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Novos horizontes para pensar a evangelização do

Capítulo I. O contexto no qual se deu a Experiência

1.2. Filosofia comboniana da Evangelização:

1.2.4 Novos horizontes para pensar a evangelização do

Um projeto para a evangelização e a emancipação do continente negro é urgente. Daniel Comboni conceberá esse projeto e o denominará de Plano

para a regeneração da África. Sua finalidade é a evangelização da África: um processo, segundo ele, simples, justo e prático, adaptado às necessidades das imensas tribos da Nigrícia central 80, ou como ele disse:

O meu plano é preparar na Europa missionários capazes, boas mulheres missionárias e artesãos de valor que se estabelecem nas regiões limítrofes da África, onde o clima é suportável para os europeus e para indígenas. Formaremos missionários, boas donas de família e hábeis artesãos negros destinados a transferir-se, concluída a sua instrução, para as suas terras de origens para estabelecer aí a civilização segundo o processo traçado no meu plano .81

79 Pioneiros e exploradores, os missionários penetravam sempre no profundo do coração do Continente misterioso: com o intento de desvelar o mistério, converter os negros e levá-los à civilização . Cf. GAFFURI, L., (dir.). África o morte. Viaggi di missionari

italiani verso l e sorgenti del Nilo, 1851-1873. Milão: Unicopli, 1996, p. 23. Antes disso, precisamente em 1846, o Papa Gregório XVI tinha decretado oficialmente, através dessa aventura missionária, a fundação das missões da África Central e a instituição de um Vicariado apostólico. Na primeira fase, em relação a primeira metade de 1800, a obra missionária foi uma verdadeira via crucis. O drama se explica no dilema: sacrificar inutilmente as vidas dos missionários? Ou, abandonar a evangelização da África? Por isso a necessidade de pensar um método alternativo.

80 COMOBONI, Daniel, op. cit., no 1346;p. 410. 81 Ibid., no 1428, p. 440.

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O plano para a regeneração da África de Daniel Comboni82visa implantar estavelmente a fé e a civilização na África; é o meio radical e adequado para converter os negros; é um projeto de conquista, de implantação da fé e é útil para despertar a maior atenção de Roma para toda a África. Assim se assegura a estabilidade e continuidade das missões da Nigrícia. Trata-se de uma reforma metodológica em relação à missão.

Segundo o historiador italiano S. Trinchese, chega-se a precoce consideração positiva da necessidade, vindo da missão, de favorecer a formação de um clero indígena 83. Verifica-se, no projeto de Daniel Comboni, o papel fundamental da formação do clero, das religiosas, dos catequistas negros para o nascimento de uma sociedade cristã na África84. A novidade da reforma consiste fundamentalmente em preparar os negros para missão. Nesse sentido, é como responder a questão colocada por Karl Marx, em uma de suas teses sobre Feuerbach: "Quem educará os educadores?" Será uma minoria de educadores, animados pela fé na necessidade de reformar o pensamento e de regenerar (a missão). São os educadores que já têm, no íntimo, o sentido de sua missão 85.

Daniel Comboni traz, portanto, uma visão bem inovadora, porém, dentro da lógica missionária segunda a qual há sempre quem é culturalmente superior, que oferece e quem é cristalizado no seu papel de receptor e destinatário da Evangelho e da civilização ocidental. Em todo o caso, o fato de pensar a preparação do negro para missão na própria terra pode ser interpretado como um indicador que anuncia um início do processo da inculturação no qual os indígenas se assumem como sujeitos que desenham o perfil da própria história e da própria evangelização no sentido de que se processa a reinterpretação dos dados de fé para novas situações e contexto. Ao interpretar, o negro manifesta sua identidade. Assim, o princípio

82 Ibid., no 1864, p. 599.

83 Para TRINCHESE S., além das motivações religiosas, essa necessidade é para d ar continuidade ao projeto na escala mundial de redimensionar a humanidade nos parâmetros da civilização ocidental, ou seja, os negros formados seriam multiplicadores da cultura européia no continente negro. Sviluppi missionari e orientamenti sociali. Chiesa en el magistero di Leone XIII. In: ROSA G. De; GREGORY, T.; VAUCHEZ, A. (dir).,

Storia dell Italia Religiosa 3. L Età Cont emporanea. Laterza, 1995. 84 Cf. O Plano 1871. COMOBONI, op. cit., no 2772 2783, p. 898-890.

85 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Repesar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina. 9 ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p.101.

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metodológico comboniano Salvar o negro com negro 86 torna-se fundamental para que o negro se confronte com o que lhe é próprio, íntimo, a consciência negra, a sua interioridade o seu eu coletivo ou individual.

De fato, os anos que seguiram o Concílio Vaticano II viram os negros acordarem de um longo pesadelo dentro de uma Igreja onde não tinham nenhuma expressão original. Os negros reivindicam a liberdade de escolher, propondo-se ao mundo com uma atitude crítica, construtiva, repartindo a própria cultura, querendo oferecer perspectivas negras aos problemas dos negros. Um campo de observação privilegiado pelo antropólogo é o relativo à esfera religiosa. O campo religioso é um dos pontos de partida onde os negro- africanos estão reconstruindo o seu próprio tecido cultural, do interno.

Hoje um grupo significativo de teólogos negro-africanos enfrentam o tema da evangelização, fundamentando a discussão no princípio da inculturação87. Esse termo significa, antes de tudo, o processo por meio do

qual o indivíduo entra na cultura na qual nasceu, isto é, se in-cultura . A inculturação é um termo apropriado pela teologia falando do Evangelho ou da fé cristã , emprestado da antropologia cultural, justamente por causa desse importante processo que se realiza na rede das relações dinâmicas em que cada indivíduo constrói o próprio ambiente social e físico e por meio do qual estrutura o próprio patrimônio cultural 88. A inculturação garantia os mecanismos dinâmicos da continuidade cultural, entendendo por continuidade a transmissão de geração em geração, em uma palavra, a

tradição. Nesse sentido, o comboniano negro terá de trabalhar por um carisma comboniano africanizado que será baseado em dois princípios: a universalidade do Carisma comboniano e a historicidade 89 do Instituto

86 O plano está baseado neste princípio: regenerar a África por meio da própria África . COMOBONI , op. cit., no 1425, p. 439.

87 Cf. KALAMBA NSAPO, Sylvain. Tendências atuais da teologia africana. In GIBELLINI, Rosino (Ed.). Perspectivas teológicas para o século XXI. Trad. Carlos Felício e Roque Frangiotti. Aparecida-SP: Santuário, 2005, p. 101-132.

88 NANNI, Antonio; ABBRUCIATI , Sergio. Per capire l interculturalità. Parole-Chiave, p.53.

89 A consciência da historicidade e a compreensão do pro cesso do conhecimento, no correr da história da humanidade, fazem ver que a verdade não é inteiramente pré- existente e objetiva. Já não se considera o cristianismo como um depósito ou sistema objetivo de verdades prévias à realidade histórica. A verdade é busca, dependente de sua historicidade concreta, fundamentalmente processual e contextualizada, sem deixar de ter valor universal; do contrário só existe como abstração conceitual. LIBANIO J.B.;

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comboniano. Uma vez que esse princípio é entendido, o problema reside em descobrir da parte do negro, isto é, apreender a usar do seu aparato cultural para viver como comboniano a vida cotidiana. Não se trata apenas de, no momento da liturgia, bater as mãos, tocar os tambores, dançar, vestir roupas coloridas ou cantar em línguas africanas. É preciso articular o sagrado com todas as estruturas históricas do viver comboniano.

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