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3.3 Contribuições para o Direito Administrativo brasileiro

3.3.4 Novas formas de parceria entre o Estado e os particulares

A reforma da década de 1990 propiciou também a transferência de serviços públicos passíveis de cobrança de taxas ou de tarifas, antes prestados pelo Estado. Tratam-se, segundo a classificação de Bresser Pereira, de atividade estatal voltada para a produção de bens e serviços para o mercado, para o qual propõe a privatização, salvo algumas exceções (1998, p. 260-261).

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Visando a desonerar a Administração Pública e a alcançar um equilíbrio fiscal, a reforma estabeleceu diversos mecanismos de parceria com os particulares, que passariam a exercer essas atividades sob a regulamentação Estatal. Como pressuposto dessa transferência da prestação dos serviços, foi necessária a privatização de setores econômicos, antes prestados pelo Estado por meio de empresas estatais, e a regulamentação por meio das agências reguladoras.

Nesse contexto, foram reguladas as concessões e permissões de serviços públicos, por meio da Lei 8.987/1995, e, em momento posterior, as parcerias público-privadas, por meio da Lei 11.079/2004, ora objeto de estudo.

4 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: ASPECTOS LEGAIS

Conforme explanado, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) foram criadas como uma nova forma de atuação do Estado, desenvolvidas dentro do novo perfil dado à Administração Pública pela reforma da década de 1990. Têm como objetivo atrair o setor privado, por meio da repartição dos riscos com a Administração, para investimentos em projetos de grandes custos e de alta complexidade, de cujos recursos necessários não dispõe o Estado.

As PPPs tiveram sua regulamentação geral estabelecida pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu normas básicas para licitação e para contratação dessa modalidade de concessão. A competência da União para legislar sobre as parcerias público- privadas, no entanto, restringe-se às normas gerais, conforme preceitua o art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, deixando para os entes federativos a regulamentação específica. A referida lei, ao classificar as PPPs como modalidade de concessão (art. 2º, caput), estabelece, em seu art. 3º, caput e §1º, a aplicação subsidiária da Lei 8.987/1995, que regula as concessões e as permissões de serviços públicos.

Embora se tratem nominalmente de modalidades de concessões, as peculiaridades dos contratos de parceria público-privada requeriam instrumento normativo próprio, além da Lei de Concessões referida. Segundo Carlos Ari Sundfeld, existiam pelo menos duas razões que reivindicavam a regulamentação das PPPs, a citar:

Em primeiro lugar, normas disciplinando o oferecimento, pelo concedente a concessionários de serviço ou de obra pública, de garantia de pagamento de adicional de tarifa. [...] Em segundo lugar, era preciso criar condições jurídicas para a celebração de outros contratos em que, à semelhança das concessões tradicionais, os particulares assumissem os encargos de investir e de implantar infra-estrutura estatal e depois mantê-la, fazendo-a cumprir seus fins, sendo remunerados em prazo longo. (SUNDFELD in SUNDFELD, 2005, p. 21).

Para Bruno Miragem (2011, p. 125), no entanto, além do reforço nas garantias oferecidas pelo parceiro público, a necessidade de legislação específica para as PPPs reside nos valores dos projetos a serem desenvolvidos.

A adoção desse modelo de contratação revela a aproximação entre os administrados e a Administração Pública, que passa a ver no setor privado um parceiro imprescindível para a consecução do fim público, corroborando, portanto, com os objetivos da reforma administrativa já explanada. A necessidade dessa parceria, por sua vez, foi fundamentada na escassez de recursos financeiros e técnicos do Estado para elaboração de grandes projetos essenciais ao desenvolvimento do País.

Ainda quanto à necessidade da parceria entre os setores público e privado que justificou a implantação das PPPs no Brasil, Gustavo Justino Oliveira aponta um panorama mais amplo, indicando:

(I) a alta complexidade do objeto, execução e acompanhamento do ajuste, (II) elevado nível de riscos a serem enfrentados pelos parceiros, em função do montante dos recursos financeiros envolvidos, das incertezas sobre os custos de construção e de operação e das dúvidas atinentes aos rendimentos a serem alcançados, (III) estabelecimento de garantias especiais conferidas pelo parcerio público ao parceiro privado, destinadas a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela Administração, e (IV) dificuldade em atingir-se – em sede contratual – a ótima regulação dos interesses em jogo, quais sejam, os do parceiro público, do parceiro privado e da coletividade em geral. (OLIVEIRA, 2010, p. 22).

Inseridas no contexto de concessões aos particulares de serviços e obras públicas, as PPPs foram concebidas também como um meio de concretização do princípio da eficiência da Administração, uma vez que são baseadas na ideia de que os agentes privados teriam “mais habilidade que o Estado para desempenhar tarefas que estariam, assim, fora do escopo de atuação do Poder Público” (COUTINHO in SUNDFELD, 2005, p. 50-51). Nesse sentido, a própria Lei das PPPs deixa clara a preocupação com a eficiência, ao estabelecê-la, em seu art. 4º, inciso I, como uma de suas diretrizes.

É notório que, embora as PPPs tenham sido reguladas quase uma década após o início da reforma administrativa dos anos 1990, inserem-se no programa desta, possibilitando maior participação do setor privado, a quem se credita maior eficiência, por meio da transferência da execução de atividades antes próprias do setor público. Ao estabelecer as diretrizes das parcerias em comento, o art. 4º da Lei nº 11.079/2004 denota a subsunção das PPPs ao perfil da Administração Pública gerencial:

Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;

II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;

III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;

IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; V – transparência dos procedimentos e das decisões;

VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;

VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria. (BRASIL, 2004)

Ressalta-se, portanto, a preocupação com o ajuste fiscal (incisos IV e VII), com os interesses dos cidadãos (incisos II e V) e com a já mencionada eficiência (inciso I), marcas da reforma administrativa da década de 1990. As funções típicas de Estado, no entanto, continuam indelegáveis aos particulares (inciso III).