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MS = Ministério da Saúde, SES = Secretaria de Estado da Saúde, SMS = Secretaria Municipal

Capítulo 2. ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE O CEAF

6 Especialização Gestão da Assistência

2.2.1 O acesso aos medicamentos do CEAF

Para esta análise considerou-se que acesso à saúde constitui um comportamento de uso de bens e serviços com a finalidade de atingir uma meta definida pela necessidade apresentada pelo indivíduo ou comunidade (SOARES, 2013). No caso do acesso aos medicamentos, este comportamento depende de fatores predisponentes do usuário (por ex. características socioeconômicas e percepções sobre o sistema de saúde); de fatores capacitantes (por ex. a organização dos serviços de saúde, a regulamentação do sistema e as percepções dos profissionais de saúde); das necessidades percebidas e dos resultados em saúde.

Ou seja, o acesso a medicamentos não depende somente do estipulado em uma política (BIGDELI et al., 2013), dependendo também dos itinerários terapêuticos construídos pelos usuários, de acordo com seus contextos e circunstâncias. Ainda segundo Soares (2013), uma vez que os serviços são caracterizados como atividades que dependem da interação direta do provedor com o usuário desse serviço, o seu uso está condicionado à relação do usuário com o profissional.

Por outro lado, para Aday e Andersen (1974) a acessibilidade refere-se à capacidade de um sistema de saúde produzir serviços que influenciam seu acesso ou uso. Com base nesse pressuposto, para Soares (2013) a acessibilidade dos serviços aos usuários constitui uma das características estruturais dos serviços que capacitam o usuário a acessá- los. E a capacidade de produzir serviços é dependente da estruturação e gestão destes serviços, o que irá lhe conferir a qualidade de serviços mais ou menos acessíveis.

Desta forma, ao analisar as transcrições encontrou-se que, apesar dos atores destacarem que o acesso aos medicamentos do CEAF melhorou nos últimos anos, os mesmos descrevem as barreiras que limitam a oportunidade do acesso.

Da perspectiva dos participantes, principalmente usuários e médicos, a primeira barreira diz respeito aos protocolos e às regras de funcionamento do CEAF. Os PCDT são considerados burocracia que

restringem o acesso aos medicamentos e desviam o foco do processo de cuidado dos pacientes ao cumprimento dos trâmites administrativos, situação que pode ser contraproducente para a saúde. A segunda barreira descrita são as limitações na oferta dos serviços de saúde necessários para o cumprir os requisitos estabelecidos nos PCDT (exames e consultas) (Fatores capacitantes).

Como resposta a estas barreiras são desenvolvidas estratégias alternativas visando a concretização do acesso aos medicamentos. Tais estratégias incluem empréstimos de medicamentos de pacientes com o mesmo diagnóstico e a compra privada; a utilização da via judicial; a agilização de consultas e exames por meio de agendas paralelas para saltar as filas de espera; a criação de um sistema fictício de consultas e exames. De acordo com os participantes, ainda que as estratégias alternativas garantam o medicamento, ao mesmo tempo geram efeitos secundários relacionados à saúde, pois não garantem que os demais serviços necessários para o acompanhamento dos tratamentos estejam disponíveis. Ainda, a partir das falas é possível inferir que estas estratégias demonstram a frágil concepção de direito a saúde dos usuários, a dependência dos profissionais que ajudam e a percepção de que os exames, prescrições e formulários médicos são papéis desnecessários para o êxito dos tratamentos (Consequências das estratégias alternativas).

As categorias, subcategorias e exemplos de falas que as representam são apresentadas no Quadro 2-8.

Quadro 2-8 Categorias, subcategorias e afirmações referentes a primeira análise temática: O acesso aos medicamentos do CEAF.

Subcategorias Categorias

Os fatores capacitantes do CEAF

Impactos positivos apesar das barreiras

(U7) “Mesmo com sacrifício de conseguir, ainda bem que tem. Claro que tem que melhorar muita coisa, mas acho que os passos estão sendo dados”.

(U9) “Positivo mesmo é que o usuário tem a certeza de que ele vai receber o medicamento. Medicações caríssimas, imagina, um usuário renal ia ter acesso a essa medicação? Como?”

Burocracia que limita o acesso

(F2) “Tem muito essa parte burocrática, acaba demorando mais tempo pro usuário receber o medicamento, desde o diagnóstico até o tratamento demora bastante”.

(M3) “O acesso... deveria ter a menor burocracia possível... Ele chega no local (de dispensação) e já retira a medicação... sem que tenha que entrar em uma fila de espera”.

Limitações na oferta da rede de serviços de saúde

(U3) “A demora dos exames é muito longa. Eu estou há um ano esperando o resultado de um raio X... aí eu tive que pagar pelo exame”.

(M3) “O fato de alguns protocolos exigirem a opinião ou a prescrição do especialista como a primeira indicação, impede o acesso de boa parte dos usuários, porque daí a gente tem o gargalo do acesso ao especialista [no SUS]”.

Estratégias alternativas para o acesso aos medicamentos do CEAF

Empréstimos e compra privada

(U5) “O meu caso, não tem nem na farmácia para vender o remédio... eu tive que ir atrás de alguém que tivesse para me emprestar”.

(U8) “No início do processo, o meu medicamento estava em falta. Então eu fiquei um tempinho sem o medicamento, deu, foi aprovado e tudo, mas daí não tinha o medicamento. Ia chegar em tal mês, mas não veio. Aí eu tive que comprar”.

Judicialização (M1) “A gente tem duas opções: ou preenche os critérios do protocolo ou vai pela justiça”. (M5) “Devido a algumas limitações (dos PCDT), aí a gente manda para o judicial” Mecanismos para

transpor a fila

Subcategorias Categorias

(U3) “Ela já estava dois anos sem se consultar. Aí pra facilitar, a doutora faz uma agenda especial de quando precisa e tá com dificuldade, e [o usuário] que tá um bom tempo sem conseguir vai lá e conversa com ela que ela dá uma ajuda”.

Sistema fictício de consultas e exames

(U7) “Quem sabe, se aumentasse o prazo de renovação seria mais fácil conseguir uma consulta de verdade, a cada 6 meses do que uma mentira a cada 3”.

(U3) “E aí aumenta a dose sem nem ver a paciente... já aconteceu várias vezes, não sei o que isso vai causar, da minha filha não se consultar, mas a medica passa, já tá um tempo assim”.

Consequências das vias alternativas

Dependência de profissionais que “ajudam”

(U6) “Tudo depende de ter a graça de pegar um médico bom, consciencioso, que encaminhe que te oriente...”. (U3) “E a médica disse: calma mãe, tudo tem solução, eu vou te mostrar os caminhos que tu vai seguir e tu vai conseguir”.

Percepção de exames, laudos e formulários como papéis desnecessários

(U3) “Pedem muitos papéis. Tá no posto o papel encaminhado, e tu vai ficar sem o remédio? Por que aqui eles querem o papel. E não tem o que fazer”.

(F6) “Então manda a sua folhinha, ele (o médico) vai te olhar e não vai pedir exame, realmente, ele só vai te olhar e assinar uma folha, só que isso vai trazer como consequência uma consulta a menos, pra uma pessoa que tá precisando realmente daquela consulta. ”

Frágil concepção do direito à saúde

(M6) “No geral o que a gente acaba vendo, usuários que tem mais recursos econômicos e culturais são os que acabam acessando com mais facilidade do que os que realmente precisam. Ou eles não se acham autorizados a correr atrás disso, ou não sabem como correr atrás disso, então assim, isso acaba sendo um entrave grande”. (U3) “Nem sabia que eu tinha direito a esse tratamento. Eu fico feliz pelo programa que o governo deu”. Não garantem que os

demais serviços necessários para o seguimento dos tratamentos estejam disponíveis

(M6) “Não tem unidade básica, não tem especialista suficiente na rede... e os hospitais estão sempre super, super lotados. Quanto mais recurso tu tiver pra manter os usuários na comunidade melhor”.

(F2) “(O farmacêutico) não sabe o que tá acontecendo, tá entregando o medicamento pra que, assim sabe? Tá melhorando? Se tá fazendo o tratamento correto ou aconteceu alguma coisa que tem que suspender o tratamento. Não sabemos de nada, não tem monitoramento”.

2.2.2 A fragmentação do cuidado e a forma atual de