• Nenhum resultado encontrado

10. A classificação de um arrendamento mercantil como arrendamento mercantil financeiro ou arrendamento mercantil

3.1.4. Outros limites de conciliação jurídico-contábil – Subjetivismo

3.1.4.1. Normas baseadas em princípios e Subjetivismo Contábil: histórico, conceitos e características

A mudança de paradigma que diz respeito ao aumento do papel do subjetivismo na contabilidade brasileira trouxe consigo o abandono das normas rígidas de contabilização ao permitir o registro dos eventos contábeis de acordo com o julgamento dos profissionais, com base na essência econômica da operação.

O termo “aumento” é aqui empregado pelo fato de a contabilidade brasileira já possuir elementos de subjetividade antes de sua harmonização às normas IFRS. As demonstrações financeiras não são compostas de exatidões numéricas. São, na realidade, o somatório de julgamentos, subjetividades e de juízos de valor decorrentes de posturas presumivelmente responsáveis por parte de quem as prepara, asseguradas como razoáveis por quem as audita e aceitas, ou não, por agentes externos que as analisam e utilizam como base para a tomada de decisões econômicas168.

Nesse sentido, CARVALHO demonstra a subjetividade intrínseca à ciência contábil a partir de exemplos práticos, na tentativa de eliminar a ilusão de que o Balanço seria constituído de “cifras exatas” e de que nele imperaria a objetividade:

Direitos incontestáveis e tangibilidade de ativos só são indiscutíveis nos planos, respectivamente, do mundo jurídico e do mundo material. Um indiscutível direito a receber um crédito só será um “ativo” em contabilidade na medida em que seja passível de realização; quaisquer dúvidas sobre essa realizabilidade, temporal ou permanente, sem elidir o

direito a tentar cobrar retira a característica de ativo do valor original do

mesmo, e o mecanismo técnico para representar essa provisória “menos valia” do valor do direito é a constituição de uma Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa, a “PDD” no jargão de finanças e contabilidade. E o que é a PDD senão um exercício de julgamento, um fruto de análise, ao fim e ao cabo, eminentemente subjetiva, um juízo de valor? (...) o ativo imobilizado operacional de uma empresa industrial, com custo precisamente determinável e tangibilidade acima de qualquer suspeita, apresenta-se pelo seu valor líquido de uma depreciação calculada de forma absoluta e extraordinariamente subjetiva (o que não quer dizer aleatória nem desprovida de sustentação econômica, mas ao mesmo tempo não a torna um valor único e indiscutível). (...) E por essa vereda sobram poucos, de fato pouquíssimos itens efetivamente exatos na mensuração final refletida nas demonstrações financeiras, o que implica em reconhecer que a miopia da exatidão nas mesmas – exatidão inexistente – se corrige com o entendimento de que

168

elas são somatórios de julgamentos, de subjetividades, de juízos de valor (...).169 (g.n.)

COMPARATO, em obra publicada em 1977, também expõe o viés subjetivo da Ciência Contábil ao colocar em xeque a suposta exatidão matemática dos balanços:

A exatidão matemática dos balanços, que o vulgo contempla admirativamente, é mera coerência interna e recíproca de lançamentos em partidas dobradas, simples exatidão formal. Mas entre a realidade econômica e a sua tradução contábil interfere, necessariamente, um juízo de valor, uma estimativa axiológica, cuja imprecisão e contestabilidade jamais poderão ser suprimidas, porque inerentes ao próprio processo de reconhecimento. A verdade contábil é, pois, simplesmente relativa. O lucro de balanço, por exemplo, é uma realidade meramente contábil e abstrata (...).170

De fato, conforme mencionado por esses autores, uma análise mais apurada sobre as demonstrações contábeis de uma empresa revelaria que a maior parte dos valores ali contidos não se tratam de valores precisos e indiscutíveis mas sim do exercício do subjetivismo, a ser utilizado de forma responsável pelos contabilistas, baseados nas informações que são disponibilizadas.

Ainda que o subjetivismo já existisse na prática contábil brasileira antes da edição da Lei 11.638/07, seria possível afirmar que sua utilização aumentou consideravelmente desde a harmonização às regras contábeis internacionais, em virtude do subjetivismo ser fundamental para a aplicação do princípio da primazia da essência sobre a forma e da nova filosofia contábil de normas baseadas em princípios, em detrimento do modelo anterior, de normas baseadas em regras.

A alteração da filosofia contábil brasileira causou impactos teóricos, por meio da remodelação da ciência contábil como um todo, e também práticos, uma vez que passou a exigir dos operadores da contabilidade uma maior capacidade de julgamento.

Como apontado por ROCHA171 na introdução do Manual de Normas Internacionais de Contabilidade, a “deslegalização contábil” iniciada com a edição da Lei 11.638/07 deve ser considerada um dos principais desafios do novo regime. Conforme já demonstrado, o modelo brasileiro sempre sofreu forte influência do ambiente tributário por ser fortemente baseado em regras pré-definidas, ao passo que as normas IFRS são tradicionalmente baseadas em princípios, menos detalhadas e

169

Idem. p. 374-375.

170

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1977. pp. 32-33

171

ROCHA, Sérgio André. As Normas de Convergência Contábeis e seus Reflexos para os Contribuintes. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (Coords.). Controvérsias Jurídico-contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 2º Volume. São Paulo: Dialética, 2011. p. 281.

com grande ênfase na substância econômica das operações e no exercício do julgamento.

Além disso, com a crescente necessidade de um poder preditivo172 das informações contábeis, o princípio da objetividade contábil (quando a ação dos contabilistas era orientada estritamente por leis tributárias e normas fiscais), passou a ser substituído pelo “subjetivismo responsável”, termo cunhado por IUDÍCIBUS173 para se referir à utilização responsável e ponderada do princípio da primazia da essência sobre a forma, uma vez que esta somente poderia ser aplicada na prática com o exercício individual do subjetivismo de cada contabilista.

Para IUDÍCIBUS174 a aplicação responsável do subjetivismo significaria desvendar a incerteza na parcela que se apresenta como risco calculável, utilizando as técnicas de previsão, quantitativas e de análise mais avançadas.

Dessa forma, critérios objetivos até então utilizados como fundamentos da contabilidade fiscal como, por exemplo, o "custo histórico como base do valor" e os “critérios fiscais de depreciação”, passaram a ser substituídos por critérios mais subjetivos, que variam de acordo com a realidade de cada empresa e partem do julgamento dos contabilistas, privilegiando a essência econômica dos fatos.

Outline

Documentos relacionados