (em algumas línguas) tenham diferentes tipos: os que são do tipo <e, t> e denotam predicados em oposição aos do tipo <e>, que denotam indivíduos. Seja como for, nenhuma dessas particularidades parece estar associada aos nomes que denotam eventos; portanto, esta tese assume, sem discussões adicionais, que nomes denotam conjuntos (de indivíduos ou de eventos).

A inserção do conteúdo não composicional enciclopédico aparece discutida em § 2.3. Nesse estágio da derivação, o sistema é cego para qualquer que seja o referente do conjunto martelo, isto é, nP vai sempre denotar um predicado, um conjunto de indivíduos, que é conceitualmente expresso pela raiz, independentemente de como o mundo é. Logo, como mostra a representação em (1), nP é o primeiro objeto sintático legível em LF – o que está em conformidade com o pressuposto da categorização.

A diferença entre as várias leituras das nominalizações de raiz, isto é, do seu significado extralinguístico resulta de entradas enciclopédicas distintas, sensíveis à estrutura, como discutido em § 2.3. Assim, o que permite relacionar semanticamente instrumentos e substâncias (assim como locativos ou objetos) a eventos (isto é, verbos e nominalizações eventivas) é a semântica da raiz, e não a estrutura funcional da sentença.

Adicionalmente a esse caso, é possível também que uma raiz se concatene não com no, mas com vo. Além das consequências estruturais (mostradas em § 1.2), a concatenação de uma raiz com vo tem implicações na interpretação da estrutura. Na esteira de Pylkkänen (2000), Scher, Medeiros & Minussi (2011), Medeiros (2012, 2015) e outros, o núcleo vo introduz tanto a variável de evento e quanto o argumento interno do predicado (quando for o caso).47

É preciso deixar claro que também nesse caso, nesse estágio da derivação, o sistema é cego para qualquer que seja o referente no mundo para esse evento. Além disso, não é a concatenação da raiz com o núcleo vo que vai garantir que essa estrutura seja um verbo – o que já havia sido constatado por Oltra-Massuet (1999) –, uma vez que, como mostrado em § 1.2, tanto verbos quanto (alguns) nomes podem denotar eventos. A verbalização da raiz aparece ilustrada em (2), tomando como exemplo o nome entrega (da pizza) – o mesmo mecanismo poderia ser aplicável a um predicado inergativo ou inacusativo.

(2) (a) entrega da pizza. (b)║[v√ [DP ]]vP║=

(c) λe : e ∈ D<s, t>. ENTREGAR(e) TEMA(a-pizza, e).

47

Para Roy & Soare (2013), a variável de evento é introduzida pelo núcleo Aspo; para Moulton (2014), pela própria raiz.

O que vP em (2) denota é um conjunto de eventos de entregar do qual a pizza é tema, que aparece como complemento da raiz (ainda que não seja projetado por ela). Posteriormente, como discutido em § 1.2.2, a projeção vP se concatena com o núcleo Voz, que é responsável pela projeção do argumento externo (KRATZER, 1996). Para a computação em LF, isso significa que um outro argumento vai estar relacionado ao evento. Para Kratzer (1996), uma operação de IDENTIFICAÇÃO DE EVENTO, que exige que os dois predicados (nesse caso, vP e VozP) tenham propriedades acionais compatíveis, vai determinar se o argumento externo é agente, experienciador etc. A estrutura em (3) ilustra essa operação dando sequência à derivação em (2). Convém frisar que até VozP, o sistema não sabe se o evento será expresso por um verbo ou por um nome. Portanto, é necessário que a estrutura apresente as mesmas condições de interpretação, independentemente da categoria.

(3) (a) entrega da pizza pelo João. (b) ║[VozP [DP ] [v√ [DP ]]vP]VozP║=

(c) λe : e ∈ D<s, t>. ENTREGAR(e) TEMA(a-pizza, e)  AGENTE(o-João, e).

Uma constatação imediata no que concerne à abordagem neo-davidsoniana para a representação de eventos é que existe uma relação transparente entre a introdução de núcleos funcionais na sintaxe – que projetam argumentos – e a introdução de variáveis em LF, ou seja, vo introduz o evento (e) e o argumento interno – TEMA (a-pizza, e); o núcleo Voz introduz o argumento externo na sintaxe, argumento AGENTE (o-João, e) em

LF – relacionando-o ao mesmo evento e/ou ao mesmo conjunto de eventos (vP/e). Em adição ao domínio fundamentalmente verbal/eventivo, adiciona-se à estrutura um Asp. Como discutido em § 1.2.2, as evidências para esse núcleo se constroem na ocorrência de morfemas aspectuais nas nominalizações e também no licenciamento de modificadores aspectuais. De todo modo, sua importância talvez seja mais evidente no domínio da semântica. Como defendido em § 1.2.2 e ilustrado a seguir, a possiblidade de os eventos serem localizados no tempo não diz respeito a alguma posição que eles ocupam em um eixo temporal, como passado, persente ou futuro (muito embora isso seja possível), mas sim à perspectiva do falante em relação ao curso temporal do evento, de forma que ele seja descrito como concluído, não concluído etc. (KLEIN, 1994).

O aspecto está intimamente relacionado ao tempo, mas não é dependente dele. Em termos sintáticos, isso quer dizer que eventos podem ser expressos por itens cuja estrutura contém uma projeção AspP, mas não necessariamente uma projeção TP, como é o caso das nominalizações – segundo a proposta defendida nesta tese e em muita literatura recente. Do ponto de vista semântico, a ideia é a de que o núcleo Asp codifica gramaticalmente a possibilidade de um evento se relacionar a um intervalo de tempo – sem que seja necessária uma marcação no eixo temporal.

De todo modo, muito embora o aspecto gramatical esteja restrito ao ponto de vista sobre a constituição interna do evento por parte do falante (COMRIE, 1976; SMITH, 1997), é verdade que apenas a distinção [PERFECTIVO]/[IMPERFECTIVO] não é suficiente para dar conta das nuances semânticas nem do repertório morfológico de que as línguas dispõem – cf. § 2.2.1 para discussão. Seja como for, essa é a principal distinção no domínio dos eventos, como aparece discutido em § 2.2. De modo geral, PERFECTIVO e IMPERFECTIVO dizem respeito à especificação do núcleo Asp e codificam a maneira

como o evento aparece descrito em relação ao MOMENTO DE REFERÊNCIA (MR).

Para Klein, por exemplo, MR48 pode ser concebido em termos de um intervalo de

tempo em relação ao qual uma declaração é feita. Nessa abordagem, MR não é por si só um ponto, mas um intervalo entre dois pontos – e que pode ser tratado por meio de uma variável i – de modo que haja uma relação entre o evento (ou o conjunto de eventos) e o momento de referência. Para Klein, é a relação do evento com o intervalo de tempo que captura a noção de (im)perfectividade – cf. § 2.2. Por ora, dada a subespecificação do núcleo Asp nas nominalizações zero eventivas, esta análise entende que a presença de AspP é semanticamente justificada pela sua necessidade para a interpretação dos eventos e sugere que sua leitura semântica pode, por exemplo, ser determinada/valorada pelo contexto, como ilustrado por (4).

(4) (a) Durante a entrega da pizza, o motoqueiro derrubou o refrigerante. (b) Depois da entrega da pizza, o motoqueiro derrubou o refrigerante.

Em (4a), entrega tem aspecto imperfectivo, porque é descrito como um evento em progresso, mas em (4b) tem aspecto perfectivo, porque é descrito como um evento

concluído. Leituras sinalizadas por durante e depois de; um caso de aspecto não

marcado (SMITH, 1997, p. 11). Em termos de representação lógica, esta tese propõe

que Asp introduz uma expressão i, que institui uma relação entre o conjunto de

eventos e o momento de referência, de tal forma que a denotação de AspP, no caso da subespecificação, seja (5) – a partir de (3). Como item subespecificado, a expressão i

vai apenas instituir uma relação R entre o conjunto de eventos e o momento de referência sem determinar, por exemplo, se i ⸦ e (imperfectivo) ou i ⸧ e (perfectivo).

(5) (a) entrega da pizza pelo João.

(b) ║[Asp [Voz [DP ] [v √ [DP ]]vP]VozP]AspP║= (c) i : i ∈ D <i, <s, t>>. λe : e ∈ D<s, t>.

ENTREGAR(e) TEMA(a-pizza, e) AGENTE(o-João, e)  (i R e).

Com base em (5c), a estrutura até AspP denota, grosso modo, “a relação entre o momento de referência e o conjunto de eventos de entregar, de que a pizza é tema e o

João é agente”. Somente pela estrutura da nominalização, não é possível determinar se

o evento está sendo descrito como pontual ou durativo. Interpretando a proposta de Klein, essa subespecificação poderia seria um caso em que o momento de referência não é contrastivo – o que Klein (1994) chama de “conteúdo lexical de estado-0” e Smith (1997) trata como “aspecto de ponto de vista neutro”.

Por fim, é na projeção acima de AspP que o sistema vai determinar a categoria da estrutura sendo formada – já que tanto vP e VozP quanto AspP podem estar presentes em nomes e verbos, conforme defendido nesta tese e em muita literatura recente. Assim, nas nominalizações eventivas, o núcleo que se concatena com AspP é no – aquele que, de fato, transforma essa estrutura em uma nominalização e dá o FECHAMENTO EXISTENCIAL para a variável de evento, já que, na intepretação das nominalizações, o

mesmo conjunto de eventos se relaciona a um único intervalo de tempo.

(6) (a) entrega da pizza pelo João.

(b)║[n [Asp [Voz [DP ] [v √ [DP ]]vP]VozP]AspP]nP║= (c) λe : e ∈ D<s, t>. i : i ∈ D<i, <s, t>>.

Na representação lógica em (6c) resta, então, apenas uma variável aberta, fazendo com que nP denote um conjunto de eventos de entregar, que se relaciona ao momento de referência (um único intervalo de tempo) e cuja relação pode ser valorada pelo contexto, de que a pizza é tema e o João é agente. Com essa derivação, é possível capturar a intuição sobre o que cada estágio da computação denota – uma conclusão que também aparece em Moulton (2014) para nominalizações de eventos complexos.

Para tornar esse exemplo mais concreto, retomando o dado em (1), martelo denota o conjunto de indivíduos que têm a propriedade de ser martelo, um predicado insaturado (em termos fregeanos). Quando o operador ιx se aplica sobre esse predicado, o resultado dessa função é, grosso modo, o único elemento daquele conjunto que está saliente no contexto. Assim, nP é martelo, e DP é o martelo. O mesmo mecanismo se aplicaria se esse predicado entrasse no escopo do quantificador existencial, mas a denotação seria a de que um martelo denota que existe, pelo menos, um individuo com a propriedade de ser martelo. Isso serve para ilustrar por que o fechamento existencial da última variável da estrutura de uma nominalização não pode ser atribuído a no: nP ainda denota um predicado insaturado.

Similarmente, com uma variável ainda aberta no nível nP, é possível concatenar um núcleo D[DEFINIDO], como no caso de o martelo, fazendo com que um sintagma como a

entrega da pizza pelo João tenha uma derivação que condiz exatamente com a intuição

sobre o que esse sintagma significa, qual seja: “há um único evento de entrega, dentre um conjunto de eventos que se relaciona com um único intervalo de tempo, de que a

pizza é tema e o João é agente”.

Conforme § 1.2, além da nominalização de raiz e da nominalização de evento complexo (que tem uma estrutura semelhante à dos eventos denotados por verbos, em termos de projeções funcionais), há também nominalizações de evento simples. Conforme § 1.2.2, a única diferença estrutural entre nominalizações de eventos complexos e de eventos simples versa sobre a presença de VozP (ausente nestas, mas presente naquelas), como mostrado em (7).

(7) (a) entrega da pizza.

(b)║[n [Asp [v√ [DP ]]vP]AspP]nP║=

É possível que a oposição entre os traços [ATIVO] e [PASSIVO] para Voz tenha

outras consequências lógicas, mais relacionadas à interpretação, para além das oposições sintáticas – cf. §1.2.2. De todo modo, esta tese simplesmente assume que, em LF, ambas as construções são lidas da mesma maneira. Essa é inclusive uma intuição que já aparece no trabalho de Grimshaw (1990) no sentido de que a principal diferença entre nominalizações de eventos simples e de eventos complexos tem mais a ver com propriedades sintáticas do que semânticas, isto é, a distinção entre essas duas formas de expressar eventos através das nominalizações está mais relacionada a propriedades estruturais do que a características do evento em si.

Naturalmente, se a ausência da projeção VozP nas nominalizações de eventos simples for o que permite a não realização do argumento interno, é possível encontrar nominalizações que expressam eventos com ainda menos projeções funcionais e, por consequência, menos argumentos do evento na computação semântica, como em (8).

(8) (a) entrega.

(b)║[n [Asp [v √ ]]vP]AspP]nP║=

(c) λe : e ∈ D<s, t>. i : i ∈ D<i, <s, t>>. ENTREGAR(e)  (i R e).

Uma rápida comparação entre (6), (7) e (8) mostra que o que está sendo manipulado, na verdade, é a quantidade de argumentos, mas as propriedades do evento em si são mantidas. Convém notar que, mesmo na ausência de argumentos, podem-se reconhecer as propriedades relacionadas ao evento (e a vP), como, por exemplo, a relação a um momento de referência. Como em (9b), à meia noite está se referindo ao evento de entrega, e não ao momento em que o vigia testemunhou o evento.

(9) (a) O vigia testemunhou a entrega à meia noite.

(b) Através das câmeras, às 2h o vigia testemunhou [a entrega à meia-noite].

Adicionalmente a esses casos, no que concerne às nominalizações resultativas, mostrou-se em § 1.2.3 que os nomes que se referem a entidades concretas relacionadas a eventos são mais bem caraterizados como nominalizações de raiz e, nesse sentido, denotam conjuntos de indivíduos, da forma como representado em (1) Diferentemente, as nominalizações de resultado contêm uma projeção intermediária à raiz e no: um

Asp[RESULTADO] que codifica o estado resultante, ainda que o “evento prévio” possa, nesse caso (talvez não, no caso dos particípios), estar pressuposto.

Em termos de representação lógica, como defendido, Asp introduz um intervalo do tempo que estabelece uma relação com a variável de evento (introduzida por vo). Porém, na esteira de Comrie (1979), diferentemente de PERFECTIVO e IMPERFECTIVO, o aspecto RESULTADO não faz referência à totalidade do evento (i ⸧ e), mas ao estado que resulta de sua CULMINAÇÃO. Assim, se vP estivesse presente, inspirando-se em Krazter (2000), a interpretação de resultado de conquista poderia ser capturada por λs : s ∈ D<e,

t>. e : e ∈ D<s, t>. CONQUISTAR(e) CULMINAÇÃO(e, s), em que há uma relação entre um evento e e um conjunto de estados s que resultam da culminação de e.

Porém, diferentemente das passivas resultativas (cf. KRATZER, 2000; EMBICK, 2004), as nominalizações resultativas não permitem introdução de agente ou de adjunto temporal etc. além de outras propriedades sintáticas associadas ao evento (cf. § 1.2.3). Portanto, a questão é quais as consequências lógicas de se retirar a variável de evento (introduzida por vo). Sem vP, a forma lógica de uma nominalização resultativa seria basicamente a mesma de uma passiva adjetiva (do tipo, a porta está aberta).

Assim, sendo conquista em (10a) uma nominalização resultativa, na análise sendo defendida, a nominalização em si não faz referência ao evento, mas apenas ao resultado, ou seja, o evento não está codificado na estrutura49 e, logo, não aparece representado em sua forma lógica. Portanto, inspirando-se na análise para as passivas adjetivas do inglês de Embick (2004), isso poder capturado por (10c), em que o nP conquista faz referência ao conjunto de indivíduos que têm a propriedade de ser conquista.

(10) (a) conquista.

(b)║[n [Asp[RESULTADO] √]]AspP]nP║=

(c) λx : x ∈ D<e, t>. λs : s ∈ D<s, t>. CONQUISTA(x, s).

Muito semelhante ao que se postula para as passivas adjetivas, a fórmula em (10c) basicamente determina que a nominalização cuja estrutura contém um Asp[RESULTADO] denota um conjunto de indivíduos que têm a propriedade de denotar o estado (mas nesse caso, o resultado de) “ser conquista” – o que recupera a nuance semântica por trás de seu caráter “predicador”. Em adição a isso, a ideia é a de que o evento prévio possa ser

recuperado por meio das entradas enciclopédicas que licenciam a estrutura (cf. § 2.3) de uma forma semelhante à interpretação pressuposta de que em a porta está aberta, pode ter havido um evento prévio de a porta abrir (sem que isso esteja codificado).

Pondo de lado esses casos, no que tange às nominalizações (zero) agentivas, como

adivinha, assassino, guia, intérprete, vigia etc. (estruturalmente dependentes de vP), é

verdade que, em última instância, o que essas nominalizações denotam são conjuntos de indivíduos; por exemplo, assassino denota o conjunto de indivíduos que têm a propriedade de ser assassino. Naturalmente, se esse for o caso, é preciso dizer, também do ponto de vista da representação lógica, de que modo essas nominalizações agentivas se distinguem de filósofo, guarda etc. que também denotam conjuntos de indivíduos, mas são nominalizações de raiz – e, portanto, estruturalmente independentes de vP.

Em § 1.2.4, mostrou-se que nominalizações agentivas quando co-ocorrentes com certos adjetivos geram sintagmas ambíguos. Isso porque o modificador pode exercer escopo tanto sobre o indivíduo (nP) quanto sobre o evento (vP), cada um gerando uma leitura diferente, como pode ser visto em (11) – e também para (64) de § 1.2.4.

(11) (a) assassino rápido (“um indivíduo rápido que assassina”). (b) assassino rápido (“um indivíduo que assassina rapidamente”).

Essa ideia, já presente em Larson (1995) e Fábregas & Scalise (2012), se constrói na análise de que rápido pode modificar tanto o indivíduo, como em (11a), quanto o evento, como em (11b). Isso é capturado de forma simplificada por (12).

(12) (a) λe : e ∈ D<s, t>. λx : x ∈ D<e, t>. ASSASSINAR(e) AGENTE(x, e) RÁPIDO(x). (b) λe : e ∈ D<s, t>. λx : x ∈ D<e, t>. ASSASSINAR(e) AGENTE(x, e)  RÁPIDO(e).

O que as representações lógicas em (12) mostram é que, para sintagmas como (11), existe um conjunto de eventos (λe) e um conjunto de indivíduos (λx), e há uma intepretação em que rápido predica sobre o conjunto de indivíduos, (11a), e outra sobre o conjunto de eventos, (11b). Com isso, não se está afirmando que as duas intepretações são igualmente produtivas, mas que são igualmente possíveis do ponto de vista lógico.

Evidentemente, falantes do PB interpretam assassino rápido preferencialmente com a leitura de que o evento de assassinar foi rápido (o que inclusive é uma evidência

adicional em favor da presença de vP nesses casos), da mesma forma que Fábregas & Scalise (2012) mostram que, para o inglês, hard worker („trabalhador duro‟) tem uma leitura preferencial, em que o evento de trabalhar é que está sob o escopo do modificador, ainda que a outra leitura (a de que o modificador esteja predicando sobre o indivíduo) seja possível do ponto de vista lógico.

Como mostrado em § 1.2.4, sintagmas como pianista corrupto não permitem essa duplicidade de leitura, dada a ausência de vP – que licenciaria uma forma lógica do tipo de (12b), em que o modificador está exercendo escopo sobre o evento. Sendo uma nominalização de raiz, pianista, (13a), tem apenas uma representação lógica, da mesma forma que casos como filósofo, guarda, médico, músico, penetra, em que, por exemplo,

guarda corrupto em (13b) não é alguém que guarda alguma coisa de forma corrupta,

mas alguém que tem tanto a propriedade de ser guarda quanto de ser corrupto.

(13) (a) x : x ∈ D<e, t>. PIANISTA(x)  CORRUPTO(x). (b) x : x ∈ D<e, t>. GUARDA(x)  CORRUPTO(x).

Adicionalmente a esses casos, cumpre tecer algumas considerações a respeito de uma particularidade estrutural – e, por consequência, semântica – especial com relação às nominalizações agentivas. Nas nominalizações de eventos complexos, a presença de VozP torna possível a projeção do argumento externo e, do ponto de vista da computação semântica, a introdução do argumento agente, relacionado ao evento. Por outro lado, em nominalizações agentivas, a projeção de agentes não é possível (dada a ausência de VozP – cf. § 1.2.4). Nesse caso, é a própria nominalização (isto é, nP) que denota o agente do evento.

Essa diferenciação tem consequências sintáticas e semânticas importantes. Em (a)

entrega da pizza pelo João, por exemplo, como em (4), a nominalização (nP) denota um

conjunto de eventos do qual o João é agente. Essa relação se estabelece por meio da projeção de VozP que denota AGENTE(o-João, e). Porém, a nominalização o assassino

da Maria não denota o conjunto de eventos de que algum x seja o agente, mas denota o

conjunto de indivíduos que têm a propriedade de ser agente de um evento de assassinar. À primeira vista, isso pode não parecer óbvio, mas certamente da perspectiva empírica, é bastante claro que, por exemplo, a entrega do cachorro e o assassino do cachorro

denotam coisas muito diferentes, ainda que ambas as nominalizações (zero) estejam relacionadas a eventos e tenham o cachorro como tema.

Isso quer dizer que o sistema computacional deve dispor de algum meio para fazer essa diferenciação, qual seja: quando a nominalização projeta um agente e o relaciona ao evento e quando a própria nominalização denota o agente do evento. Alexiadou & Schäfer (2010) (para tratar dos agentivos em -er do inglês) e Medeiros (2015) (para dar conta das nominalizações agentivas em -ão do PB, como fujão, chorão, brigão etc.) propõem que a interpretação de agente das nominalizações agentivas vem de uma

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