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O ambiente no contexto de outras questões nacionais

O ambiente como problema e como preocupação na opinião pública pode ser analisado através de um conjunto de indicadores disponíveis nos Eurobarómetros. Antes de nos focarmos nos problemas ambientais especificamente, começamos por mostrar qual a posição da questão am- biental num contexto mais vasto de preocupações nacionais.

No primeiro Eurobarómetro após a adesão de Portugal à União Eu- ropeia (EB25 Standard), referente à primavera de 1986, questionava-se sobre «quais as matérias prioritárias a ser debatidas no Parlamento Euro-

peu?». Nessas prioridades, proteger o ambiente e lutar contra a poluição apa- recia em segundo lugar na UE12 (54%), numa lista com 10 itens, en- quanto Portugal colocava esse item em quinto lugar (26%), revelando tratar-se de uma matéria de interesse crescente, mas ainda em segundo plano, face, por exemplo, à escalada da subida de preços (inflação), re- flexo da crise que o país atravessara em 1983-1984, com 56% de respostas.

Dois anos mais tarde, em 1988, questionavam-se os europeus sobre «em que direções avançar no sentido da criação de um Mercado Único Europeu» (que arrancou em 1993). O ambiente surgia como assunto pri- mordial em 9 dos 12 Estados-membros, incluindo Portugal – e excluindo Espanha, França e Grécia. Em resposta a esta questão, 89% dos portu- gueses assinalaram o ambiente como a principal área de atuação comum europeia, tratando-se nessa altura de uma temática no topo da agenda pública nacional (EB29, 1988). A reforçar esse destaque, segundo o EB30 (1988), o ambiente foi considerado um importante assunto político para 81% dos portugueses.

A novidade da pertença ao espaço europeu favorecia também uma atenção especial a tudo o que daí decorria, como o caso do Ano Europeu do Ambiente, muito mais «conhecido» entre os portugueses, do que no conjunto dos Estados-membros: 58% dos portugueses afirmam ter ouvido

ou lido sobre o Ano Europeu do Ambiente, acima da média europeia (31%),

manifestando assim o efeito da cobertura mediática e a divulgação de campanhas nacionais a propósito desse evento (figura 1.1).

Esta fase coincide, aliás, com o eclodir de um dinamismo em matéria ambiental no país que irá influenciar as décadas seguintes. É disso exemplo a publicação da Lei de Bases de Ambiente e da Lei das Associações de De- fesa do Ambiente, em 1987, anteriormente referidas, bem como a criação do Instituto Nacional do Ambiente para a informação e promoção do tema (Valente 2001). Acresce ainda o protagonismo político de Carlos Pi- menta, que além de se ter empenhado ativamente na divulgação do Ano Europeu do Ambiente, «deve ser referido pelo seu contributo decisivo para a criação de alguns instrumentos institucionais como foram a Direção- -Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA) e a Direção-Geral de Recursos Naturais» (Soromenho-Marques 1998, 84). Além disso, enquanto secretário de Estado do Ambiente «trouxe a público uma série de situações ambien- talmente críticas», através de uma ação com um forte carácter interventivo, favorecendo a noticiabilidade do tema (Schmidt 2003 e 2008).

Em 1989 (EB31), a propósito de um conjunto de matérias, questio- navam-se «quais as áreas em que deveriam adotar-se regras comuns a todos os países da Comunidade?». O ambiente surge como a área onde

as respostas de todos os Estados-membros são mais convergentes no sen- tido de estabelecer essas regras comuns. No ano seguinte, 1990, esta ques- tão foi alvo de uma reformulação, questionando-se se «em relação a um conjunto de áreas políticas, devem as decisões ser tomadas pelos governos nacionais ou pela Comunidade Europeia?». Como resposta, 38% dos portugueses consideraram que a proteção do ambiente deveria ser uma de- cisão nacional e 42% uma decisão da Comunidade Europeia, para uma média da UE12 de 29% e 67%, respetivamente (EB32, 1990). Esta ten- dência para considerar o ambiente como uma área de atuação política, onde os europeus indicam uma preferência por adotar regras e decisões comuns a todos os países, mantém-se até hoje. No caso de Portugal re- gista-se uma progressiva aproximação a essa média europeia. Aliás, atual- mente (2011), enquanto 31% dos portugueses afirmam que deve ser uma decisão nacional, já 61% consideram que deve ser uma decisão europeia, para uma média UE27 de 29% e 68%, respetivamente (EB 76, 2011). No que respeita às preocupações ambientais, foram crescendo desde finais de 1980: em 1988 (EB29), 64% dos portugueses consideravam o am- biente um problema imediato e urgente (contra 74% da UE12), percentagem que aumentou em 1992 (EB37) para 74% (contra 85% da UE12), e que volta a subir no final da década de 90, quando cerca de 82% dos portu- gueses percecionavam o ambiente como um problema imediato e urgente, para uma média europeia de 68% (EB51, 1999).

A partir de 2003, nos EB Standard, passa a questionar-se «quais são as duas questões mais importantes que Portugal enfrenta atualmente?».

Figura 1.1 – Ter ouvido ou lido sobre o Ano Europeu do Ambiente, 1988 (%) Fonte: EB29 (1988). Portugal UE12 NS/NR 7% NS/NR 4% Não 35% Não 65% Sim 58% Sim 31%

As respostas que encontramos neste tipo de perguntas são sobretudo um reflexo do que é a agenda pública e mediática do momento e, nesse sen- tido, são respostas «flutuantes», muito localizadas no tempo e marcadas pelas contingências e pelos contextos específicos de cada país. Assim, com base numa listagem, podem identificar-se quais os principais pro- blemas nacionais que a opinião pública destacou e, ao mesmo tempo, observar o lugar que o ambiente ocupa no conjunto das questões nacio- nais listadas. Numa abordagem à última década, observa-se que o tema que tem marcado o topo das questões nacionais é o desemprego. Além do desemprego, um conjunto de questões de âmbito essencialmente eco- nómico revela-se constante nas posições cimeiras desta hierarquia: a dupla da subida de preços/inflação e a situação económica. As próprias categorias temáticas dos EB são alvo de uma politização, o que se cons- tata mais em contexto de crise, acentuando-se progressivamente a im- portância das questões económicas. Revelador disso é o surgimento de novas categorias, como é o caso exemplar de dívida pública, em 2011.

Comparando os dados de Portugal de 2011 com a média europeia (UE27), verifica-se que as preocupações relativamente ao desemprego, si- tuação económica, impostos e habitação se acentuam mais entre os por- tugueses, num momento de reconhecimento e impacto mais generalizado da crise, em contexto de entrada em cena da Troika e da eleição antecipada de um novo governo. Por seu turno, a insegurança, o sistema de saúde e segurança social, o sistema educativo, a emigração e as questões de ambiente,

energia e alterações climáticas são questões que recolhem valores superiores

na média europeia em comparação com Portugal. Muito embora a tríade «desemprego-subida de preços/inflação – situação económica» esteja no topo desta hierarquia, tanto em Portugal como na UE27, outros proble- mas de carácter mais social e ambiental evidenciam uma opinião pública portuguesa também preocupada com eles (figura 1.2).

Ao longo do período em análise, a referência à questão do ambiente tem vindo a sofrer alterações, isto é, a própria categoria tem sido objeto de mudança, desde a proteção do meio ambiente, como uma categoria au- tónoma durante os anos 1990, até à sua aglutinação com temas mais es- pecíficos atualmente. As questões relacionadas com energia surgem na listagem a partir de 2007 (EB66), e acabam por ser associadas ao ambiente e às alterações climáticas na categoria global questões de ambiente, ener- gia e alterações climáticas em 2012 (EB77). O ambiente passa assim, desde 2012, a surgir sem autonomia enquanto grande tema nas categorias desta questão nos EB Standard, articulado a questões globais que marcam de forma premente a agenda nacional e internacional.

Apesar do valor mais baixo atribuído ao ambiente no contexto de ou- tros problemas, isso não significa que não se trate de uma questão consi- derada importante pelos portugueses – o ambiente é «muito importante» para 51% dos portugueses (e 58% dos europeus) e «relativamente impor- tante» para 44% (e 37% dos europeus) (EB75.2, 2011) (figura 1.3).

Se o grau de importância atribuído ao ambiente em Portugal se en- contra próximo da média europeia, quando se trata da avaliação da si- tuação do ambiente nacional em comparação com a situação do am- biente dos outros países da UE27, verifica-se que os portugueses fazem atualmente uma avaliação bastante mais negativa: 63% consideram que a situação do ambiente em Portugal está pior do que a dos outros países da UE, tendo como referência a média UE27 de 38% (EB77, 2012) (figura 1.4). Aliás, a tendência crítica dos portugueses agravou-se desde 2010 (EB73), altura em que 55% consideravam a situação do ambiente em Portugal pior do que nos outros Estados-membros.

Em termos evolutivos, a avaliação da situação do ambiente no país também tem sido tendencialmente mais negativa do que nos outros paí-

Figura 1.2 – Quais são os dois problemas mais importantes que o país enfrenta? (2012) Fonte: EB78 (2012). Desemprego Situação económica Subida de preços/inflação Impostos Dívida pública Habitação Reformas/pensões Sistemas de saúde e segurança social Insegurança (criminalidade) Terrorismo Sistema educativo Questões do ambiente, energia e alterações climáticas Imigração

Figura 1.3 – Grau de importância atribuído ao ambiente, 2011 (%) Fonte: EB75.2 (2011). Áustria Finlândia Polónia H olanda Alemanha Portug al

Letónia Estónia Espanha

R oménia Eslováquia R eino Unido UE 27 Lituânia R epública C heca D inamarca Irlanda Itália Bélgica França H ungria Grécia Luxemburgo Bulgária Eslovénia

Suécia Malta Chipre

Muito importante Relativamente importante Não muito importante

Nada importante Não sabe

Figura 1.4 – A situação do ambiente no país é melhor ou pior do que a média dos países da UE, 2012 (%)

Fonte: EB77 (2012). Portugal UE27 Muito melhor 2% Muito melhor 9% Um pouco melhor 22% Um pouco melhor 44% Um pouco pior 44% Um pouco pior 28% Definitivamente pior 19% Definitivamente pior 10% NS/NR 13% NS/NR 9%

ses, ainda que o contexto da crise, que absorve a atenção pública de forma intensa, acabe por aproximar os valores nacionais dos europeus em 2010, no que se refere à perceção da situação do ambiente (figura 1.5).

No entanto, a importância do ambiente junto da opinião pública não acompanha nem o discurso mediático, nem o discurso político do- minantes, nos quais o ambiente reduziu a sua presença.4Como vimos,

para os portugueses, segundo o EB 75.2 (2011), o ambiente é conside- rado um tema importante e/ou muito importante para 95% e a degra- dação ambiental é avaliada como preocupante para 63%, em 2012 (EB77, 2012).

Em síntese, o ambiente tem de competir na agenda pública por um lugar de relevo, perdendo peso em cenários como o da crise atual, onde ganham ênfase as temáticas económicas e financeiras. Porém, isso não significa que os portugueses não atribuam importância ao tema. Pelo contrário, a preocupação ambiental continua elevada para a maioria dos portugueses, os quais manifestam também uma visão mais crítica e pes- simista face à situação do ambiente no país do que a média dos europeus.

Figura 1.5 – Evolução da perceção da situação do ambiente, 2005-2010 (%)

Fonte: EB63 (2005), EB66 (2006), EB68 (2007), EB70 (2008), EB71 (2009), EB73 (2010).

2005 2006 UE27

Portugal

2007 2008

Bom/Muito bom Mau/Muito mau NS UE27

Portugal PortugalUE27 PortugalUE27 PortugalUE27 PortugalUE27 2009 2010

4O ambiente é um tema que não tem marcado uma presença forte nos meios de co-

municação social, nos últimos anos, excepto em 2007, após a mediatização sobre as Al- terações Climáticas, em resultado da simultaneidade de divulgação do livro e filme de AlGore (Uma Verdade Inconveniente), do Relatório Stern e dos resultados dos IPCC – In- tergovernmental Panel on Climate Change (Schmidt, Horta e Carvalho 2011).