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Preocupação com as alterações climáticas

No documento Alterações climáticas na opinião pública (páginas 118-123)

Os níveis de preocupação com as alterações climáticas são um indi- cador da relevância deste tema na opinião pública e um fator que in- fluencia o desenho das políticas de mitigação e adaptação ao problema, designadas genericamente nos EB como «medidas de combate». Quanto mais preocupados se mostrarem os cidadãos, maior a probabilidade de os decisores políticos se sentirem compelidos a agir e respaldados na opção por medidas mais impopulares, que penalizem as indústrias e ati- vidades com maior contribuição para a emissão de gases com efeitos de estufa, ou afetem os níveis de conforto e conveniência da população (Oreskes 2004; Lorenzoni et al. 2007).

Desde o início dos inquéritos que abordam este tema que Portugal regista níveis de preocupação um pouco mais elevados do que a média europeia (figura 3.1). Verifica-se uma tendência de subida dos níveis de preocupação até meados da década de 1990, assistindo-se a um pico coin- cidente com o lançamento do 2.º relatório do IPCC em 1995. Desta data em diante, até 2002, observa-se uma inversão de tendência, para abaixo de metade da amostra. Partindo-se do princípio de que existe uma correlação entre os níveis de preocupação e o «grau de saliência» do tema traduzido nos relatórios do IPCC e nos media, a inversão de tendência observada (em contraciclo com o reforço científico da gravidade do fe-

nómeno, suas causas e consequências) não deixa de ser interessante. Pode formular-se a hipótese de que o relatório do IPPC, ao reduzir a incerteza sobre a existência do fenómeno, terá feito decrescer o grau de preocupa- ção. Por outro lado, outros problemas globais do final dos anos 1990 e do início do novo século (atentados terroristas, conflitos armados) terão desalojado as alterações climáticas do topo das preocupações dos cida- dãos.8No entanto, na Europa observa-se, em média, uma ligeira subida

dos níveis de preocupação entre 1999 e 2002, coincidente com a publi- cação do 3.º relatório do IPCC em 2001.

Ao longo da década de 2000, o tema não volta a ser abordado nos Eurobarómetros, a não ser em questões sobre a hierarquia de problemas ambientais mais graves (ver abaixo). Voltará a emergir em 2008, logo após a publicação do 4.º Relatório de Avaliação do IPCC (2007) e também na sequência do relatório do economista Nicholas Stern (2006) que aler- tou para os enormes custos para a economia mundial da inação face às ac’s, e, sobretudo, da divulgação do livro e documentário de Al Gore

Uma Verdade Inconveniente (2006-2007, respetivamente). Uma tríade de Figura 3.1 – Inquiridos que se declaram muito preocupados

com as alterações climáticas 1986-2002 (%)

Fonte: EB 25 (1986), EB 29 (1988), EB 43.1 (1995), EB 51.1 (1999), EB 58.0 (2002). 70 60 50 40 30 20 10 0 1986 Portugal UE 2002 1999 1995 1988

8Num inquérito sobre riscos ambientais realizado em Portugal em 2003, apenas

40% dos inquiridos classificam as alterações climáticas como um problema muito grave, muito abaixo da destruição da camada de ozono (72%), que recebia na altura uma forte atenção mediática (Delicado e Gonçalves 2007).

Figura 3.2 – Inquiridos que consideram as alterações climáticas um problema muito grave 2008-2011 (%)

Fonte: EB 69.2 (2008), EB 71.1 (2009a), EB 72.1 (2009b), EB 75.4 (2011). 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2008 Portugal UE 2011 2009b 2009a

acontecimentos mediatizados que exponenciaram a inquietação sobre as alterações climáticas à escala europeia e mundial (Schmidt 2008; San- tos 2012; Soromenho-Marques 2013).

De facto, verifica-se que, em 2008, cerca de 75% dos cidadãos euro- peus consideram as alterações climáticas um problema grave ou muito grave. A figura 3.2 mostra que Portugal regista valores muito semelhantes à média europeia, mas o declínio em 2009 e a subida em 2011 foram mais acentuados, verificando-se uma maior estabilidade dos valores para a Europa e uma maior flutuação para Portugal. A descida deste índice a partir de 2008 poderá estar correlacionada com a emergência da crise fi- nanceira, que veio «desviar atenções», bem como com uma certa incon- sistência de uma preocupação que oscila ao sabor da projeção mediática. Em simultâneo poderá deduzir-se que a questão das alterações climáticas como «problema» está correlacionada com um quadro mais abrangente de «problemas», não só ambientais.9

9A oscilação registada entre os dois inquéritos realizados em 2009 (em janeiro-feve-

reiro e em agosto-setembro), não pode ser explicada com o «Climategate» (Jasanoff 2010; Wynne 2010) que só ocorreu em novembro nem com a COP de Copenhaga, mas tarde

No que respeita a variações sociodemográficas na avaliação da gravi- dade das alterações climáticas, o género não tem qualquer influência re- gistável (a não ser a maior propensão das mulheres a responder «não sei», 7% contra 3% nos homens). Já no que respeita à idade (figura 3.3), torna- -se claro que os mais novos manifestam maior preocupação com a gra- vidade das alterações climáticas do que os mais velhos.

Uma tendência inversa (mas relacionada com a idade) verifica-se quanto à escolaridade (figura 3.4): os inquiridos ainda a estudar ou que saíram mais tarde da escola revelam uma maior consciência da gravidade do problema, do que os que menos estudaram.

Curiosamente, também se verificam diferenças relativas ao posicio- namento político dos inquiridos (figura 3.5): os respondentes que se de- claram de centro ou de esquerda consideram mais frequentemente que o problema das alterações climáticas é muito grave. Isto apesar de em

ainda. Por outro lado, 2009 foi um ano particularmente quente, segundo o Boletim Cli- matológico Anual do Instituto de Meteorologia, pelo que a perceção das alterações cli- máticas tenderia a aumentar, não a diminuir. A ocorrência de maior saliência neste pe- ríodo em Portugal foi a realização de eleições legislativas. Como tal, estas variações poderão dever-se mais a problemas de amostragem (os inquéritos realizados no verão são particularmente problemáticos) do que a reais mudanças na opinião pública.

Figura 3.3 – Inquiridos que consideram as alterações climáticas

um problema muito grave por escalão etário, 2011, Portugal (%)

Fonte: EB 75.4 (2011). 80 70 60 50 40 30 20 10 0 15-24 25-39 40-55 mais de 55

Fonte: EB 75.4 (2011). 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Sem

escolaridade 14 anosAté aos Até aos18 anos 22 anosAté aos Ainda aestudar

Figura 3.5 – Inquiridos que consideram as alterações climáticas um problema muito grave por posicionamento político, 2011, Portugal (%)

Fonte: EB 75.4 (2011). 80 70 60 50 40 30 20 10 0

Esquerda Centro Direita

Figura 3.4 –Inquiridos que consideram as alterações climáticas um problema muito grave por idade de saída da escola, 2011, Portugal (%)

Portugal não existir um debate político sobre a existência das alterações

No documento Alterações climáticas na opinião pública (páginas 118-123)