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5.2 Especificações conceituais: consumo cultural e midiático

5.3.1 O novo estatuto do consumidor

Se voltarmos na história, durante a Segunda Guerra Mundial, a escassez de produtos fez que os “Velhos Consumidores” (LEWIS; BRIDGER, 2004, p. 5) se conformassem com o que era ofertado pelos fabricantes. Predominava a lei da oferta.

Após esse período, quando os sujeitos começaram a ter mais poder aquisitivo, houve uma inversão e predominou a lei da demanda. Os produtos ofertados pelos fabricantes não dão mais conta da demanda dos consumidores que se tornaram mais exigentes e mais compradores. Iniciaram-se as primeiras imersões nas investigações sobre o comportamento do consumidor, já que surgiu a necessidade de vender mais do que de produzir (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009). A concorrência começa a aparecer e as empresas passam a procurar mais consumidores com a publicidade.

Lewis e Bridger (2004) apontam que surgiram os “Novos Consumidores” (p. 4), mais informados e difíceis de fidelizar. Eles têm maior poder de decisão no processo da compra e determinam o que será ofertado no mercado. Os autores explicam as diferenças entre esses consumidores.

Enquanto os Velhos Consumidores ficavam cerceados pela escassez de dinheiro, opção de disponibilidade, o Novo Consumidor confronta-se com a falta de tempo, atenção e confiança. Enquanto os Velhos Consumidores eram sincronizados, em geral alheios à produção, conformistas e, com frequência, lamentavelmente desinformados, os Novos Consumidores são individualistas, envolvidos, independentes e geralmente bem informados. [...] embora os Velhos Consumidores fossem amplamente motivados por uma necessidade de conveniência, os Novos Consumidores são dirigidos pela busca da autenticidade (LEWIS; BRIDGER, 2004, p. 5).

No fim do século XX, o mercado capitalista se tornou mais acirrado, com mais ofertas de produtos e maior poder aquisitivo desses Novos Consumidores. Estes passaram a ser vistos como a parte mais importante do processo de produção industrial. O estudo do comportamento do consumidor se tornou ainda mais imprescindível, pois “a

orientação dos negócios mudou do foco na produção para o foco em marketing” (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009, p. 17).

Até a década de 1950, as empresas acreditavam que os produtos eram escolhidos pelos consumidores com base nos aspectos racionais, isto é, nas suas funcionalidades. O primeiro foco das pesquisas de comportamento do consumidor era voltado para as reações dos sujeitos à publicidade e quais os motivos levavam à compra através de pesquisas quantitativas (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009), que tinham como objetivos prever os próximos passos do consumidor. São pesquisas preocupadas com as relações de causa e de efeito sem aprofundamentos qualitativos nas motivações dos sujeitos.

Já durante a década de 1960, as investigações de cunho motivacional descontroem o entendimento anterior de que os consumidores sabem o porquê de suas escolhas de compras. Essas pesquisas, que utilizavam com técnica principal a entrevista estruturada, buscavam descobrir junto ao consumidor, as suas motivações ou pistas delas que potencializavam o consumo (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009).

Também durante a década de 1960, no Brasil, as mulheres entram mais fortemente no mercado de trabalho, deixando de estar com os filhos ao longo do dia para aumentar a renda familiar. Esse fator, junto ao crescimento do poder aquisitivo dos pais, contribuiu para que as crianças pudessem também se afirmarem como consumidoras de produtos (GUEDES, 2016). Os pais compram bens materiais pedidos pelas crianças como tentativa de suprir a ausência deles por conta do trabalho e de prover os produtos que eles não puderam ter durante a infância no período da guerra.

Mais à frente, especificamente na década de 1980, de acordo com Blackwell, Miniard e Engel (2009), com o mercado mais competitivo, as pesquisas passam a focar mais em métodos qualitativos como etnografia para entender o processo desde a escolha até o descarte do produto. Esse avanço na investigação sobre o consumo dos sujeitos levou as empresas a combinarem as metodologias quantitativas e qualitativas para terem uma compreensão mais complexa e consistente do comportamento do consumidor.

Essas pesquisas podem ser vislumbradas dentro de dois paradigmas, segundo Solomon (2008): a positivista (positivismo) que busca entender de forma objetiva a razão humana, independente de contexto cultural; e a interpretativa (interpretativismo) que busca a compreensão social e simbólica da experiência humana, sendo a relação do sujeito com o mundo permeada de significados dados por ele e dependentes da cultura em que está inserido. Essa última é a mais propícia para a compreensão dos Novos Consumidores.

Com as inovações tecnológicas ocorridas nas últimas décadas, temos um novo estatuto do consumidor que se tornou mais exigente, além de deixar de depender unicamente das grandes empresas para a produção de materiais e também de conteúdos midiáticos.

Podemos dizer que, com a popularização da Internet, entre as décadas de 1990 e 2000, modificou-se a comunicação, tornando-a mais fluida, rápida, efêmera e recíproca, e consequentemente o consumidor se tornou mais informado e mais comunicativo com as empresas. Ademais, as marcas passaram a se comunicar globalmente, ou seja, os consumidores têm acesso a mais produtos de empresas de qualquer lugar do mundo com a globalização (CANCLINI, 1999a). Isso favoreceu que surgisse “uma cultura de consumo global, em que pessoas de todo o mundo estão unidas por sua devoção comum a produtos de consumo de marca, estrelas de cinema, celebridades e atividades recreativas” (SOLOMON, 2008, p. 16). As barreiras físicas são superadas pela Internet que permite o compartilhamento de informações globais e a aproximação dos consumidores com as marcas por meio de seus canais de comunicação, como sites de redes sociais. Essa abertura das fronteiras geográficas, segundo Canclini (1999a), permitiu a cada sociedade incorporar bens materiais e simbólicos de outras culturas, perpetuando a interação entre atividades econômicas e culturais entre diferentes nações com rapidez jamais vista antes, o que caracteriza a globalização.

A Internet também permitiu o rompimento de fronteiras hierárquicas e com a exclusividade das corporações de propagarem informações. Qualquer um pode criar um conteúdo midiático, o que dá ao sujeito mais opções de escolha além das oferecidas pelos meios tradicionais. Segundo Jenkins (2009), a economia favoreceu o acesso às novas mídias e por isso, ele propõe que os consumidores são vistos agora também como produtores com diferentes níveis de interação com o consumo, as corporações e outros consumidores.

Nem todos os participantes criados são iguais. Corporações – e mesmo indivíduos dentro das corporações da mídia – ainda exercem maior poder do que qualquer consumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente do que outros (JENKINS, 2009, p. 30).

Nesta mesma linha, Amaral (2016) explica que existe uma fusão da comunicação de massa com a interpessoal no ciberespaço, ligando emissores e receptores em rede, sendo estes últimos também produtores de conteúdo, dialogando com Toffler (1980). Os

consumidores de mídias têm maior participação e interferência na produção de conteúdo com a Internet. Com os sites de redes sociais, qualquer sujeito pode ser produtor de conteúdo, criando um deslocamento do monopólio das corporações. Lógico que não podemos dizer que é uma relação igualitária, pois as formas de participação ainda são determinadas pelo mercado, como lembra Canclini (1999a), mas podemos afirmar que existe uma postura mais ativa dos consumidores que se fazem ouvidos e estão conectados pelas redes. Com base nisso, Amaral (2016) aponta características desse novo consumidor de Internet que: dialoga com os outros indivíduos com quem tem interesses comuns; procura nela novas fontes de informação e publica conteúdos criados por ele. Portanto, vemos a evolução da reflexão sobre o consumidor: deixamos de vê-lo como o sujeito que somente comprava os produtos ofertados pelas grandes empresas e passamos a entendê- lo como sujeito que determina as demandas do mercado e também é produtor de bens materiais e simbólicos.

Diante dessa discussão, ressaltamos que nosso intuito não é fazer uma pesquisa de mercado de como a publicidade nos canais de YouTubers funcionam com os consumidores, visto que isso implicaria numa visão utilitária do consumo e do comportamento do consumidor, como algo somente para aumentar as vendas (ROCHA, 2005), mas sim complexificar o que seria o consumidor, no caso, a criança, pela visão do consumismo e do consumo cultural e midiático de publicidade, problematizando o seu papel como promotora da sociedade e cultura do consumo, o que será discutido no tópico seguinte.

5.4 A publicidade como produto cultural e midiático de promoção do consumo