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A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS NO BRASIL

3. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NO BRASIL

3.1. A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS NO BRASIL

Considerada uma das mais importantes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica, ultrapassando-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, diante do qual Constituição era vista como um documento essencialmente político, um mero convite à atuação dos Poderes Públicos.

A realização de suas “propostas” ficava invariavelmente condicionada à liberdade do Poder Legislativo aos juízos de oportunidade e conveniência (discricionariedade) do Poder Executivo e, ao Judiciário, não se via papel relevante na concretização do conteúdo da Constituição.

Tal sorte, coube à Constituição de 1988, a partir de sua promulgação, o mérito de romper com a posição mais antiga, evoluindo para uma verdadeira norma de superior hierarquia, como se entende hoje cediço na jurisprudência e doutrina brasileiras.

A normatividade dos princípios e sua diferença essencial das regras adveio com o chamado “pós-positivismo”. Os princípios traduzem como normas, portanto cogentes, valores ou fins a serem realizados pelo ordenamento do direito. Já as regras são comandos imediatamente imperativos de condutas específicas após ocorrência de certo evento da natureza, colhido como fato jurídico por uma autoridade competente.

Luiz Roberto Barroso39, com sua didática reconhecida, escreveu que à luz de tais premissas, “toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior.”

O atual Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em seu festejado artigo sobre Neoconstitucionalismo bem explicou que Constituição se aplica de duas maneiras básicas: direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional, como cumprimento da imunidade tributária (art. 150, VI) ou de reconhecimento de nulidade de uma prova

39 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Teresina, 1 nov. 2005. <Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7547>

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obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI); ou indireta, na medida em que a pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional: (a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, para ter validade jurídica e poder incidir e (b) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.

E resumo, o autor expressa que a Constituição Federal figura desde 1988 no epicentro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.

Por esse caminho, o professor da UFRN, Leonardo Martins40, explicou exaustivamente o que denominou de vínculo do Legislativo, do Executivo e do Judiciário quando se trata de normas de direitos fundamentais. As normas introdutoras de garantias fundamentais vinculam a atuação inclusive do Poder Judiciário, diminuindo-se bastante o âmbito interpretativo do julgador, o qual deve aplicar, sem muita margem a exata determinação da norma de direito fundamental.

A demonstrada “constitucionalização” do direito, no entanto, é obra precípua da jurisdição constitucional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma for a Constituição Federal. Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas41, como para qualquer norma, nesse sentido, se opondo Leonardo Martins a Barroso, no que tange especificamente às normas de direito fundamental. Aqui, tendendo-se a concordância com o professor carioca, vez que, por imperativo lógico e linguístico, todo texto cabe interpretações e como toda norma advém de um texto normativo, mesmo que tenha por conteúdo uma garantia fundamental, mesmo em se tratar de algo materialmente mais “importante”, cabe a interpretação como toda e qualquer norma.

40 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional. Leitura jurídico dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo, Atlas, 2012, p. 65-116.

41Quais sejam: a) o reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis; b) a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis; c) a declaração da inconstitucionalidade por omissão, com a consequente convocação à atuação do legislador; d) a interpretação conforme a Constituição.

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Gilmar Ferreira Mendes42 na tradução de “A força normativa da Constituição” de Konrad Hesse, trouxe a valorosa contribuição de que a Constituição Federal atualmente é alicerce tão poderoso (e desse poder normativo não se exclui os princípios), que de certa forma modifica a realidade e não é fruto da realidade - como defendia Ferdinand Lassale, autor objeto de contraponto do livro de Hesse, este o qual se posicionou de modo acachapante:

A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade. El logra despertar “a força que reside na natureza das coisas”, tornando-a ativa. Ela própria converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social. Essa força impõe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição, quanto mais forte mostrar-se essa convicção entre os principais responsáveis pela vida constitucional. Portanto, a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma questão de vontade normativa de vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).

Voltando ao corte dos princípios, os quais compõem a Constituição juntos com as regras, sempre importante citar Paulo de Barros Carvalho43, o qual lecionando sobre a amplitude semântica do vocábulo "principio", realçou que “no campo das significações, o uso do signo "princípio" oferece farta variedade conotativa, de tal sorte que alcança todas as circunscrições de objetos, atuando nas quatro regiões ônticas”.44

Nessa esteira, há até quem entenda, como o professor Leonardo Martins45 que “a distinção estrutural qualitativa entre regras e princípios, é destituída de fundamento jurídico-dogmático e também justeórico, principalmente em face da tradição continental europeia das fontes do direito”. Para o autor, “seu alto poder de sedução reside em sua abertura à argumentação jurídica e à capacidade de apresentar um esquema apto a

42HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.

43CARVALHO, Paulo de Barros. Os Princípios Constitucionais Tributários no Sistema Positivo Brasileiro.

Curso de Iniciação em Direito Tributário. São Paulo: Noeses. p. 4.

44De maneira mais aprofundada explica o autor paulista, Professor Titular e Emérito da PUC e da USP: “É

uma palavra que frequenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o "inicio", o "ponto de origem", o "ponto de partida", a "hipótese-limite" escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações filosóficas ("ser", "não-ser", "vir-a-ser" e "dever-ser"), além do que tem presença obrigatória ali onde qualquer teoria nutrir pretensões cientificas, pois, toda a ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados).”

45 Liberdade e Estado constitucional. Leitura jurídico dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo, Atlas, 2012, p. 65.

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“explicar” qualquer decisão judicial que envolva situações normativo-constitucionais de conflito”.

Por isso, aqui se entende tão importante a Constituição ter positivado as normas de ordem principiológica em artigos próprios para isso como os seus artigos 5º e o 37, que, voltando-se aos desígnios do presente estudo, introduzem ao princípio da eficiência como natureza normativa.

Contudo, tomando-se em conta o ponto de vista dogmático, a partir das estruturas normativas existentes aqui e agora, que se projetam sobre a realidade social para ordená-la, no que tange as relações interpessoais que nela se estabelecem, canalizando o fluxo das condutas em direção a certos valores que a sociedade anela e quer implantados, sem dúvidas, compreende-se aqui nos mesmos termos dos eminentes professores que princípios são normas jurídicas carregadas de forte conotação axiológica e que são cogentes.

São normas jurídicas do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo direta e vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica, de tal modo que são detidos de total “juridicidade”.

Em lição de Vladmir da Rocha França, “princípio da juridicidade é fundamental para o regime jurídico-administrativo, pois o sistema do direito positivo é, simultaneamente, condição e fundamento da atividade administrativa”. No tema, arremata explanando que “toda a atividade administrativa se sujeita aos princípios e regras do ordenamento jurídico”.46

Nessa mesma linha, verifica-se que a própria Constituição47 expressamente se refere a princípio com o verbo “reger” logo no primeiro artigo constitucional que utiliza tal palavra. Reger é expressão48que vem do que é regente, rei, superior, algo com força cogente, logo a vontade constitucional é de que o princípio tenha regência (poder de reger)

46 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Considerações sobre o dever de motivação dos atos administrativos ampliativos.

Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 44 n. 174 abr./jun. 2007.

47 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:.

48Dicionário Priberam:

“1. Ter o poder administrativo de um território. = administrar, dirigir, governar;2. Ter poder sobre. = dominar;3. Ser professor de. = ensinar, lecionar, professar;4. Ser o princípio ou critério pelo que se segue o comportamento ou a aç ão. = dirigir, governar, guiar, orientar;(...)7. Exercer a regência de um reino em caso de menoridade ou ausência do r ei.” "Reger", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/reger>. Acesso em: 15-10-2017 e Dicionário Dicio: “Governar; reinar ou exercer o ofício de rei, de chefe; ter a responsabilidade de guiar ou de direcionar o funcionamento de uma instituição, país etc.: regia uma organização de caridade; regia um país; os reis eram os responsáveis por reger.” "Reger", in Dicionário Ricio da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/reger/>. Acesso em: 15-10-2017.

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sobre o Estado e a sociedade brasileira, não obstante a Norma Suprema se refere à palavra

princípio por 28 vezes.49

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