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A EXPRESSÃO DA MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO PUBLICITÁRIO:

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

1. ENUNCIADOR: TERCEIRO AUSENTE

6.4. O ALVO DEÔNTICO

A instauração de valores deônticos por parte da fonte implica a existência de um outro elemento: o alvo deôntico, isto é, aquele sobre o qual recai um dado valor. Segundo Lyons (1977), ele pode ser um indivíduo ou uma instituição. Entretanto, essa dicotomia não é suficiente quando procedemos à análise dos dados, de tal forma que, em muitos casos, não era possível identificar sobre quem recaiam tais valores. Sendo assim, vimos a necessidade de inserção de mais uma variável, a qual denominamos alvo não-especificado.

As funções persuasivas a que se presta tanto a fonte quanto o alvo deôntico são importantes na argumentatividade do discurso publicitário. A escolha por determinado alvo implica efeitos de sentido distintos, como tentaremos mostrar. A seguir, temos a freqüência de cada tipo de alvo no corpus:

Gráfico 5: Tipo de alvo deôntico

Pelo gráfico, constatamos que a incidência dos valores deônticos instaurados ocorre com maior freqüência quando o alvo é o indivíduo, o que representa 48% do total. Em seguida, temos os valores incidindo sobre um alvo não-especificado (30%) e sobre a

instituição (22%). Essa maior incidência sobre o indivíduo já era esperada, uma vez que,

no discurso publicitário, se quer que o leitor efetive o consumo de produtos/serviços, ou melhor, apela-se constantemente ao leitor. Desse modo, cabe a ele a realização das ações propostas pelo publicitário-anunciante, que está revestido de diversas maneiras.

As ocorrências a seguir ilustram cada tipo de alvo:

[46] Se você usa GTX Turbo, provavelmente você não vai querer vender seu carro. Mas, se quiser, pode vender para um amigo. Sem medo. No que depender de GTX Turbo o motor do seu carro vai estar em perfeitas condições: todas as partes vão estar superprotegidas e, com certeza, ele vai ter uma longa vida útil. (P- AUT)

[47] É natural que nos orgulhemos da relação que mantemos entre capital líquido e depósitos. Afinal, um banco deve ter sempre uma boa base de capital e reservas, servindo de margem adicional de proteção aos seus depositantes. (P-REA)

[48] O dura-a-vida-toda é específico de Tergal. É fácil preferir tudo isto, porque tudo isto é bom.

E é obrigatório preferir tudo isto em Tergal, porque só Tergal tem tudo isto. (P-REA)

Em [46], por meio do modal poder, instaura-se uma permissão genérica (concessão). O alvo é um indivíduo, identificado pelo sujeito genérico “você”, já que faz referência a qualquer um que usa o CTX Turbo. Em [47], por sua vez, o modal dever é utilizado na instauração de uma obrigação geral para os bancos, já que o sujeito da oração (um banco) é indefinido, fazendo com que tal valor recai sobre qualquer instituição bancária. Há,

Indivíduo 48% -Não especificado 30% Instituição 22%

portanto, a “criação” de um padrão/modelo de banco: aquele que possui reservas em dinheiro. Quanto a [48], o adjetivo em posição predicativa se presta à instauração de uma obrigação, cujo alvo não está determinado. A não-especificação do alvo constitui um recurso suasório sutil, que se presta a preservar as faces dos interlocutores, uma vez que o enunciador não direciona, ou aponta, a quem caberá agir, deixando a critério de cada um a opção de fazê-lo. Além disso, a unipessoalização71 confere ao enunciado um caráter geral, consensual, e que, por isso, adquire um valor de verdade eterna. Segundo Mesquita (1999), esse tipo de deontização é próprio de tipos textuais com alto grau de argumentatividade, como é o caso do discurso publicitário.

Vale ressaltar, ainda, algumas construções passivas de enunciados deonticamente modalizados, como [49]:

[49] Hoje em dia uma empresa planeja suas instalações em função do seu tipo de atividade, do espaço disponível, do seu organograma, da iluminação. Isso e tudo mais deve ser considerado. - Fiel oferece uma equipe de vendedores altamente especializados para estudar e resolver os problemas específicos de cada caso.

(P-CRU)

Na ocorrência acima, há o “apagamento” do alvo deôntico (que pode ser o consumidor ou a empresa), isto é, do agente da passiva, sobre o qual recai o valor deôntico instaurado, o que, talvez, constitua uma estratégia sutil de manipulação, pois o estado-de- coisas é apresentado do ponto de vista do objeto, ou porque o enunciador conscientemente deseja que o alvo deôntico não seja identificado, ou porque, para ele, o primeiro argumento (A1) é recuperado.

Quanto à relação entre os valores semânticos de obrigação, permissão e proibição e os tipos de alvo, constatamos o seguinte:

a) As obrigações recaíram com maior freqüência (34%) sobre a instituição;

b) Em 75% do valor de permissão (sugestões, concessões e autorizações), o alvo foi o

individuo;

c) 50% das proibições tiveram sua incidência sobre o alvo não-especificado.

71

Como foi dito anteriormente, essa incidência das obrigações, na maior parte, sobre

instituição (empresa) está relacionada às normas de qualidade e produção dos objetos

anunciados e ao compromisso das empresas com essas normas. As permissões e seus diversos matizes, por sua vez, recaem sobre o indivíduo seja qual for o seu papel, já que a ele são sugeridas ações, são feitas concessões e dadas autorizações, tudo no sentido de conquistar o futuro cliente. A alta produtividade na instauração de proibições sobre um alvo não-especificado constitui uma tentativa de preservar as faces dos interlocutores, pois a ninguém especificamente é proibido agir de determinada forma.

Na análise dos anúncios que fazem parte de corpus desta pesquisa, observamos, em alguns casos, o uso de modalizadores com sujeitos inanimados e sem o traço [+con], requerido em enunciados modalizados deonticamente. Ocorre que, por um processo metonímico, o produto faz referência à instituição que o produz ou ao indivíduo que o adquirirá. Segundo Sandmann (2002, p. 85), as figuras de linguagem, como a metonímia, emprestam à mensagem “maior vivacidade, vigor e criatividade”, na tentativa de atrair e prender a atenção do leitor. Vejamos:

[50] Um Volkswagen pode ser simples ou luxuoso, pode ser pequeno ou grande, mas tem que durar. (P-MAN)

[26] Para perdurar no tempo, o novo modelo (injetoras Sandretto) deve satisfazer

completamente as atuais exigências de moldagem, automação e também prever

corretamente desenvolvimentos futuros. (P-EX)

Apesar da não-animacidade do sujeito, tais construções são reconhecidas pelos falantes como orientados para o agente, o que significa dizer que o contexto é importante para a interpretação desses modalizadores, uma vez que, a presença de agentividade pode ou não ser expressa explicitamente (COATES, 1983 apud HEINE, 1995). Desse modo, podemos dizer que a interpretação dos modalizadores deônticos, em alguns casos, depende de um esquema inferencial (todo tipo de conhecimento evocado pelo usuário para compreender um enunciado), que é ativado de acordo com o gênero textual.

Acreditamos que, ao modalizar deonticamente um enunciado como [50] e [26], cujos sujeitos são o objeto de venda do anúncio (carro, móvel, shampoo, perfume...), há uma tentativa de preservar as imagens associadas ao consumidor e ao anunciante, pois não coloca uma “ordem” explicitamente ao consumidor ou ao fabricante, adquirindo o

enunciado um caráter de verdade eterna incontestável, uma vez que o foco está nas propriedades desejáveis e, portanto, obrigatórias, desse produto.

Trata-se, portanto, de uma das estratégias discursivas de que dispõe o publicitário- anunciante para a construção da argumentação com o objetivo de persuadir o leitor, provável consumidor, além de “descomprometer” parcialmente a empresa com relação aos valores deônticos instaurados.