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1. IN NUCE: UMA INTRODUÇÃO

1.2 Problemática

1.2.2 Norteadores da pesquisa

Partimos de algumas premissas7 que representam, para nós, aspectos ideais evidentes – como

diversidade social é boa (e capitaneiam nossa busca de vitalidade urbana) – ou mesmo verdades óbvias – como, existe uma lógica social do espaço, e da arquitetura, ao passo que a arquitetura estrutura o sistema onde vivemos e por onde nos movemos.

No entanto, não as apresentamos como axiomas8 porque, mesmo que claros no nosso

entendimento, não são aceitos como verdades por todos. Por exemplo, sobre diversidade social, em observações no dia a dia é comum escutar pessoas citando que não vão para lugares porque não gostam de “se misturar”, e que “se misturar” é (obviamente) ruim. Sobre arquitetura, mesmo que impregnada no nosso dia, relações entre espaço e sociedade parece ainda ser entendida de modo precário9, e assim prevalece uma vacilação a quão a arquitetura é intrínseca

a atividades sociais. A dificuldade de entender relações entre vida social e arquitetura, e como se influenciam mutuamente, parece atrelado a uma dificuldade fundamental do campo da arquitetura de encontrar uma linguagem para representar, apresentar e analisar o espaço (HILLIER, 1996; HILLIER; HANSON, 1984; TRIGUEIRO, 2012) e repercute em uma dificuldade de identificar e discutir lógicas entre arquitetura e sociedade.

Valemo-nos do aparato teórico-metodológico da Lógica Social do Espaço - ou Sintaxe do Espaço - como oferecendo uma linguagem para representar, analisar e descrever o espaço e assim facilitar encontrar nexos com a vida social.

Apresentamos resumidamente ideias que apoiam nossas premissas (serão aprofundadas no capítulo A priori) apontando na direção dos caminhos adotados na investigação, seguindo para achados gerais e, no próximo tópico, a estrutura da tese.

Vitalidade urbana é relacionada a um conjunto de qualidades de um assentamento que concentra múltiplas atividades e relações econômicas, ou, um conjunto de qualidades sociais e

7 “s.f. Proposição; fato inicial a partir do qual se inicia um raciocínio ou um estudo: partiram da premissa de que

toda criança tem direitos.” Dicionário de língua portuguesa (http://www.dicio.com.br/), acesso em dezembro, 2015;

8 “s.m. Evidência cuja comprovação é dispensável por ser óbvia; princípio evidente por si mesmo.” Dicionário de

língua portuguesa (http://www.dicio.com.br/), acesso em dezembro, 2015;

9 Como apontado por Hillier & Hanson no prefacio de abertura do livro The Social Logic of Space (1984), que

então apresentou uma nova maneira de análise espacial e de como relacioná-la à vida social, e se alinha ao enfoque desta tese.

microeconômicas das cidades (NETTO; VARGAS; SABOYA, 2012, p. 261). Jane Jacobs (1996) focou a noção de vitalidade urbana ligada às interações sociais que acontecem na cidade, entendendo-a como uma “qualidade vibrante” de cidades. Jan Gehl (2010, p. 63) destacou que o importante para a vida de cidades não é apenas a existência de pessoas no espaço público, mas o senso de que espaços são convidativos e acolhedores a uma diversidade de pessoas. De maneira complementar, o termo ‘urbanidade’ é empregado de maneira aproximada ao de vitalidade urbana, relacionando-se a espaços de maior cordialidade e tolerância entre pessoas diferentes (Holanda, 2002; 2010a; 2013).

Entendemos que a vida social é o aspecto mais importante da esfera pública (SENNET, 2008), e que o espaço público é um bem essencial de sociedades urbanas. A exposição a esferas de maior diversidade social é importante por ajudar na habilidade das pessoas se adaptarem a mudanças (HALL, 2012, 2010). Compartilhar o espaço público com outros é um ato essencial de “ser na/em sociedade” (LEGEBY, 2013, p. 1). Relações entre pessoas diversas (laços fracos10) criam pontes fora de círculos fechados, interpretados como importante para uma

melhor comunicação, interação e articulação em sociedades, caracterizando comunidades com mais capital social positivo (GRANOVETTER, 1973). Capital social se refere aos, assim esperados, benefícios mútuos da cooperação entre indivíduos (MATOS, 2009; KEELEY, 2007), contribuindo para uma sociedade mais tolerante, democrática e politicamente engajada (PUTNAM, 1995). Assim, a existência de espaços de reconhecimento mútuo11 entre pessoas de

perfis diversos no espaço público é interpretada como um recurso cultural das cidades (HILLIER, 1996; PEPONIS, 1989).

Apesar dos benefícios de maior mistura entre pessoas diversas presenciamos a separação de classes sociais, com a reclusão e segregação de grupos menos favorecidos em certos espaços, que dificulta a sua inserção na sociedade como um todo (VAUGHAN & PENN, 2005). A segregação também impacta em padrões de mobilidade (HOLANDA, 2000; MORAIS, 2010), resultando em poucas esferas de copresença entre diferentes (NETTO et al 2015). Em Natal existe uma polaridade entre um norte (e oeste) menos privilegiado economicamente e um sul (e leste) mais privilegiado (MEDEIROS, 2013a; MORAIS, 2010; SILVA, 2003, CARMO, 2014).

10 Laços fracos (weak ties) são estabelecidos com pequena constância de encontros, entre pessoas de grupos

diversos, em oposição a laços fortes (strong ties), que apresentam maior constância de contatos, como os familiares. Serão retomados no Capítulo 2.1 – Sociedade.

11 Reconhecimento mútuo de pessoas em espaços continuamente acessíveis (cf URRY, 2002), que foi chamado de

Por outro lado, em relação a usos em praias, atributos naturais são importantes pelo seu poder de restauração no cotidiano da população (KAPLAN, KAPLAN & RYAN, 1998). Por outro lado, usos e percepção em praias também foram interpretados como importantes para a manutenção desses espaços (BRETON et al. 2006). A valorização e a existência de vínculos afetivos das pessoas com frágeis áreas urbanas foram destacadas como fundamentais para a sua manutenção; à medida que as pessoas usam um espaço regularmente, elas tendem a agir positivamente na sua manutenção (ELALI, VELOSO, 2006; MELLO, 2008).

Assim, vitalidade urbana importa. As praias estudo de caso têm pontos em comum que foram constatadas de partida - e assim compuseram motivos de sua escolha com estudos de caso -, são intensamente usadas, apontadas pela inserção na cidade, as funções das estruturas de lazer, e observações e vivências pessoais. Assim, a nossa investigação de vitalidade urbana investiga e compara aspectos da nossa problemática que mais pareciam contrastar na vida social das praias, nos termos:

- Diversidade social: compartilhar o espaço público com outros é um ato essencial de ser em sociedade e benéfico para a construção de uma sociedade mais tolerante e democrática; a diversidade social é investigada pela distribuição de pessoas de perfis diversos, principalmente em termos de idade, local de moradia, escolaridade, etc.; - avaliação favorável revela cenários de maior tolerância e aponta para a manutenção da capacidade restauradora das praias, contribuindo para sua valorização; refere-se a imagens ambientais e avaliações positivas (e que demonstram menos vulnerabilidade) das praias;

- familiaridade: Esta categoria de análise diz respeito a se as pessoas utilizam regularmente as praias e estabelecem vínculos com a área. A familiaridade é interpretada como estratégia para a manutenção de ambientes urbanos frágeis; investigada em termos de frequência e tempo de uso.

Características da arquitetura são interpretadas como estimulantes ou facilitadoras de tais qualidades. Como a expressão recorrentemente usada por Bill Hillier na Inglaterra “o espaço une o que a sociedade dividiu” (HANSON; HILLIER, 1987, grifo nosso), se alinha ao que achamos que deveria acontecer em espaços públicos da cidade, e seguimos à procura de atributos capazes de contribuir para tal união. De maneira complementar o espaço e o desenho urbano deveriam servir como um recurso cultural que “pode assumir a função de reintegrar a sociedade como um todo” (PEPONIS, 1989, p. 106), unindo pessoas e ideias.

Arquitetura representa todos os espaços físicos em que a sociedade se realiza, entendendo que qualquer espaço intencionalmente produzido, toda construção social é arquitetônica (KOHLSDORF, 1996, p.18), tendo como atenção “todo e qualquer lugar produzido ou apropriado pelos humanos” (HOLANDA, 2013, p. 40). Arquitetura importa, porque informa, configura e estrutura possíveis campos de movimento e de encontros, e pode ajudar a unir, ou apartar, pessoas. Nesta tese arquitetura é interpretada pelos ‘cheios’ (conjunto construído) e os ‘vazios’ (configuração espacial).

Estudos relacionaram características do conjunto construído à vitalidade urbana, Jane Jacobs (1992) elencou, dentre outros, a diversidade de usos do solo e tipos construídos, atraindo pessoas diversas em atividades distintas, exercendo funções que podem se complementar, e se beneficiar mutuamente. A autora também destacou a existência de fortes interfaces entre espaços públicos e privados contribuindo para maior vigilância natural, ou “olhos na rua” (JACOBS, 1992), interfaces mais fortes caracterizam espaços de maior animação e sensação de segurança (FERRAZ, 2008; PAULA, 2010; TRIGUEIRO, 2012; VAN NES; LÓPEZ, 2007; VAUGHAN; DHANANI; GRIFFITHS, 2013). Estudos também ressaltaram que espaços bem articulados ao entorno, com maior continuidade, facilitam a movimentação de pedestres e a ocorrência de interações sociais de maior qualidade e quantidade, enriquecendo o senso de comunidade (APPLEYARD; LINTELL, 1969).

A configuração espacial funciona como um mecanismo para gerar contato (HILLIER, 1996), correlacionando-se com fluxos reais na cidade (PENN, 2001). O espaço configura hierarquias de movimento potencial, interpretadas por tipos de acessibilidade topológica, como aqueles que representam movimentos potenciais entre lugares (choice, ou escolha, intermediação) e movimentos potenciais para lugares (integração) em abrangências diversas (no mapa axial12 e

no mapa angular de segmentos13 ASA (HILLIER, 2009). Espaços mais rasos apresentam mais

movimento potencial; atividades se localizam no sistema para tirar proveito de tal movimento e por si atraem mais fluxos (ciclo do movimento natural, HILLIER, 1996), e renovações edilícias (TRIGUEIRO; MEDEIROS, 2003). Estudos descrevem a contínua localização de grupos menos favorecidos economicamente em espaços mais remotos (VAUGHAN, 2007; VAUGHAN et al., 2005; VAUGHAN; ARBACI, 2011). Por outro lado maior mistura social

12 Raios topológicos, abrangências das análises limitam-se a níveis de profundidade, ou mudanças de direção (mapa

axial).

13 Raios métricos são limitados a uma abrangência métrica, utilizado no mapa de segmentos e, especificamente,

tende a acontecer em espaços melhor conectados e mais acessíveis (CARPENTER, PEPONIS, 2010). Espaços de maior sincronia entre níveis de integração local e global (mapa axial) - confluência entre raios topológicos – foram interpretados como mais legíveis (MEDEIROS, 2013b), funcionando bem como sistemas independentes (PERDIKOGIANNI; PENN, 2005). Análises apontaram que lugares com sobreposição entre tipos de acessibilidades (integração e choice, análise angular de segmentos, ASA) por abrangências métricas caracterizaram copresenças potenciais, apresentando mistura de funções, com interdependência entre viagens e atividades diversas (DHANANI; VAUGHAN, 2013; VAUGHAN; DHANANI; GRIFFITHS, 2013). Vizinhanças onde tais acessibilidades14 em diferentes abrangências coincidem foram

relacionadas a uma melhor inserção num contexto maior (YANG, TURNER, 2012; AL- GHATAM, 2015).

No geral, estudos apontam que nenhuma variável por si só pode “explicar” vitalidade urbana, mas sim a inter-relação entre características da arquitetura, apontando para a interpretação da cidade como um ‘problema em complexidade organizada’ (JACOBS, 2002).

Estudos focando a configuração espacial, alinhados à Lógica Social do Espaço (LSE), apontam seu papel em moldar campos de movimento, copresença e encontros. No entanto, na maioria das vezes tais estudos vislumbram a vida social em termos de fluxos, ou de quantidades de pessoas no espaço, e dificilmente caracterizam perfis dos usuários, e suas visões. Por outo lado, estudos sobre usos em praias e em ambientes urbanos frágeis (como da sociologia e da percepção ambiental), focam em perfis de usuários e visões, mas poucas vezes relacionam-nos com morfologias da arquitetura.

Assim, esta tese trata de nexos entre arquitetura e sociedade, na busca por qualidades de vitalidade urbana nas praias, investigadas em termos de diversidade social, tolerada de modo pacífico, onde as pessoas estabelecem vínculos com a área. As questões norteadoras da tese são:

(a) Qual a natureza da arquitetura das três praias? Há fatores de diferenciação e recorrências (em termos de configuração espacial e conjunto construído)?

14 Medidas normalizadas de choice e integração foram apresentadas para comparar sistemas de tamanhos diversos

(b) Maneiras distintas de vida social podem ser observadas em cada praia isoladamente ou comparativamente entre as três praias?

(c) Existem lógicas recorrentes ligando vida social ou grupos sociais à arquitetura? (d) Existem espaços com maior vitalidade urbana? Quais são as variáveis arquitetônicas ali existentes e como se relacionam?

A nossa ideia central é que existem inter-relações entre arquitetura e vida social nas praias, e que visões gerais sobre as praias têm a ver com arquitetura, possibilitando identificar combinações de características arquitetônicas que facilitam, ou dificultam, vitalidade urbana. Relações arquitetura-sociedade identificados em estudos de referência foram tomados como desdobramentos da ideia central:

(i) Áreas acessíveis topologicamente, ou mais centrais no sistema, apresentam mais mistura social (CARPENTER; PEPONIS, 2010); áreas mais remotas da cidade tendem a ser redutos de grupos menos favorecidos economicamente (cf VAUGHAN et al., 2005; CARMO, 2014);

(ii) Vizinhanças melhor inseridas no entorno, onde rotas são potencialmente usadas para diversos tipos de fluxos (entre e para lugares) de maneira abrangente têm maior mistura de funções, atividades e pessoas (DHANANI; VAUGHAN, 2013; AL- GHATAM, 2015; YANG, HILLIER, 2012);

(iii) Interfaces fortes entre espaços públicos e privados e diversidade de usos do solo contribuem para maior animação urbana (MELLO, 2008; VAN NES, 2009) (iv) Lugares com continuidade para pedestres reforçam o senso de comunidade e

avaliações favoráveis (ANCIAES et al., 2014; APPLEYARD; LINTELL, 1969). A tese avança no entendimento de nexos entre arquitetura e sociedade em espaços públicos, especialmente em praias urbanas, tendo por base estudos de caso Redinha, Praia do Meio e Ponta Negra, em Natal. A análise revelou que nexos caracterizaram situações mais próximas ou distantes de cenários ideais de vitalidade urbana, de modo que variáveis arquitetônicas que contribuem para vitalidade urbana foram identificadas.

Especificamente a tese permitiu - entender relações entre configuração espacial e conjunto construído nas praias; - caracterizar diferenças e recorrências na arquitetura das praias; - refletir

sobre as praias enquanto lócus de socialização da cidade; e - contribuir para aprofundar o conhecimento entre arquitetura e sociedade.

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