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Repositório Institucional UFC: Reforma administrativa e parcerias público-privadas: contribuições para os direitos fundamentais

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

PAULO VICTOR PINHEIRO DE SANTANA

REFORMA ADMINISTRATIVA E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: CONTRIBUIÇÕES PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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PAULO VICTOR PINHEIRO DE SANTANA

REFORMA ADMINISTRATIVA E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: CONTRIBUIÇÕES PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenadoria Acadêmica do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. William Paiva Marques Júnior

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REFORMA ADMINISTRATIVA E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: CONTRIBUIÇÕES PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenadoria Acadêmica de Graduação de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito

Aprovada em ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Ms. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará-UFC

___________________________________________ Prof. José Adriano Pinto

Universidade Federal do Ceará-UFC

___________________________________________ Alisson José Maia Melo (mestrando)

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Primeiramente, ao Prof. William, por todo o tempo, a paciência e a dedicação na orientação deste trabalho. Também ao Prof. Adriano Pinto e ao mestrando Alisson, que aceitaram compor a banca examinadora, e ao Prof. Gustavo Raposo, por sua importante contribuição na cadeira de Pesquisa Jurídica.

Ao meu pai, à minha mãe e aos meus irmãos, Júnior, Renata e Cacá, pela compreensão e pela paciência diante da minha ausência, irritação e nervosismo nos últimos meses, bem como por todo o apoio durante o curso de Direito e na vida.

Aos meus amigos e amigas, presentes ou apenas on line, pelo constante incentivo, dicas e revisões sobre a monografia e pelos raros, porém necessários, momentos de descontração nos últimos meses.

À Simulação da Organização das Nações Unidas – SONU – e a todos que a compõe, por me ajudar a contribuir para o crescimento do projeto e para a melhoria da Faculdade de Direito, comprovando que a instituição é feita pela força de vontade daqueles que a compõe, e por despertar o interesse pela pesquisa jurídica.

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It is true that we cannot be visionaries until we become realists. It is also true that to

become realists we must make ourselves into visionaries.”

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A reforma administrativa realizada no Brasil na década de 1990 modificou profundamente o Direito Administrativo brasileiro, inserindo elementos de administração gerencial. Como uma de suas principais contribuições, propiciou uma Administração Pública mais eficiente, mais voltada para os interesses dos cidadãos e mais participativa. Um dos importantes institutos criados com base nos objetivos da reforma foram as parcerias público-privadas, modalidade especial de concessão de serviços públicos caracterizada pela divisão de riscos e oferta de garantias públicas extras, visando a atrair o setor privado para a realização de projetos essenciais ao desenvolvimento do País. Analisando-se a reforma e as parcerias público-privadas em cotejo com a teoria dos direitos fundamentais, verificam-se importantes contribuições daqueles para a concretização dos referidos direitos, fundamentos do Estado brasileiro e cuja expressão máxima é a dignidade da pessoa humana.

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The administrative reform which was made in Brazil during the 1990s changed Brazilian Administrative Law deeply, inserting elements from management into the Public Administration. Among its main contributions, the reform provided a more efficient Public Administration, more concerned with citizens’ interests and more participatory. One of the creations based on the reform’s goals are the public-private partnerships, a special kind of public service concession, characterized by the risk sharing and by the offer of extra guarantees by the public partner, aiming to attract the private sector into projects essential to the country’s development. Analyzing the reform and the public-private partnerships in comparison with the fundamental rights theory, one can see important contributions to the achievement of those rights, which are the foundations of the Brazilian State and whose maximum expression is the human person’s dignity.

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1 INTRODUÇÃO ...9

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIMENSÕES, NATUREZA E EFICÁCIA ...12

2.1 Dimensões dos direitos fundamentais ...14

2.1.1 A primeira dimensão dos direitos fundamentais: direitos individuais ...16

2.1.2 A segunda dimensão dos direitos fundamentais: direitos sociais ...17

2.1.3 A terceira dimensão dos direitos fundamentais: direitos difusos e coletivos ...18

2.1.4 A quarta e a quinta dimensões dos direitos fundamentais ...19

2.2 A dupla natureza dos direitos fundamentais ...20

2.3 Eficácia dos direitos fundamentais ...22

2.4 Direitos fundamentais e Administração Pública ...24

3 REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1990: CONTEXTO HISTÓRICO, OBJETIVOS E CONTRIBUIÇÕES PARA O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ...25

3.1 Contexto histórico da reforma da década de 1990 ...27

3.2 Objetivos da reforma no Brasil ...29

3.3 Contribuições para o Direito Administrativo brasileiro ...32

3.3.1 Princípio da eficiência da Administração Pública ...33

3.3.2 Estado em rede ...34

3.3.3 Terceiro Setor e redefinição do espaço público ...36

3.3.4 Novas formas de parceria entre o Estado e os particulares ...36

4 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: ASPECTOS LEGAIS ...38

4.1 Conceito, características e modalidades de PPPs ...40

4.1.1 Concessão patrocinada ...42

4.1.2 Concessão administrativa ...43

4.2 Vedações e limitações às PPPs ...44

4.3 Formas de contraprestação e de garantias oferecidas ao parceiro privado ...46

4.4 Licitação das PPPs ...49

4.4.1 Exigências anteriores à licitação ...49

4.4.2 Procedimento licitatório das PPPs ...51

4.5 Sociedade de Propósito Específico (SPE) ...52

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5 REFORMA ADMINISTRATIVA E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: CONTRIBUIÇÕES

PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...55

5.1 Contribuições para a efetivação e para a garantia dos direitos fundamentais na reforma administrativa da década de 1990 ...57

5.1.1 Princípio da eficiência na prestação dos direitos fundamentais de segunda dimensão ...58

5.1.1 Expansão da participação cidadã e os direitos fundamentais de quarta dimensão ...60

5.2 Contribuições para a efetivação e para a garantia dos direitos fundamentais nas PPPs ...63

5.2.1 Mecanismos de participação popular na formação das PPPs ...64

5.2.2 Efetivação dos direitos sociais e direito ao desenvolvimento por meio das PPPs ...67

6 CONCLUSÃO ...69

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1 INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 19/1998 foi o ápice no ordenamento jurídico brasileiro do que é tratado pela doutrina pátria como reforma administrativa da década de 1990. Como principal objetivo, a reforma buscou implantar um modelo de Administração Pública conhecido como “administração gerencial”, tomando por base o modelo anglo-saxão, fundado na participação dos cidadãos e na eficiência administrativa, conceito elevado à categoria de princípio constitucional, inserido no art. 37, caput da Constituição e, portanto, aplicável a toda a Administração Pública do País.

A reforma teve seu início já em 1995, no primeiro governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, sob o comando de Luis Carlos Bresser Pereira, então ministro de Estado, responsável pela pasta da Administração Federal e da Reforma do Estado.

Dentro de um contexto de práticas econômicas alinhadas com a doutrina neoliberal, de escassez de recursos públicos e de insatisfação generalizada com a atuação administrativa no País, Bresser Pereira afirma que era o fim da reforma “transitar de uma administração pública burocrática para a gerencial” (1998, p. 264), resumindo-a em apenas dois grandes objetivos, quais sejam, “a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal, particularmente nos estados e municípios, onde existe um claro problema de excesso de quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna a administração pública, voltando-a para o atendimento dos cidadãos” (1998, p. 257).

As inovações trazidas pela reforma em comento modificaram profundamente o Direito Administrativo pátrio, tornando a Administração Pública mais voltada para os interesses do cidadão, por meio da preocupação com a eficiência dos serviços prestados, e descentralizando a atuação do Estado, que passa a atuar em parceria com a sociedade civil, no que é tratado por Bruno Miragem como “compartilhamento da autoridade do Estado” (2011, p. 33), elemento do que a doutrina entende como Estado em rede (MEDAUAR, 2003, p. 99).

Dentre os novos institutos de Direito Administrativos criados pela reforma, citam-se: a concessão de serviços públicos, regulada pela Lei nº 8.987/1995; as agências reguladores, regidas por leis diversas1; as Organizações Sociais, por meio da Lei nº 9.637/1998; as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, por meio da Lei nº

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9.790/1999; as parcerias público-privadas, por meio da Lei nº 11.079/2004, e os consórcios públicos, por meio da Lei 11.107/2006.

Nessa perspectiva de busca de maior eficiência da Administração, almejada pela reforma da década de 1990, em contraponto com a alegada falta de recursos públicos, criou-se, importando modelos estrangeiros, as Parcerias Público-privadas (PPPs), disciplinadas, de forma geral, pela Lei 11.079/2004. Embora regulamentadas quase uma década após o início, as PPPS inserem-se no programa da reforma administrativa em questão, possibilitando maior participação do setor privado, a quem se credita maior eficiência, por meio da transferência da execução de atividades antes próprias do setor público.

Caracterizadas pela associação entre o poder público e a iniciativa privada para viabilizar o desenvolvimento de grandes projetos de infra-estrutura, as PPPs são modalidades específicas de contratos de concessão, como definido no art. 2º da referida lei. Distinguem-se, no entanto, das concessões comuns pela complementação de objetivos, divisão de riscos, regulação pelo poder público e financiamento e execução pela iniciativa privada.

Além de contar com a participação da sociedade civil por meio do parceiro privado, na execução direta do projeto, a lei das PPPs garante ainda outros instrumentos de atuação dos cidadãos, dos quais são citadas a realização obrigatória de consulta pública e a constituição de Sociedade de Propósito Específico, responsável pela implantação e pelo gerenciamento do projeto, a fim de garantir transparência e governança das PPPs.

Nesse sentido, as parcerias público-privadas se mostram como importante meio de prestação de serviços públicos e realização de grandes projetos necessários ao desenvolvimento do País, para os quais a Administração Pública não dispõe de capacidade técnica e que se revelam pouco atraentes para o setor privado. A oferta de contraprestações adicionais e garantias por parte do parceiro público, portanto, visam a atrair a iniciativa privada para os referidos projetos.

A reforma administrativa da década de 1990 e os institutos de Direito Administrativo por ela viabilizados foram criados já sob a égide da Constituição Federal de 1988, que, ao definir, em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, elege os direitos fundamentais como um de seus objetivos. O grande rol de direitos fundamentais assegurados pela Constituição e as dificuldades enfrentadas em sua concretização levaram a doutrina brasileira a longas discussões sobre sua eficácia ou sua efetividade, considerado um dos grandes desafios do Direito e do Estado brasileiro.

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objeto de estudo, busca-se aferir, especificamente, se a reforma administrativa da década de 1990 e o mecanismo de parceria público-privada, estabelecido pela Lei nº 11.079/2004, contribuem para a concretização dos direitos fundamentais.

Desta forma, a pesquisa ora apresentada buscará delimitar, primeiramente, a abrangência da expressão direitos fundamentais, definindo a tipo que de direitos se refere. Analisar-se-á, na sequência, o desenvolvimento histórico em dimensões dos direitos fundamentais, sua dupla natureza e a questão de sua eficácia e sua efetividade.

Em seguida, buscar-se-á contextualizar a reforma administrativa da década de 1990, apontando seus objetivos e suas contribuições para o Direito Administrativo brasileiro e para a forma de atuar da Administração Pública.

Em sequência, serão apresentados os aspectos legais das parcerias público-privadas, analisando-se as características, as modalidades, a forma de implantação, as limitações e as peculiaridades em relação às concessões comuns.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIMENSÕES, NATUREZA E EFICÁCIA

A análise dos direitos fundamentais requer, inicialmente, a delimitação do tema, por meio da distinção em face de outros conceitos. Indicar uma definição para os direitos fundamentais implica, portanto, diferenciá-los de conceitos tais como direitos humanos, direitos do homem e direitos da personalidade.

Longe de ser mera discussão acadêmica, a distinção entre os conceitos acima citados é essencial para definir o âmbito e os meios de aplicação, tendo reflexos diretos na eficácia de tais direitos. Neste trabalho, a distinção se faz necessária também a fim de delimitar o campo de pesquisa, que será restrito aos direitos fundamentais, conforme utilizado pela Constituição Federal de 1988.

A confusão terminológica se deve, principalmente, à falta de uniformidade na doutrina estrangeira, visto que no Brasil doutrinadores parecem convergir para o mesmo conceito quanto aos direitos fundamentais.

Em linhas gerais, afirma-se que os direitos fundamentais são aqueles que, garantidos pelo ordenamento jurídico positivo de um Estado e assegurados por uma tutela reforçada, propiciam a vida humana baseada no valor da dignidade humana. Nesse sentido, Konrad Hesse (apud BONAVIDES, 2009, p. 561) afirma serem os objetivos dos direitos fundamentais “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”. Corroborando o conceito apresentado, José Afonso da Silva (SILVA, J.A., 2007, p. 179) afirma serem os direitos fundamentais “situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”.

A principal diferença para o que se entende por direitos humanos seria, conforme definição dada acima, o reconhecimento dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico interno de um Estado, em geral no texto constitucional, ao passo que aqueles seriam declarados em documentos internacionais.

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determinando a atuação deste. Sarlet não exclui, no entanto, a possibilidade de que os direitos humanos previstos em documentos internacionais sejam assimilados pelo ordenamento jurídico de um país, passando à categoria de direitos fundamentais.

No caso do Brasil, a Constituição Federal expressamente prevê a possibilidade de assimilação por parte do ordenamento jurídico pátrio dos direitos previstos em tratados internacionais dos quais o País faça parte, conforme previsto no art. 5º, § 2º. Da mesma forma, garante a mesma eficácia daqueles previstos no texto constitucional aos direitos humanos presentes em tratados e convenções internacionais que sejam aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, de acordo com a redação do art.5º, § 3º, ambos os dispositivos inseridos no texto constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Dando prosseguimento à diferenciação em questão, Sarlet (2009, p. 30) equipara direitos do homem a direitos humanos, afirmando, com esteio na doutrina de Bruno Galindo, ser a distinção meramente didática, uma vez que ambos são inerentes à natureza humana, desde que o conteúdo de ambos seja o mesmo.

Quanto à distinção entre direitos fundamentais e direitos da personalidade, verifica-se que estes têm notada matriz privatista, sendo utilizada, sobretudo, no Direito Civil. Francisco Amaral (apud GONÇALVES, 2007, p. 154) define os direitos da personalidade como “direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”.

Em face do exposto, reitera-se o traço distintivo dos direitos fundamentais na sua positivação no ordenamento jurídico de um Estado, sendo consequência do exercício da soberania de um povo. Nesse sentido, afirma José Afonso da Silva (2007, p. 178), utilizando a expressão direitos fundamentais do homem:

A expressão direitos fundamentais do homem, como também já deixamos delineado com base em Pérez Luño, não significa esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação ao Estado ou autolimitação deste, mas limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem.

Como forma de exercício da soberania de um povo, os direitos fundamentais são produtos das lutas e das transformações sociais, o que evidencia sua característica de historicidade, tipicamente atribuída pela doutrina nacional. Desta feita, afirma José Afonso da Silva (2007, p. 178-179) que:

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Dentro dessa perspectiva histórica, a doutrina nacional e estrangeira trata da evolução dos direitos fundamentais em dimensões ou gerações.

2.1 Dimensões dos direitos fundamentais

O tratamento dado aos direitos fundamentais em gerações ou dimensões está diretamente relacionado, como explicado, à característica de historicidade, estudando-os como parte dos avanços do próprio constitucionalismo moderno.

Inicialmente, cumpre destacar que a doutrina não é unânime no emprego das expressões “gerações dos direitos fundamentais” e “dimensões dos direitos fundamentais”, atribuindo diferentes acepções aos termos e preferindo, em geral, um em detrimento do outro.

Atualmente, a doutrina tem convergido para a utilização do termo “dimensões dos direitos fundamentais”, visto que “gerações” pode dar a falsa ideia de que os direitos conquistados nas gerações posteriores suplantam aqueles que os precedem, podendo levar ao equívoco de se negar a complementaridade entre os direitos fundamentais2. Compartilhando desse entendimento, leciona Bonavides3:

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo

„dimensão‟ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo „geração‟, caso

este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia [...]. (BONAVIDES, 2009, p. 571-572).

Embora demonstre a vantagem lógica na aplicação da expressão “dimensões dos direitos fundamentais” contra “gerações dos direitos fundamentais”, Bonavides não abandona esta última por inteiro, fazendo mera ressalva do entendimento que lhe deve ser dada.

Diante da explicação apresentada, adotar-se-á neste trabalho a expressão “dimensões dos direitos fundamentais”.

Não obstante as críticas contrárias, a divisão em dimensões é, além de didática para a compreensão evolutiva dos direitos fundamentais, importante para caracterizá-los como produto de lutas sociais e da soberania de um povo. Dá-se menos enfoque, portanto, à ideia de

2

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 45).

3 Nota-se na obra de Paulo Bonavides (2009) a utilização inicialmente da expressão “gerações de direitos

fundamentais”, somente vindo a substitui-la por “dimensões” posteriormente, quando da explicação dos direitos

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que os direitos fundamentais decorreriam de uma racionalidade humana universal. Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet aduz que

O breve olhar lançado sobre as diversas dimensões dos direitos fundamentais nos revela que o seu processo de reconhecimento é de cunho essencialmente dinâmico e dialético, marcado por avanços, retrocessos e contradições, ressaltando, dentre outros aspectos, a dimensão histórica e relativa dos direitos fundamentais, que se desprenderam – no mínimo, em grande parte – de sua concepção inicial de inspiração jusnaturalista. (SARLET, 2009, p. 52)

O autor referido aponta ainda, citando o espanhol Joaquín Herrera Flores, que a perspectiva dos direitos fundamentais em dimensões demonstra que

Estas encontram-se menos vinculadas a uma manifestação de racionalidade humana universal [...], mas sim, dizem respeito às diversas reações funcionais e críticas que têm sido implementadas na esfera social, política e jurídica ao longo dos processos

de acumulação capitalista desde a baixa Idade Média até os nossos tempos”. (2005

apud SARLET, 2009, p. 53).

Em consonância com os ensinamentos dados, embora não discorra sobre suas dimensões, José Afonso da Silva afirma acerca dos direitos fundamentais que “sua historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas” (SILVA, J.A., 2007, p. 181).

Cumpre destacar, antes de examinar cada dimensão dos direitos fundamentais, que, mantendo a coerência com o conceito dado acima, em especial quando referidos como positivados, os direitos fundamentais aqui tratados serão apenas aqueles previstos em cartas constitucionais ou equivalentes. Os marcos iniciais aqui tratados serão, portanto, a Magna Carta4 inglesa (Magna Chartum Libertatum), de 1215; a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, da França, de 1789.

Embora importante, a fundamentação filosófica e religiosa que antecede os marcos referidos não será considerada como direitos fundamentais, uma vez que lhe faltava a necessária positivação, a fim de ser reconhecida como tais. Não se nega, no entanto, sua importante contribuição para a construção dos marcos e dos próprios direitos fundamentais.

Compartilhando desse entendimento, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 36-45) aponta o que chama de “pré-história” dos direitos fundamentais, como sendo a fase que antecedeu as constituições dos Estados Nacionais do século XVIII, em que filósofos teriam defendido a ideia de direitos inerentes à natureza humana, aos quais estariam condicionados os governantes e os Estados. Nesse tocante, Sarlet cita as contribuições de Tomás de Aquino, Hugo Grócio, Francisco Suárez, Samuel Pufendorf, Thomas Hobbes, Immanuel Kant e Jean-Jacque Rousseau.

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Em momento posterior, Sarlet indica a positivação desses direitos inerentes à natureza humana nos ordenamentos jurídicos, mas não na condição de direitos fundamentais, uma vez que estariam restritos a determinadas classes sociais ou estamentos. Como principal documento confirmando essa tese, aponta a Magna Charta Libertatum da Inglaterra, de 1215, que afirmava os direitos dos barões e bispos em contraponto ao rei João Sem-Terra. Ainda que possa ser reconhecida como o primeiro documento de direitos fundamentais ou próximo a uma Constituição, a Charta tinha eficácia restrita aos estamentos que a impuseram.

Na visão de Sarlet, somente a partir da Declaração de Direitos do Povo da Virgínia de 1776, ou da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França de 1789, poder-se-ia utilizar a expressão direitos fundamentais.

2.1.1 A primeira dimensão dos direitos fundamentais: direitos individuais

A partir da positivação dos direitos em documentos de conteúdo materialmente constitucional, por isso aplicáveis a todos no território dos Estados, a doutrina passa tratá-los como primeira dimensão (ou geração) dos direitos fundamentais.

Segundo Bonavides,

os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. (BONAVIDES, 2009, p. 563).

Os direitos de primeira dimensão, portanto, seriam de notório cunho individualista, visando a salvaguardar do Estado absolutista a tríade vida-liberdade-propriedade. São direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, demarcando uma esfera de direitos do indivíduo na qual não deve haver interferência estatal.

Nesse contexto, o direito de liberdade deve ser tomado em sua acepção mais ampla, compreendendo, a título de exemplo, a liberdade de expressão, de culto e política, aqui entendida como a capacidade do povo, de forma soberana, determinar os rumos do Estado.

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2.1.2 A segunda dimensão dos direitos fundamentais: direitos sociais

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, identificados pela maioria da doutrina como os direitos sociais, econômicos e culturais, são produtos das demandas sociais do século XIX, originadas nas desigualdades causadas pelo Estado liberal então vigente em boa parte da Europa. Estão relacionados a um dever prestacional do Estado, de forma que este garanta a realização da justiça social, “não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado” (SARLET, 2009, p. 47).

Em suma, os direitos da segunda dimensão visam a assegurar que o Estado proporcione meios para que todos possam ter uma vida digna, garantindo, portanto, uma igualdade de oportunidades.

Embora fossem previstos, de forma pontual, em constituições ainda no século XIX, os direitos da segunda dimensão têm seu marco na Constituição do México de 1917 e na Constituição da República de Weimar de 1919, dominando “por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra” (BONAVIDES, 2009, p. 564). São o elemento distintivo do Estado de Direito, construção tipicamente liberal, para o Estado Social de Direito, cuja preponderância ocorreu na segunda metade do século XX.

Convém destacar que Bonavides e Sarlet não concordam inteiramente quanto ao conteúdo dos direitos de segunda dimensão. Segundo Bonavides (2009, p. 564), estariam incluídos nessa dimensão também os direitos coletivos, cuja titularidade pertence a grupos, identificáveis ou não, de indivíduos da sociedade. Sarlet, por sua vez, afirma que tais direitos (coletivos) compõem a terceira dimensão dos direitos fundamentais.

De toda sorte, Bonavides aduz que os direitos de segunda dimensão:

[...] passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre restatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. (BONAVIDES, 2009, p. 564).

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Como exemplos de direitos fundamentais da segunda geração, citam-se aqueles garantidos no art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quais sejam os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados.

2.1.3 A terceira dimensão dos direitos fundamentais: direitos difusos e coletivos

Conforme explicado acima, Sarlet e Bonavides discordam quanto ao conteúdo dos direitos fundamentais da terceira dimensão.

Para Sarlet, os direitos da terceira dimensão são todos aqueles de titularidade coletiva,

também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. (SARLET, 2009, p.48).

Bonavides, no entanto, posiciona os direitos coletivos na segunda dimensão, como mencionado acima, reservando à terceira aqueles com alto grau de universalidade e humanismo, referidos a todo o gênero humano e, por isso, propiciadores de uma ordem jurídica mundial una. Afirma que a teoria “já identificou direitos da fraternidade, ou seja, da terceira geração: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação” (BONAVIDES, 2009, p. 569).

Nota-se, portanto, que as três primeiras dimensões dos direitos fundamentais correspondem, respectivamente, aos lemas da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade. Embora elucidativa, a correlação tem efeitos meramente didáticos.

O conteúdo de cada dimensão pode variar de acordo com cada autor, sendo a classificação aqui apresentada aquela que goza de maior aceitação, sobretudo pela importância dos doutrinadores que a realizaram.

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Neste tocante, cumpre trazer a teoria de Paulo Bonavides sobre a quarta e quinta dimensão dos direitos fundamentais.

2.1.4 A quarta e a quinta dimensões dos direitos fundamentais

De acordo com Paulo Bonavides (2009, p. 570-571), a globalização econômica do fim do século XX teria trazido consigo a globalização política neoliberal, esvaziada de valores e tendente à dissolução do Estado nacional, “afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade” (2009, p. 571). Dentro dessa política neoliberal, haveria a ocorrência de um “Estado social regressivo” (BONAVIDES, 2001, p. 32), em que gradativamente os direitos de segunda e terceira geração deixariam de ser prestados pela autoridade estatal.

De forma pioneira, Bonavides aponta, como resposta à globalização da política neoliberal, uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, decorrentes de sua globalização no plano institucional dos Estados, no que o autor chama de “derradeira fase de institucionalização do Estado social” (2009, p. 571).

A fim de permitir essa institucionalização universal dos direitos fundamentais, Bonavides aponta como direitos da quarta dimensão o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Faz-se a ressalva de que democracia ora defendida é necessariamente direta e participativa. Segundo o autor,

Busca-se, como se vê, fundar o Direito Constitucional da democracia participativa. Com esse Direito, poder-se-á salvar, preservar e consolidar o conceito de soberania que a onda reacionária do neoliberalismo contemporâneo faz submergir nas inconstitucionalidades do Poder, até destroçá-lo por completo.

A democracia participativa é direito constitucional progressivo e vanguardeiro. É direito que veio para repolitizar a legitimidade e reconduzi-la às nascentes históricas, ou seja, àquele período em que foi bandeira de liberdade dos povos. (BONAVIDES, 2001, p. 33).

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Bonavides reconhece, no entanto, que esses direitos da quarta dimensão ainda não estão concretizados, tratando-se do “futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos” (2009, p. 573).

Adiante, Bonavides trata da quinta dimensão dos direitos fundamentais, apresentando como seu único componente o direito à paz, transladado da terceira dimensão. A transladação, segundo o autor, busca dar maior proeminência à paz, tratando-a não apenas como um conceito filosófico, mas como um conceito jurídico positivado (2009, p. 593).

Neste tocante, Bonavides dá à paz significado amplo, “em sua feição agregativa de solidariedade, em seu plano harmonizador de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e a dignidade do homem propugnam, reivindicam, concretizam e legitimam” (2009, p. 591).

Cumpre ressaltar que o conteúdo, bem como a própria existência, da quarta e da quinta dimensão dos direitos fundamentais não é unânime na doutrina. A teoria ora apresentada é apenas aquela formulada por Paulo Bonavides, uma vez que convém aos propósitos deste trabalho.

2.2 A dupla natureza dos direitos fundamentais

A partir da positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, a doutrina estabelece uma dupla natureza desses direitos: natureza subjetiva e natureza objetiva.

Por natureza subjetiva, deve-se entender como a possibilidade de o sujeito exigir judicialmente o cumprimento dos direitos fundamentais. A manifestação desses direitos seria, segundo Sarlet, “uma relação trilateral, formada entre o titular, o objeto e o destinatário do direito” (2009, p. 152).

A essa natureza subjetiva, Robert Alexy dá a condição de “posição” aos direitos fundamentais, ou norma individual, afirmando acerca do direito de liberdade de expressão que

como não pode haver dúvida de que ela garante um direito em face do Estado, é possível, com base nela, formular a seguinte norma individual:

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A natureza subjetiva dos direitos fundamentais lhes garante, em suma, a exigibilidade deles por parte dos sujeitos, dentro de uma relação com três polos, conforme demonstrado acima. Trata-se da capacidade de o sujeito fazer cumprir judicialmente seu direito, em face do Estado ou em face de outro sujeito.5

A natureza objetiva dos direitos fundamentais reside, dessa forma, no fato de que estes operam “não propriamente como princípios e garantias nas relações entre indivíduos e Estado, mas transformam-se em princípios superiores do ordenamento jurídico-constitucional considerado em seu conjunto, na condição de componentes estruturais básicos da ordem jurídica” (SARLET, 2009, p. 143).

As implicações dessa natureza objetiva se irradiam por todo o ordenamento jurídico. Segundo Sarlet, passam os direitos fundamentais a ter “eficácia irradiante” (2009, p. 147), determinando diretrizes para a aplicação e a interpretação de todo o direito infraconstitucional,

o que, além disso, apontaria para a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais, que, ademais, pode ser considerada – ainda que com restrições – como modalidade semelhante à difundida técnica hermenêutica da interpretação conforme à Constituição. (SARLET, 2009, p. 147).

No mesmo sentido, Flávia Piovesan assevera que “os direitos e garantias fundamentais são, assim, dotados de especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico” (2011, p. 87).

Dentro dessa perspectiva, tem-se que os direitos fundamentais devem ser tratados como parâmetros para o controle de constitucionalidade das normas, bem como devem ser constantemente trabalhados pelo Estado, na sua atuação, como objetivos a serem alcançados, incumbindo-lhe a obrigação constante de concretização e realização.

Explicando ainda a natureza objetiva dos direitos fundamentais, Paulo Bonavides apresenta a teoria de Carl Schmitt, segundo o qual, a fim de garantir a permanente concretização dos direitos fundamentais por parte do Estado, seria necessário que suas instituições gozassem de garantias especiais que lhe conferisse tal capacidade. Dá a essas garantias o nome de “garantias institucionais”. Explica Bonavides que

o polêmico constitucionalista de Weimar colocou nos seguintes termos o seu conceito de garantias institucionais: primeiro, que haja uma garantia e que esta, de ordinário, seja de natureza constitucional; a seguir, que a garantia tenha um objeto específico, a saber, uma „instituição‟, visto que do contrário não se poderia falar de „garantia institucional‟; e, finalmente, que se refira a algo atual, presente e existente,

5 Conforme explicado, a partir dos direitos de segunda dimensão, passou-se a exigir o cumprimento de

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dotado de forma e organização, a que já se prende também uma situação jurídica constatável; a garantia institucional contém sempre, segundo a lição daquele publicista, elementos de garantia de um status quo. (2009, p. 566).

Essa natureza objetiva, no entanto, não afasta a subjetiva, por óbvio. Tampouco está restrita aos direitos de segunda dimensão, tendo apenas sido observada a partir de sua positivação.

É perfeitamente possível imaginar, desse modo, que o direito à educação, tipicamente de segunda dimensão, seja exigido pelo sujeito dentro de uma relação trilateral contra o Estado. De igual forma, é possível que se analise o direito à liberdade de expressão, tipicamente tratado como direito subjetivo, como orientador da atividade estatal.

Tratar os direitos fundamentais por dupla natureza implica, portanto, sua análise sempre sob as duas perspectivas mencionadas conjuntamente.

2.3 Eficácia dos direitos fundamentais

Analisados o histórico e a dupla natureza dos direitos fundamentais, cumpre estudar, perfunctoriamente, sua eficácia dentro do ordenamento jurídico, tema dos mais amplos e tormentosos.

Inicialmente é necessário estabelecer o conceito de eficácia da norma que será adotado neste trabalho, afastando eventual confusão terminológica.

De acordo com a lição de José Afonso da Silva (2007, p. 180) eficácia da norma jurídica é a capacidade de produzir efeitos jurídicos. O autor afirma ser tal conceito conexo à aplicabilidade. Em consonância com sua teoria de eficácia das normas constitucionais, o autor divide os direitos fundamentais em duas categorias, tomando por critério sua eficácia:

Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta. (SILVA, J.A. 2007, p. 180).

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Em entendimento assemelhado, Ingo Wolfgang Sarlet define eficácia jurídica da norma como “a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos” (2009, p. 240).

Virgílio Afonso da Silva, por sua vez, expandindo o conceito, afirma ser eficaz a norma jurídica “que tem condições técnicas de atuar, por estarem presentes os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos concretos” (2009, p. 230). Distingue, no entanto, da aplicabilidade, comparando este conceito à efetividade, no que faz remissão à lição de Luís Roberto Barroso, para quem a efetividade da norma “significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social” (2009, p. 82).

Dentro desse conceito de eficácia, Virgílio Afonso da Silva critica a divisão das normas de direito fundamental adotada por José Afonso da Silva, afirmando que não haveria distinção entre normas de aplicabilidade imediata e aplicabilidade indireta, uma vez que ambas requerem regulamentação, em maior ou menor grau, para surtir seus efeitos (SILVA, V.A., 2009, p. 246-247). Para Virgílio Afonso da Silva, portanto, a distinção entre os direitos da primeira dimensão e das demais não residiria no campo da eficácia, mas sim no campo da efetividade, afirmando que:

Se as diferenças entre liberdades públicas e direitos sociais são menores que aquelas apontadas normalmente, por que, então, a efetividade das primeiras é maior que a dos direitos sociais? Parte da resposta a essa pergunta já foi fornecida acima: boa parte dos requisitos fáticos, institucionais e legais para uma produção (quase) plena dos efeitos das liberdades públicas já existe, enquanto as reais condições para exercício dos direitos sociais ainda têm que ser criadas. (SILVA, V.A.. 2009, p. 241).

O autor, ao deslocar a diferença para o campo fático e, portanto, da efetividade, aponta o custo de efetivação dos direitos sociais como empecilho para sua maior concretização no País, prosseguindo na resposta ao questionamento levantado:

A segunda parte da resposta está intimamente ligada a essa primeira: a criação das condições de exercício dos direitos sociais é, pura e simplesmente, mais cara. Isso porque essas condições, além de incluírem tudo aquilo que é necessário para a produção de efeitos das liberdades públicas – proteção, organizações, procedimentos, etc. -, exigem algo a mais. E esse “algo a mais”, além de pressupor recursos financeiros não disponíveis, costuma ser específico para cada um dos direitos sociais. (SILVA, V.A.. 2009, p. 241).

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2.4 Direitos fundamentais e Administração Pública

Conforme explicado, a natureza objetiva dos direitos fundamentais faz com que orientem toda a atuação do Estado, uma vez que se tratam dos valores a serem alcançados, estabelecidos soberanamente pelo povo.

Paralelamente, deve-se considerar, conforme lição de Virgílio Afonso da Silva, que todos os direitos fundamentais têm a mesma eficácia, devendo ter aplicabilidade imediata. Qualquer diferença quanto à percepção desses direitos na sociedade residiria, portanto, no campo da efetividade.

Dentro desta perspectiva, tem-se que a Administração Pública deve pautar sua conduta pelos direitos fundamentais. Diante de sua natureza objetiva, não se trata apenas de respeitar a esfera de liberdade individual, mas também de orientar a atuação da Administração na busca da concretização de todos os direitos em questão.

Nesse sentido, sintetiza Clarissa Sampaio Silva que

consoante todo o exposto acima, verifica-se que a vinculação da Administração Pública aos direitos fundamentais, com sua dupla natureza normativa, diversidade de bens assegurados, carácter multifacetário, graus diferentes de proteção demanda a constante adaptação e evolução das atividades daquela com vistas a promover a maior eficácia possível das disposições jusfundamentais dentro de uma sociedade pluralista e democrática. (SILVA, C.S.. 2009, p.77-78)

Como explicado, o problema para a concretização dos direitos fundamentais residiria no campo fático ou da efetividade, tendo como um fator de grande peso a diferença no custo de efetivação dos direitos de primeira dimensão e dos demais, conforme lição de Virgílio Afonso da Silva.

Diante da questão da concretização, especificamente quanto aos direitos de segunda e terceira dimensão, a Administração Pública brasileira tem utilizado o conceito de “reserva do possível” como subterfúgio para a falta de efetividade desses direitos, alegando, sobretudo, a ausência de recursos, financeiros, materiais e humanos, como razão para a falta de efetividade dos direitos sociais.

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3 REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1990: CONTEXTO HISTÓRICO, OBJETIVOS E CONTRIBUIÇÕES PARA O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Emenda Constitucional nº 19/1998 introduziu na Constituição da República Federativa do Brasil o que é tratado pela doutrina de reforma administrativa da década de 1990 (doravante “reforma”), modificando profundamente a estrutura e a forma de atuação da Administração Pública do País. Embora não tenha sido a primeira reforma administrativa no Brasil, merece destaque pela amplitude da transformação que causou no ordenamento jurídico, sendo, portanto, o objeto de estudo deste capítulo.

Propugnada desde o início do primeiro governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, a reforma visava principalmente à busca da desburocratização e do aumento da eficiênca da Administração Pública, com base no modelo de administração gerencial de origem anglo-saxã. Seria, segundo Luiz Carlos Bresser Pereira, uma resposta à crise da década de 1980 e à globalização econômica que se observava (1998, p. 237).

Conforme referido acima, a reforma da década de 1990 não foi a primeira tentativa do Estado brasileiro de modernização administrativa.

Já na década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, conforme leciona Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça (2008, p. 52-53), buscou-se implementar medidas que saneassem a desordem da Administração Pública brasileira, marcada pela confusão entre o patrimônio público e privado6, bem como respondessem às novas exigências do Estado no seu papel de intervenção na economia e de prestação de serviços públicos. A autora afirma que se aplicou, à época, o modelo burocrático de administração, com base na teoria de Max Weber, cujas diretrizes:

[...] tinham como ponto de referência a noção de eficiência, a preocupação com o sistema de mérito para o ingresso no serviço público, a concepção do orçamento como plano de trabalho, a institucionalização de treinamento e aperfeiçoamento para os servidores públicos. [...] dentro do modelo proposto, adotaram-se as hierarquizações, as normas abstratas, as relações interpessoais e a predominância do aspecto técnico. (MENDONÇA, 2008, p. 53).

No mesmo sentido, Odete Medauar reconhece o aumento do número e da diversidade das atividades do Estado, fator que requeria maior conhecimento técnico daqueles que formavam a administração, os funcionários públicos. Assevera a autora que:

Ampliaram-se também as atividades, em virtude das mudanças havidas no modo de atuar do Estado; as inúmeras funções assumidas pelo Estado da segunda metade do século XX realizam-se principalmente pelos órgãos e entidades da Administração. À

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burocracia-guardiã segue-se a burocracia prestacional. As atividades tornam-se muito variadas. Ocorre, assim, um enriquecimento das funções e crescente tecnização das atividades, com exigência de recrutamento de pessoas dotadas de conhecimentos especializados. (MEDAUAR, 2003, p. 127-128).

Ressalta-se, ainda quanto ao período em comento, o pioneirismo da Constituição de 1934 ao conferir status constitucional ao tratamento dispensado à Administração Pública, estabelecendo, no seu Título VII, artigos 168 a 173, regras aplicáveis aos funcionários públicos.

Apesar das modificações inseridas, verificou-se o descompasso entre as “tarefas assumidas pelo Estado e o ritmo acelerado do progresso técnico” (MENDONÇA. 2008, p. 57), em decorrência, principalmente, da burocracia auto-referente instalada, razão por que se intentou nova reforma na década de 1960, já sob o governo militar iniciado em 1964.

Por meio do Decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, o governo do Marechal Castelo Branco deu nova feição à Administração Pública brasileira, reforçando o centralismo político e consolidando a intervenção do Estado no setor produtivo, por meio da expansão da Administração Indireta, então formada, segundo o art. 4º, inciso II, do Decreto-lei, pelas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.

A expansão da Administração Pública Indireta denota a primeira tentativa de superação da rigidez burocrática, que, antes de uma forma de regulação da atividade administrativa, passou a ser percebida como um entrave ao desenvolvimento. Por meio de pessoas jurídicas distintas da Administração central, portanto, sujeitas a um regime jurídico levemente diferente7 e dotadas de maior autonomia, buscou-se implementar os objetivos expressos no art. 6º do Decreto-lei nº 200/1967, quais sejam: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competências e controle.

A tentativa de descentralização da Administração durante os governos militares, contudo, contrasta com o centralismo político existente à época, conforme aduz Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça:

[...] salientam-se nestas duas décadas [1960 e 1970] tendências marcantes e opostas: o centralismo, com a concentração de poderes e recursos em nível federal, e a descentralização em nível administrativo, para tornar eficientes as organizações públicas frente às novas demandas econômicas. (MENDONÇA, 2008, p. 59).

A dicotomia citada, bem como o autoritarismo do governo militar, concentrando em nível federal os recursos, impediram o avanço da reforma administrativa almejada pelo Decreto-lei nº 200/1967. Ressalta-se ainda que, por meio da flexibilização da contratação de

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empregados públicos sem concurso, a reforma da década de 1960 facilitou a sobrevivência de práticas patrimonialistas e fisiológicas. Para Bresser Pereira, portanto, a reforma “embutida no Decreto-lei nº 200/1967 ficou pela metade e fracassou” (1998, p. 245).

Apesar das críticas apresentadas, o Decreto-Lei nº 200/1967 ainda se encontra em vigor, sendo dele retiradas as definições das entidades componentes da Administração Pública Indireta.

3.1 Contexto histórico da reforma da década de 1990

A partir da década de 1980 e principalmente 1990, verificou-se em todo o mundo amplo projeto de reforma administrativa dos Estados, com notória influência das medidas adotadas nos Estados Unidos, pelo então presidente Ronald Reagan, e na Inglaterra, pela então primeira-ministra Margareth Thatcher.

As reformas anglo-saxãs foram concebidas como respostas à crise econômica mundial iniciada na década de 1970, mas que se intensificou na década posterior, buscando, em grande medida, o ajuste fiscal dos governos e a redução das atividades exercidas pelo Estado. Ademais, as reformas visavam a adaptar a Administração Pública à realidade globalizada dos mercados que se observava, facilitando a circulação de mercadorias, serviços e pessoas.

Dentre as causas de crise econômica da época, foi apontada a marcante intervenção do Estado na economia e nos mercados, antes pontual, mas da qual não conseguia mais se desincumbir. Segundo Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça, o Estado “que deveria ser regulador e coordenador da atividade econômica nos anos de 1980, testemunhou grande crise, que provocou a redução das taxas de crescimento e levou os países em desenvolvimento a uma grande crise econômica” (2008, p. 71). A grande intervenção estatal na economia é apontada, portanto, como um dos fatores que vieram a gerar as altas taxas de inflação e a estagnação econômica.

Bresser Pereira corrobora a ideia de que crise econômica decorreu da crise do Estado. Aduz o autor que

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modo de intervenção do Estado, como uma crise de forma burocrática pela qual o Estado é administrado, e, em um primeiro momento, também como uma crise política. (PEREIRA, 1998, p. 239).

Ademais, a crise fiscal dos Estados, pela insuficiência de recursos financeiros, contribuía para que a prestação de serviços à população continuasse aquém do desejado em qualidade e, no caso do Brasil, de abrangência da população. O Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), provedor de grande parte dos direitos sociais, portanto, encontrava seus limites financeiros.

A tais fatores, conforme aludido acima, somou-se a crescente globalização dos mercados e sociedades, que desafiava a ideia tradicional de soberania dos Estados, requerendo maior mobilidade internacional de mercadorias, serviços e pessoas.

Bruno Miragem, desse modo, resume as causas da crise enfrentada pelos Estados nas décadas de 1980 e 1990 em quatro questões, a saber:

[...] insuficiência de recursos financeiros estatais para fazer frente a todas as atividades que assume para si e consequentemente ineficiência da prestação de serviços públicos; o caráter crescentemente informacional e dinâmico da economia, em comparação a um alegado imobilismo/letargia estatal; o princípio da globalização, que tornaria relativo o alcance da jurisdição nacional estatal; a alteração de uma dada compreensão ideológica sobre o papel do Estado e suas relações com a sociedade, o que é historicamente vinculado ao advento de governos e políticas liberais nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre fins da década de 1970 e o início da década seguinte. (MIRAGEM, 2011, p. 25-26).

Neste cenário, foi concebido o modelo de Estado Neoliberal, cujas atribuições são reduzidas, a fim de permitir maior liberdade de mercado e saneamento das contas públicas, no que é tratado frequentemente como “Estado mínimo”. A preocupação dos neoliberalistas restringe-se ao controle da inflação, melhor alcançado por meio da livre concorrência, cujo fator determinante seria a ausência de intervenção estatal. Criticam, desse modo, a planificação econômica por parte do Estado.

Ligado ao denominado Consenso de Washington8, o novo modelo de Estado, implantado inicialmente pelos governos de Margareth Thatcher na Inglaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, tinha por diretrizes “fortalecimento dos mercados privados; desregulamentação da economia; privatização das empresas estatais; liberalização dos mercados, livre comércio internacional, redução da atuação do Estado, controle de inflação, redução do déficit público, corte das despesas sociais” (MEDAUAR, 2003, p. 97). Nesse sentido, Paul Hugon afirma que, de acordo com o pensamento neoliberal, “sua intervenção [do Estado] se reduzirá a fiscalizar o mercado econômico, a fim de evitar engendre a

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concorrência” (1984, p. 153). Afirma ainda o autor, quanto à intervenção estatal admitida no pensamento neoliberal:

O neoliberalismo reclama, portanto, a intervenção do Estado, a fim de eliminar tudo quanto possa obstar o livre funcionamento do mecanismo dos preços. O Estado deve lutar contra os agrupamentos de produtores, cartéis ou trustes nacionais ou internacionais. [...] O Estado deverá, também, procurar reformar as instituições, cuja evolução possa, em dado momento, se fazer de modo a constituir um óbice à salvaguarda da liberdade. (HUGON, 1984, p. 153).

A fim de permitir a livre concorrência, mecanismo essencial para o controle livre de preços, o ideário neoliberal combate atitudes que julga paternalistas do Estado, sobretudo, programas de seguridade social amplos e de amparo aos desempregados. Nesse sentido, António José Avelãs Nunes afirma que

[...] o neoliberalismo exclui da esfera da responsabilidade do estado as questões atinentes à justiça social, negando, por isso, toda a legitimidade das políticas de redistribuição do rendimento, orientadas para o objectivo de reduzir as desigualdades de riqueza e de rendimento, na busca de mais equidade, de mais justiça social, de mais igualdade efectiva entre as pessoas. (NUNES, 2008, p. 449).

Outros países, em especial da América Latina, aí incluso o Brasil, passaram a adotar medidas para implantação de um Estado Neoliberal como condicionantes para investimentos externos nos países por parte de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. A necessidade dos investimentos externos, por sua vez, foi consequência do grande endividamento interno e externo desses países.

O Brasil iniciou, portanto, a reforma administrativa da década de 1990 dentro do contexto de: crise econômica e fiscal, implantação de práticas do Estado Neoliberal, como condicionantes de investimentos externos de organismos internacionais, e globalização econômica.

3.2 Objetivos da reforma no Brasil

Dentro do contexto explicado, iniciou-se no Brasil, em 1995, novo movimento de reforma administrativa, desta vez com foco na implantação do modelo de administração gerencial desenvolvido pelos governos Thatcher e Reagan, respectivamente na Inglaterra e nos Estados Unidos.

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Plano Diretor da Reforma do Estado, que teve como ápice a Emenda Constitucional nº 19, aprovada pelo Congresso Nacional em 4 de junho de 1998.

Bresser Pereira aponta como o fim da reforma “transitar de uma administração pública burocrática para a gerencial” (1998, p. 264), resumindo em apenas dois os grandes objetivos da reforma, quais sejam, “a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal, particularmente nos estados e municípios, onde existe um claro problema de excesso de quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna a administração pública, voltando-a para o atendimento dos cidadãos” (1998, p. 257).

Segundo o autor, o ajuste fiscal seria obtido por medidas de saneamento das contas públicas referentes aos servidores públicos e pela reformulação do sistema de aposentadorias destes. Como meios necessários à concretização dessas medidas, indica a redução dos quadros de servidores públicos9, a definição do teto remuneratório dentro do serviço público e o aumento do tempo de serviço e da idade mínima necessários para a aposentadoria dos servidores. Desde então, o ex-ministro reconheceu a necessidade de mudanças no texto constitucional, realizadas por meio das Emendas Constitucionais nº 19/1998, 20 de 15 de dezembro de 1998 (primeira reforma previdenciária) e 41 de 19 de dezembro de 2003 (segunda reforma previdenciária).

Para detalhar a busca de eficiência da Administração Pública dentro da reforma, o ex-ministro divide as atividades estatais em quatro categorias, apontando as necessárias mudanças em cada uma (1998, p. 257-264): núcleo estratégico; atividades exclusivas de Estado; serviços não-exclusivos ou competitivos do Estado e produção de bens e serviços para o mercado.

O núcleo estratégico é formado pelos órgãos de cúpula do Poder Executivo, responsáveis pela elaboração das políticas públicas, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Sua estrutura seria mantida, bem como a propriedade estatal dos bens utilizados, inovando-se apenas quanto à utilização de contratos de gestão como instrumento de relação com os setores de atividades exclusivas e não-exclusivas do Estado.

As atividades exclusivas de Estado são aquelas que decorrem do exercício da soberania do Estado. Exemplifica o autor como “a polícia, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e de regulamentação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de recursos, como o Sistema Único de Saúde, o sistema de auxílio-desemprego etc.” (PEREIRA, 1998, p. 258). Bresser Pereira afirma que essas atividades seriam exercidas por meio de agências

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Importa ressaltar que Bresser Pereira afirma ser tal prática necessária apenas na Administração dos estados e

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autônomas, cujos objetivos e indicadores de desempenho seriam controlados pelo núcleo estratégico, por meio dos referidos contratos de gestão.

Os serviços não-exclusivos, por sua vez, são aqueles prestados pelo Estado ou subsidiados por ele, considerados de alta relevância social ou por envolverem “economias externas” (1998, p. 259). O autor afirma que tais serviços não poderiam ser remunerados de forma adequada no mercado, devendo ser prestados por entidades autônomas, vinculadas ao Estado por meio dos contratos de gestão, que participariam do orçamento público, classificando tais entidades como “organizações sociais”.

Quanto a esses serviços, Bresser Pereira afirma ser necessário avançar além da divisão de propriedade entre pública e privada, apontando uma terceira categoria: a propriedade pública não-estatal. Essa forma de propriedade não integraria o patrimônio do Estado, mas estaria afetada ao interesse público, prestando-se à satisfação de interesses gerais. O ex-ministro aponta “a expansão da esfera pública não-estatal aqui proposta não significa em absoluto a privatização de atividades do Estado. Ao contrário, trata-se de ampliar o caráter democrático e participativo da esfera pública, subordinada a um direito público renovado e ampliado” (PEREIRA, 1998, p. 263).

A reforma proposta por Bresser Pereira quanto aos serviços não-exclusivos do Estado, portanto, avança ao ponto de criar não apenas uma nova categoria de bens públicos, mas um setor distinto daqueles já conhecidos (público e privado), que atuariam em parceria com a Administração Pública na prestação de serviços de relevância social. A esse novo setor da sociedade, a doutrina brasileira tem denominado como “Terceiro Setor”.

Por fim, a atividade do Estado poderia ser voltada para a produção de bens e serviços para o mercado, realizada por meio de empresas estatais e normalmente limitadas a setores estratégicos. Para essas atividades, Bresser Pereira apontou a necessidade de transferência para o setor privado, por meio do programa de privatizações iniciado antes mesmo da Emenda Constitucional nº 19/1998, afirmando que “pressupõe-se que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente” (1998, p. 259).

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Os objetivos da reforma apontados por Bresser Pereira permeiam toda a Administração Pública brasileira, o que requereu uma “reforma jurídico-normativa do Estado” (MIRAGEM, 2011, p. 27), realizada principalmente pela já referida Emenda Constitucional nº 19/1998.

Ademais, as mudanças indicadas vieram a alterar profundamente o funcionamento da Administração e sua relação com o cidadão, visando a tornar aquela menos auto-referente, diminuindo-se a burocracia estatal, e mais voltada para a prestação dos serviços considerados essenciais ao público.

Concomitantemente, as atividades não-exclusivas do Estado e voltadas para a produção de serviços e mercadorias passariam a ser exercidas pelo setor privado, desonerando o orçamento público e, supostamente, trazendo maior eficiência para essas atividades.

Odete Medauar resume, portanto, os objetivos almejados pela reforma em:

a) Administração a serviço do cidadão, significando um novo modo de relacionar-se com a sociedade; b) transparência; c) Administração eficiente; d) privatização difusa, sob dois aspectos: d1) transferência, ao setor privado, de atribuições públicas, com redução do número de órgãos Administração; d2) expansão de práticas inspiradas no direito privado, acarretando, inclusive, técnicas de gestão que priorizam os resultados, o chamado new public management, de origem inglesa. (2003, p. 133).

Com vistas a alcançar os objetivos explanados, além da Emenda Constitucional nº 19/1998, foram promulgadas leis10 e decretos que viabilizaram os mecanismos de reforma. Os impactos e contribuições causados por esses instrumentos normativos foram variados.

3.3 Contribuições para o Direito Administrativo brasileiro

A reforma realizada na década de 1990, por sua amplitude, modificou profundamente o Direito Administrativo brasileiro, fazendo inserir novos elementos e alterando alguns já existentes.

Por óbvio que alguns objetivos da reforma não foram alcançados em sua plenitude, tal como explicados por Bresser Pereira acima. Cita-se, a título de exemplo, o fato

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de que os serviços classificados como não-exclusivos do Estado não foram transferidos para o setor privado em sua totalidade11.

Pelas dimensões deste trabalho, serão analisadas apenas aquelas julgadas de maior relevância para os objetivos deste estudo.

3.3.1 Princípio da eficiência da Administração Pública

A Emenda Constitucional nº 19, alterando o texto do caput do artigo 37 da Constituição, fez inserir a eficiência como princípio da Administração Pública, conferindo-lhe nítido tratamento gerencial. Embora a ideia de eficiência não fosse inédita12 no Direito Administrativo brasileiro, passou a ter valor constitucional, aplicando-se à Administração direta e indireta, em todas as esferas do Estado.

O referido princípio impõe à Administração o dever de agir e de organizar-se de forma a obter o melhor resultado possível para o cidadão. Muda-se o foco da Administração burocrática e auto-referente, com ênfase na legalidade dos meios de sua atuação, para uma Administração eficiente, que busca otimizar os resultados positivos em favor do cidadão, utilizando-se, para tanto, dos meios mais produtivos e econômicos possíveis.

Além de orientar a atuação do agente público e a organização administrativa, o princípio da eficiência confere ao cidadão o direito de exigir a prestação dos serviços públicos com o melhor resultado possível. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho indica o foco no administrado, aduzindo que:

Pretendeu o governo conferir direitos aos usuários dos diversos serviços prestados pela Administração ou por seus delegados e estabelecer obrigações efetivas aos prestadores. Não é difícil perceber que a inserção desse princípio revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de tantos serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causou aos usuários. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 31).

Desta feita, alguns autores brasileiros (MELO, 2010 e GASPARINI, 2005) vinculam o princípio da eficiência ao “dever de boa administração”, conceito importado do

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A título de exemplo, a União continuou prestando serviços de educação por meio de instituições de ensino superior federais, dotadas de autonomia administrativas, mas ainda integrantes da Administração Pública Indireta.

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direito italiano, que “impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento” (GASPARINI, 2005, p. 21).

Nota-se, portanto, nítido aporte de outras ciências, como a Economia e a Administração, sobre o Direito Administrativo, traduzindo-se na análise de custo-benefício dentro das atividades estatais. São inseridos, portanto, fórmulas do direito privado na Administração Pública, prática denominada por alguns doutrinadores como “privatização” (MEDAUAR, 2003, p. 249).

Bruno Miragem aponta ainda a importância do princípio da eficiência como critério de avaliação de resultados, o que denotaria a mudança do foco da Administração, saindo dos meios para os fins de sua atuação. Segundo o autor,

o aspecto mais relevante do princípio da eficiência, neste sentir, será justamente o destaque que determina, do ponto de vista jurídico, à introdução na Administração Pública de técnicas de gestão de resultados e de um dever jurídico geral de conduta finalística, conduzida ao interesse público, por parte dos agentes públicos. (MIRAGEM, 2011, p. 43).

Trata-se, portanto, de mudança no perfil da Administração Pública, que passa a dar mais atenção na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, reconhecendo estes como o fim de toda a Administração.

3.3.2 Estado em rede

A descentralização iniciada na reforma administrativa feita pelo Decreto-lei 200/1967 e reforçada na reforma da década de 1990 modificou também a própria estrutura da Administração Pública, criando entidades dotadas de certo grau de autonomia que não estão submetidas à hierarquia burocrática comum, mas vinculadas ao poder central.

Criou-se, portanto, uma estrutura mais complexa e flexível, à qual Odete Medauar dá o nome de “Estado em rede”, aduzindo que:

Estado-rede - Indica o Estado não mais com organização inteiramente hierarquizada e uniforme, mas com estrutura de rede e geometria variável conforme o tipo de atuação. Ocorre multiplicidade de Poderes Públicos, que se interconectam, sem haver necessariamente hierarquização, mas interdependência. (MEDAUAR, 2003, p. 99).

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