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Norbert Elias – um olhar sobre sua biografia

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A cidade de Breslau, atual Wroclaw na Polônia, era uma cidade alemã quando Nor- bert Elias lá nasceu em 22 de junho de 1897 e de onde nunca saíra até 1915 quando deixou os estudos e um ambiente familiar estável e protetor para combater na Primeira Grande Guerra. Era filho único de uma família burguesa, parte da configuração social judaica nessa cidade de cultura alemã. “Completamente alemã. Não tinha nada de polonês... Mas Breslau era totalmente alemã – lá não havia poloneses, e os poloneses que moravam lá eram total- mente germanizados. Nunca ouvi pronunciarem uma palavra de polonês” (ELIAS, 2001, p. 13).

Esse filho de “pai prussiano” também tinha avós maternos e paternos alemães e sua infância transcorreu sem maiores incidentes, visto que em Breslau a comunidade alemã e a figuração judaica componente daquela, viviam em uma atmosfera de segurança geral e, em especial os judeus, bem longe dos pogrons do Império Russo. Quando Elias, adolescente de 15 ou 16 anos, manifestou na escola a aspiração de vir a ser professor universitário, foi mo- tivo de risos e chacota por parte do professor e colegas de classe, pois sua ascendência ju- daica era condição invencível para se creditar como aspirante a carreira docente em uma instituição superior alemã (ELIAS, 2001, p. 19).6 Outra feita, no front de guerra, após se envolver em uma briga, foi objeto de escárnio por parte de um camarada de armas em razão de sua ascendência judaica (ELIAS, 2001, p. 31).

Perguntado em 1984 sobre sua judeidade, Elias, então com 87 anos, responde que:

Sim, isto é, sou judeu, um judeu alemão, por todo o meu caráter e meu físico. Ouvindo a maneira como formularam essa pergunta, poderia se ter a impressão de que tenho escolha. Mas só posso responder-lhes isso: não tenho escolha, sou judeu, independentemente do que diga ou faça. Isso me lembra uma piada judaica: já que sou judeu, é melhor me orgulhar disso. Mas não é isso que quero dizer. Quero dizer: não sou judeu porque o queira, mas porque sou (itálicos no original) (ELIAS, 2001, p. 88).

6 A primeira parte desse livro é composta de uma entrevista com Norbert Elias. A segunda parte da obra edita- da sob a epígrafe de “Notas biográficas”, oferta exposições pessoais de Elias sobre sua trajetória de vida e acadêmica, suas relações com Alfred Weber e Karl Mannheim, além de observações sobre os judeus sob a perspectiva estabelecidos-outsiders. Por último, são publicadas notas sobre a teoria do processo e da figura- ção.

A Primeira Guerra Mundial impactou o jovem Elias para sempre no que diz respeito à religião ou crenças metafísicas. ”Não sentia e não sinto a respeito da religião nem um des- prezo racional, nem uma nostalgia romântica. Sempre tive consciência de que os homens podem precisar da religião em certas circunstâncias – mas pessoalmente não sinto essa ne- cessidade.” (ELIAS, 2001, p. 80). Na mesma entrevista, Elias arremata mais à frente suas impressões pessoais sobre a religião.

Não se deve perder de vista que durante milênios a religião foi o centro da busca de um sentido para a vida humana. Hoje em dia, para muita gente, a religião deu lugar a um grande vazio, e não temos nenhuma alternativa a lhes oferecer. Nessa situação, quis mostrar que se pode dar um sentido à vida mesmo sem a religião (ELIAS, 2001, p. 85).

Ao voltar a Breslau após a guerra, ainda mobilizado e envergando uniforme, passa a exercer a função de auxiliar de cirurgia em amputações de pernas e braços de soldados (E- LIAS, 2001, p. 34). Por interesse próprio e também para agradar a seu pai, matricula-se em Breslau no curso de medicina, concomitantemente com o curso de filosofia. Não concluiu o curso de medicina por entender que não queria ser médico, mas filósofo, apesar de ter con- seguido o certificado de obstetra após ter auxiliado uma série de partos. Muitos anos depois, já como professor de sociologia, chegou a inserir em suas aulas um corte de cérebro com o fito de mostrar aos estudantes a constituição humana para que a partir daí eles pudessem compreender o funcionamento da sociedade. “Vejam, os sociólogos que não fizeram estudos de medicina falam com frequência da sociedade sem integrar em seus discursos os aspectos biológicos do homem.” (ELIAS, 2001, p. 38). Com a hiperinflação a fortuna da família dis- solve-se ao mesmo tempo em que chega a fome. O universitário de filosofia vai então traba- lhar em uma fábrica de fornos de fundição, ocasião que entra em contato com a classe traba- lhadora. Com a volta da estabilidade econômica e do ressurgimento dos negócios da família, resolve, agora já doutor em filosofia e psicologia, partir para Heidelberg. “Naquela época, Heidelberg era uma espécie de Meca da sociologia.” (ELIAS, 2001, p. 44). Nessa cidade, onde fica de 1925 até 1930, esperava ganhar a vida vendendo compilações de piadas gregas e ensinando inglês, mas acaba sendo novamente suportado pelo pai. Na Universidade de Heidelberg passa a ter contato somente com sociólogos e não mais com filósofos. As expe- riências de guerra e a vivência na fábrica fizeram com que Elias procurasse estudos próxi- mos à realidade da vida. Enquanto estudante-livre (sem vínculos) travou contato com soció-

logos como Alfred Weber (irmão de Max Weber) e Karl Mannheim do qual se tornou amigo e assistente informal, na expectativa de encontrar um orientador que o habilitasse para a primeira fase da carreira universitária, a de Privat-dozente (um professor contratado e remunerado diretamente pelos alunos). Foi Mannheim quem introduziu Elias no restrito círculo de sociólogos de Heidelberg. “eu o ajudava e ele me dava conselhos para minha car- reira. Suponho que deve ter falado de mim com Marianne Weber, e foi assim que um dia fui convidado para seu salão. Quando se era convidado um vez, fazia-se parte de seu círculo” (ELIAS, 2001, p. 42).

Elias que nunca havia lido Karl Marx passa a estudar este, bem como os escritos de Marx Weber.

No final do Império, a sociologia era orientada pela burguesia liberal, por homens como Max Weber, Simmel e outros, ao passo que sob a República de Weimar – isto é, com a emergência da social-democracia -, gente como Mannheim teve seu comportamento profundamente influenciado por Marx. Já era verdade para Max Weber, mas Weber tentara desenvolver uma contra-sociologia das classes médias. Mannheim, por outro lado, concentrou-se num aspecto da teoria marxista, a sociologia do conhecimento, e fez disso o domínio da sociologia. (ELIAS, 2001, p. 44).

O interesse pela realidade social e pelo acompanhamento da política fez com que Elias, com risco da própria vida, empreendesse uma viagem para Frankfurt por volta do início de 1933, apenas para presenciar um discurso de Hitler e observar o comportamento das massas acotoveladas. Nessa ocasião dissimulou sua compleição fisionômica judaica com um monóculo, chapéu de caçador e um traje para a época, ao estilo aristocrata alemão, o que lhe permitiu passar pelas barreiras formadas por tropas das SS.

Era fascinante... O Führer fez a massa superexcitada esperar quase duas horas; entoavam-se cantos patrióticos e, às vezes, eu também tinha que mover os lábios, pois não podia ser o único a permanecer em silêncio ... Era realmente um orador fora de série. Uma coisa me ficou particularmente na lembrança: o momento em que ele deu a bênção às crianças, no final. Eu nunca vira algo similar antes! Ele fez as crianças se aproximarem, colocou-lhes as mãos sobre a testa e lhes falou. E a massa ficava loucamente entusiasmada. Eu ia a esse gênero de manifestações para ter uma idéia das coisas, para compreendê-las e vê-las com meus próprios olhos (primeira reticências no original). (ELIAS, 2001, p. 55).

O emprego de assistente de Mannheim e o salário mensal tiveram que ser deixa- dos para trás em razão da ascensão do nacional-socialismo hitleriano e os expurgos que se sucederam nas universidades em relação aos dissidentes da ideologia que estava no poder. Norbert Elias, não somente estava entre os dissidentes, mas na condição de judeu, mais do que a perda do cargo, corria o risco da perda da vida. Em 1933, através de contatos, procura emprego como professor de sociologia na Suíça, nas cidades de Basiléia, Zurique e Berna, mas de forma infrutífera. Em seguida faz o mesmo em Paris, também sem conseguir enga- jamento em nenhum instituto superior de ensino. Sozinho e sem perspectiva de futuro, Elias passou fome em Paris, situação não muito diferente de inúmeros imigrantes, entre eles, inte- lectuais de toda a ordem. Nessa cidade associou-se ao escritor Ludwig Turek e a um escul- tor em uma fabriqueta de brinquedos, empreendimento que proveu ínfimo sustento aos três. Ainda em Paris escreveu dois artigos que foram os primeiros do autor a serem publicados (um sobre o estilo kitsch e outro sobre a expulsão dos huguenotes da França). A fundação holandesa Steunfonds também lhe forneceu um pequeno estipêndio acadêmico. Sem pers- pectivas em Paris, parte em 1935 para uma visita a seus pais em Breslau, em plena Alema- nha nazista e em seguida emigra para a Inglaterra. Seu pai, Hermann Elias foi assassinado em 1941 em Breslau. Os nazistas também assassinaram sua mãe, Sophie Elias no campo de concentração de Auschwitz, provavelmente em 1941.

Em Londres, um comitê de refugiados judeus dá apoio a Elias na forma de dinheiro para sua sobrevivência. Em contrapartida, este deveria escrever um livro que, dadas as suas limitações com o inglês escrito à época, foi redigido em alemão. Metodicamente Elias dirigia-se todos os dias à biblioteca do Museu Britânico (The British Library) onde, mergulhando em antigos livros, tais como os tratados de etiqueta que acabara de descobrir, passa a redigir o que veio a se tornar O processo civilizador. (ELIAS, 2001, p. 63).7

A Inglaterra foi o lar de Elias de 1935 até 1974. Esse período foi interrompido em 1962 quando, aos 62 anos de idade, Elias aceitou o convite para lecionar sociologia em Ga- na, retornando para a Inglaterra em 1964.

7 Curiosamente Elias repete o que outro exilado alemão fizera no século anterior. Karl Marx sai de Paris e

emigra para Londres, onde utilizará regularmente o Reading Room da Biblioteca do Museu Britânico para pesquisas e elaboração de textos. Marx registrou-se nessa biblioteca em 12 de junho de 1850, sob o nome an- glicizado de Dr. Charles Mars. Cf. Henderson, 2005.

Ao retornar de Gana, em 1964, Elias começa, paulatinamente, a publicar alguns livros e artigos, como Os estabelecidos e os outsiders, com Scotson, em 1965, e Dynamics of Sport Groups with Special Reference to Football, com Eric Dunning, em 1966. A amizade entre Elias e o sociólogo holandês Johan Goudsblom, iniciada na década de 1950, se fortalece. Goudsblom foi o responsável pela recepção do pensamento de Norbert Elias na Holanda. Vagarosamente, Elias começa a ser reconhecido (RIBEIRO, 2010, p. 70).

Após a volta da Universidade de Gana, Elias passa a exercer as funções de professor convidado na Holanda e na Alemanha. Leciona então nas Universidades de Amsterdã, Haia, Münster, Contanz, Aix-la-Chapelle, Frankfurt, Bochum e Bielefeld. Estabelece residência em Amsterdã no ano de 1984, cidade onde falece aos 93 anos em 1990.

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