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Como forma de diminuir o estranhamento que podíamos causar ao chegarmos para falar com as crianças, já que “a distância física, social, cognitiva e política entre o adulto e a criança tornam essa relação muito diferente das relações entre adultos” (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 354), propomos oficinas nas duas escolas. Elas serviriam para discutir com as crianças sobre o YouTube como um novo espaço do brincar, focando em trabalhar com as crianças a criação e a produção de vídeos para a plataforma (o que pode filmar, como gravar com a câmera do celular, entre outros aspectos72). Nossa intenção era ter um primeiro contato com as crianças e o consumo de YouTube, assim tomamos os devidos cuidados para não agendar as respostas delas para as entrevistas. As oficinas foram também uma contrapartida, ou seja, as informações obtidas nas oficinas foram analisadas e apresentadas nas escolas participantes.

Antes de falarmos com as crianças, conversamos tanto com as coordenadoras quanto com as professoras das duas turmas do quinto ano do Ensino Fundamental, que contemplavam a faixa etária pretendida. Elas permitiram que falássemos com as crianças para apresentar a pesquisa na sala de aula e entregássemos os “Termos de consentimento livre e esclarecido”73 para serem assinados pelos seus pais, autorizando a participação. Assim, a escolha das crianças dependeria do interesse delas e do aval dos pais com a assinatura do termo. Acreditávamos que, com base em pesquisas anteriores que já participamos74 e pelo aceite do Comitê de Ética em Pesquisa do TCLE, não teríamos problema em conseguir a autorização dos pais, porém o empírico nos faz refletir sobre nossas certezas.

72 A proposta detalhada da oficina está no Apêndice A. 73 Apresentado no Apêndice B.

74 “TIC Kids On-line Brasil – Portugal” e “Publicidade infantil em tempos de convergência”, ambos pelo grupo de pesquisa da relação infância, juventude e mídia (GRIM) da Universidade Federal do Ceará.

Assim esbarramos com esse empecilho não esperado: o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Fomos surpreendidos com a dificuldade dos pais assinarem os TCLEs. Apesar desses documentos terem passado por diferentes revisões, de acordo com a coordenação pedagógica, alguns pais da Escola Estadual Maria José Mabilde não entenderam seu conteúdo e tiveram receio de assiná-lo, precisando da intervenção da coordenadora, que eles já conhecem, para explicá-lo melhor. Acreditamos que, para pesquisas futuras em escolas públicas, seria interessante escrever uma carta para os pais, explicando mais resumidamente do que se trata o TCLE da forma mais simples possível. Ademais, tivemos crianças que, apesar de interessadas, não trouxeram os termos assinados porque esqueceram, o que atrasou o andamento da pesquisa. São problemas passíveis de encontrar, principalmente no ambiente escolar, mas que acreditamos serem importantes de relatar para as próximas pesquisas. Por isso, o número de crianças foi aumentando à medida que íamos nas escolas falando com elas e elas traziam as autorizações dos pais. Decidimos, portanto, não delimitar um número de entrevistas e entrevistarmos todas as crianças interessadas. Além disso, confiamos no poder de decisão da criança que escolheu participar da pesquisa ou não ao invés de impor as atividades para todos os alunos, já que nem todos podem ter interesse no objeto desta investigação. Diante desses considerações, fomos primeiramente na EEAB. A professora já havia nos entregado os TCLEs assinados pelos pais. Nessa escola, conseguimos seis autorizações na primeira incursão e fizemos a oficina com essa quantidade de crianças. Foram quatro meninos e duas meninas, a maioria com 10 anos e um com 11 anos.

O interesse foi imediato quando apresentamos a proposta da oficina sobre o YouTube para as crianças da EEAB. Tanto que dez TCLEs foram entregues, porém a demanda foi maior e após a primeira oficina, levamos mais termos para as crianças que queriam ainda participar.

Na EEAB, as crianças puderam fazer todas as atividades por se tratar de um grupo pequeno: seis participantes. Primeiramente, elas escolheram os nomes fictícios que detalharemos nos perfis das crianças. Elas prenderam os nomes nas roupas para poderem ser chamadas pelos pseudônimos durante a oficina. As próprias crianças chamavam umas às outras pelos nomes fictícios.

Num primeiro momento, perguntamos sobre os YouTubers que as crianças da EEAB gostam: Felipe Neto, Lucas Neto, TJgamer, Lucas Lucco, Rezendeevil. Os meninos gostam de vídeos, preferencialmente, sobre o jogo Grand Theft Auto (GTA) e

de futebol. Já as duas meninas preferem vídeos de coreografia e uma delas se interessa por cavalos. Foi importante para termos uma noção do que elas procuram no YouTube, o que facilitou a nossa busca por esses YouTubers antes das entrevistas.

Após esse momento, elas tiveram que criar um canal fictício e escrever sobre ele no papel, respondendo as questões sobre o que eles falariam nos vídeos e em quem se inspiraram para fazer o canal. Entre as inspirações, as crianças citaram os mesmos YouTubers que já assistem com frequência e entre os assuntos que elas fariam nos vídeos estão: animais (cavalo), música, futebol, jogadores Neymar e Messi, desafio do travessão (acertar o travessão no campo de futebol) e videogames (GTA).

Logo após, ensinamos aspectos sobre a produção audiovisual: luz, enquadramento, posição da câmera e do microfone e roteiro. Fizemos uma atividade de luz e contraluz, pedindo para que elas ficassem de frente para a luz solar e contra a mesma para entenderem como podem usá-la a seu favor numa gravação. Outra atividade foi pedir para que elas se posicionassem na frente da câmera do tablet da pesquisadora para verem onde ficaria melhor a imagem delas e, por último, mostramos onde fica e como usar o microfone do mesmo aparelho. A questão da luz e do microfone foram apontadas por elas como mais interessantes, pois não sabiam dessas regras. Já sobre o roteiro, elas sabiam “falas de abertura” de vídeos como “Oi, galerinha” e “Oi, pessoal” e frases para finalizar como “Se inscrevam no canal” com base nos YouTubers que elas assistem, ou seja, as crianças aprendem com o meio digital a como produzir conteúdo. É uma “reprodução interpretativa” (CORSARO, 2011, p. 31), que significa que elas não somente reproduzem o que veem, mas se apropriam das informações de forma a entenderem a cultura.

Quando perguntadas sobre o porquê deles pedirem mais inscrições, as crianças da EEAB responderam que era para conseguirem mais pessoas para verem os vídeos, inclusive um dos meninos de 10 anos explicou que quanto mais inscritos tiverem, os YouTubers ganham placas comemorativas de prata, de ouro e de diamante. Além disso, elas acreditam que é necessário fazer vários vídeos para se tornar famoso pela plataforma. Portanto, elas mostraram conhecerem um pouco da lógica de produção do YouTube.

Fizemos essa primeira parte da oficina na sala de computadores e após essa última atividade mudamos para a quadra, pois outra professora iria usar os computadores. Essa alteração afetou a atenção das crianças, pois elas queriam explorar o local e brincar. Tivemos mais dificuldade em discutir sobre o próximo tópico sobre privacidade.

As crianças da EEAB apontaram um entendimento sobre privacidade básico que é de não poderem postar qualquer coisa na Web. Porém, quando perguntadas sobre a possibilidade de colocarem a escola no vídeo, dois meninos não viram problema além do fato da diretora não deixar usar o celular para a gravação. Ou seja, eles não sabiam se mostrar a escola num vídeo seria problemático em questões de privacidade. Já em relação aos pais e a casa, as crianças foram unânimes em afirmar que caberia a eles decidirem se queriam aparecer no vídeo ou não. Logo, para as crianças, não seria um problema mostrar os pais no YouTube, contanto que tivessem o consentimento deles.

Já sobre as vestimentas, as crianças da EEAB apontaram que devem aparecer no vídeo vestidas com camisas, bermudas, calças. Uma das meninas afirmou que usaria um short curto porque a mãe dela deixa usar e ela gosta. No total, para as crianças, o mais importante é estarem vestidas com roupas que gostam.

Portanto, é importante a escola trabalhar mais sobre a privacidade das crianças na EEAB, envolvendo o que elas podem publicar na Internet, pois elas ainda têm pouca noção sobre os riscos de publicizarem suas vidas no ambiente on-line. Podemos ver isso quando somente um dos meninos falou sobre o assunto, dizendo que não colocaria seu nome próprio no canal, por achar que podem ter ladrões que o seguiriam e isso seria perigoso. Isso pode ser abordado em sala de aula como tema de redação ou com a apresentação de casos de pessoas famosas que tiveram suas contas invadidas por hackers.

Após a oficina na EEAB, fomos para a EEMJM. A situação foi um pouco diferente. A professora que ministraria a aula à tarde faltou e fomos chamados pela coordenação para fazermos a oficina com as crianças. Porém, era uma turma de 15 crianças, o espaço era o refeitório do lado da quadra da escola, já que as outras salas estavam ocupadas, o que atrapalhou no desempenho da oficina. As crianças da EEMJM se dispersavam fácil e todas queriam falar ao mesmo tempo. Por vezes, elas demonstraram interesse na pesquisadora com perguntas pessoais durante a oficina. Conseguimos fazer na EEMJM as atividades 1, 2 e 4 do roteiro, pois envolviam que elas escrevessem, o que as mantinham atentas. Mesmo com as distrações, as crianças conseguiram desempenhar essas atividades e discutiram entre si e com a pesquisadora as perguntas propostas na oficina.

Portanto, reforçamos o que Sampaio (2007) propõe sobre fazer atividades de pesquisa com menos crianças por questão de peculiaridades da infância. Mesmo não concordando metodologicamente em fazer a oficina com uma turma de alunos, sem deixar

a opção da criança querer participar ou não, foi uma situação excepcional de auxílio à escola que não podia deixar as crianças ociosas. Acreditamos que a pesquisa precisa ter o compromisso de ajudar no ambiente escolar.

Discutimos, em um primeiro momento, as questões sobre quais YouTubers elas admiram e a criação de um canal fictício. As crianças tinham que criar um canal com base em alguém que as inspirassem, porém elas tiveram dificuldade em entender o conceito de inspiração. Utilizamos sinônimos como admiração ou quem elas gostariam de ser. Alguns dos nomes levantados por elas: Whindersson Nunes, Lorrayne Oliveira, Larissa Manoela e Anitta. Não foi à toa que três desses nomes foram os que elas escolheram para serem representadas na pesquisa. Outras crianças colocaram que admiravam a mãe ou a irmã e o irmão. Essas colocaram o nome próprio no canal.

Já sobre a privacidade, as crianças da Mabilde apresentaram maior preocupação com o que é postado na Web, principalmente as meninas. Uma delas, que foi nossa entrevistada, disse que o pai, por enquanto, não ia deixar que ela publicasse nada no YouTube, mesmo ela já tendo feito alguns vídeos com essa intenção. Outra entrevistada, de 10 anos, falou que existem pessoas ruins na Internet que podem querer fazer “alguma maldade” se descobrirem onde as crianças moram. Elas foram unânimes em dizer que não se deve mostrar a escola e a casa no vídeo. Essa questão foi mais fortemente discutida entre as meninas, enquanto que os meninos já achavam que, com consentimento dos pais, eles poderiam mostrar a casa sim. Assim como na escola EEAB, as crianças também foram unânimes em dizer que precisam aparecer vestidas, na frente das câmeras, mas as meninas enfatizaram que isso é importante para evitarem que pessoas malvadas as vejam e queiram fazer algo com elas. Notamos, portanto, que as meninas da EEMJM tinham um discurso mais elaborado sobre a privacidade, o que pode proporcionar pesquisas futuras sobre a questão da proteção da criança relacionada ao gênero, porém este não é nosso foco.

Para a pesquisa, acreditamos que o estranhamento foi diminuído com as oficinas, principalmente pelo fato de termos levantado a curiosidade delas em saberem mais sobre a pesquisadora e conversarem sobre o YouTube. Seguiremos no tópico seguinte para a etapa que engloba as entrevistas individuais.

Para as escolas, as oficinas permitiram observar algumas pistas sobre a questão da privacidade e da familiaridade delas com o YouTube. Além disso, conseguimos discutir inicialmente sobre os YouTubers que elas seguem e alguns aspectos técnicos sobre

audiovisual para vídeos na plataforma. Lembramos que não é nosso intuito aprofundarmos analiticamente nas oficinas e, assim, concluímos que próximas pesquisas podem abordar mais as questões de privacidade e de produção audiovisual no YouTube. Como forma de contribuição para as escolas, entregamos um relatório com análise das falas das crianças nas oficinas e fizemos duas propostas pedagógicas para o uso do YouTube no aprendizado75.

Após a entrega do relatório com essa análise em cada escola, tanto a EEAB quanto a EEMJM pediram para que a pesquisadora apresentasse os resultados da pesquisa para os professores e também discutisse as propostas metodológicas abaixo como forma de participação na formação pedagógica, como podemos ver nas imagens abaixo. Reforçamos a abertura das escolas para receber a pesquisadora e o interesse nos resultados, significando que o consumo de YouTube precisa ser discutido em sala de aula.

Figura 40 - Apresentação dos resultados na EEAB

Fonte: a coordenação da EEAB

Figura 41 - Apresentação dos resultados na EEMJM

Fonte: a coordenação da EEMJM

Acreditamos, assim, que esse diálogo é importante para que a pesquisa não fique somente no âmbito universitário, mas que as falas das crianças e o olhar da pesquisadora possam contribuir no ensino.

75 Apresentado no Apêndice D.