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Aquilo que se convencionou chamar como a reforma do Estado passou a ter uma amplitude muito maior do que está subentendida como uma simples modernização da administração, traduzida em expressões como acção administrativa orientada para os resultados ou “new public management”.

Neste contexto, a expressão Estado-regulador vem acentuar o facto de o Estado ter deixado de ser produtor de bens e serviços para se transformar sobretudo em regulador dos processos de mercado. Hoje em dia, no que diz respeito à reforma do Estado, existem diversas designações que acentuam outras dimensões e formas de actuação.

A regulação começa por ser institucional e política. No entanto, tanto nos sistemas educativos como em qualquer outro campo social, existem diversas fontes entrecruzadas de regulação. Verificam-se diversos arranjos institucionais que são promovidos ou autorizados pelo Estado, que podem ser as regras e regulamentos provenientes dos diferentes níveis da autoridade pública, ou o poder discricionário que é devolvido às autoridades locais e/ou às hierarquias das escolas, bem como os dispositivos de concertação, controle e avaliação. Tudo isto contribui para coordenar e orientar a acção dos estabelecimentos de ensino, dos profissionais e das famílias no seio do sistema educativo, através da distribuição de recursos e constrangimentos.

De algum modo podemos afirmar que a regulação começa por ser normativa, uma vez que quer ao nível das políticas públicas, quer ao nível local, todas as acções são orientadas por modelos cognitivos e normativos que estão historicamente situados.

No entanto, para Maroy (2005), uma vez que as políticas educativas procuram mudar os modos de regulação institucional, é possível admitir que elas são influenciadas por novos modelos de regulação ou de governação, como por exemplo pelo modelo do quase-mercado. Este autor associa tais modelos teóricos e normativos às referências cognitivas e normativas dos decisores políticos, no que diz respeito ao que se convencionou chamar de “boas práticas”. São modelos que compreendem valores e normas de referência e constituem simultaneamente instrumentos de leitura da realidade e guias para a acção.

7.1. A regulação pela procura e o papel das famílias

Sendo a Carta Escolar o paradigma em vigor, tem-se assistido nos últimos anos ao aumento do coro de protestos em defesa do direito daquilo que se convencionou chamar a livre escolha das famílias, em relação à decisão de inscrição e frequência nos

estabelecimentos de ensino. Os defensores da livre escolha apontam o zonamento como a causa das dificuldades e da crise do sistema educativo, utilizando um discurso que denuncia um papel totalitário do Estado, o qual alegadamente obriga as crianças a frequentar escolas que não fornecem às famílias um serviço educativo de qualidade.

Um dos exemplos marcantes neste domínio é a argumentação produzida pelo Fórum para a Liberdade de Educação, que no seu portal na Internet afirma que os principais entraves à liberdade e igualdade de oportunidades de educação são: «O monopólio estatal na prestação dos serviços públicos, o centralismo burocrático, a falsa ilusão de igualdade e a desresponsabilização dos cidadãos, em particular das famílias, ao obrigar os pais a matricular os filhos na escola da sua área de residência». Também a Fundação Pró-Dignitate aparece associada ao movimento que propõe a liberdade de educação, enquanto factor de responsabilização das famílias e facilitador de uma real igualdade de oportunidades.

Trata-se de um discurso que encontra eco junto de diversas personalidades públicas e tem alguma repercussão em meios de comunicação social de referência. Um caso recente é o de um editorial de um jornal diário em que se dá conta da realização de um simpósio sobre «A Escolha da Escola Face à Justiça Social: Dilema ou Miragem?», que teve o apoio da OIDEL, e cujos organizadores estabeleceram como desafio: «conciliar liberdade com justiça social e a escolha da escola com igualdade de oportunidades».

Estas organizações, utilizando um retórica fundada num pensamento liberal e representando normalmente o interesse da classe média e média alta, defendem que o “Estado social” deve ser um “Estado-garantia”, na medida em que lhe compete garantir um mínimo de liberdade de escolha a todos os cidadãos. É nesta linha que alguns críticos da Escola Pública e de um papel mais interventor do Estado afirmam que, de acordo com esta perspectiva, as famílias devem ter o direito de escolher em que escola matricular os seus filhos, seja pública ou privada, ao mesmo tempo que o Estado deve passar a financiar todas as escolas em função dessa escolha, independentemente de serem escolas públicas ou privadas. Tudo isto no sentido de promover a concorrência entre os estabelecimentos de ensino, não só entre escolas públicas e escolas privadas, mas de todas entre si.

Subjacente a este discurso está a crença de mais eficiência e maior eficácia por parte da gestão privada dos bens públicos. Assim, ao colocar em concorrência directa pelos recursos disponíveis, escolas públicas e escolas privadas, os defensores destas políticas acreditam que as escolas públicas terão que passar a ser geridas como qualquer empresa privada, o que as tornará mais eficientes, mais eficazes e dessa forma menos onerosas para o orçamento do ME.

Este discurso parece ganhar adeptos numa conjuntura de regressão demográfica, com a consequente diminuição do número de alunos a pressionar a entrada no sistema educativo, ao mesmo tempo em que uma conjuntura económica de contenção da despesa pública obriga o Estado a redefinir as áreas de intervenção prioritária e a perseguir princípios associados à modernização, à eficácia e à qualidade.