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A água como principal preocupação ambiental Tal como noutros domínios ambientais, quando Portugal integrou a

União Europeia, em 1986, a transposição das Diretivas Comunitárias in- fluenciou os primeiros anos da adesão. Em termos de orgânica do Estado,

merecem relevo a criação do Ministério do Plano e da Administração do Território, com a integração das Direções-Gerais do Saneamento Básico e dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos na Direção-Geral dos Recursos Naturais (DL n.º 130/86, de 7 de junho). São de referir três momentos- -chave: a) a publicação do decreto-lei sobre a qualidade das águas (DL n.º 74/90); b) a criação, em 1993, do Instituto da Água – considerado um passo importante na tentativa de consolidar a passagem do paradigma hi- dráulico para o novo paradigma ambiental, o que acontece de forma lenta, em muitos casos disfuncional e sem uma efetiva integração à escala de todo o território nacional (Pato 2008 e 2011; Schmidt e Prista 2010; Schmidt, Saraiva e Pato 2012); c) a publicação do Decreto-Lei n.º 45/94, que marca o arranque do Plano Nacional da Água e dos Planos de Bacia (Schmidt 2008, 298). Acrescem ainda os efeitos da publicação da Lei de Delimitação dos Sectores (DL n.º 372/93) e a reorganização do sector das águas e dos esgotos em sistemas multimunicipais e municipais (DL n.º 379/93), abrindo caminho à criação do grupo Águas de Portugal (Ferreira 2012).

À escala europeia, o insucesso das políticas e a dispersão de leis e ins- trumentos impulsionou a necessidade de ser implementada uma abor- dagem global sobre a água, processo que teve início em 1993, através de uma proposta de diretiva da Comissão Europeia, que pretendia tornar obrigatória a monitorização da qualidade da água e a identificação das potenciais fontes de poluição pelos Estados-membros (McCormick 2001, 195). Esta proposta teve o seu desfecho a 23 de outubro de 2000 com a publicação da Diretiva Quadro da Água (DQA) (Diretiva 2000/60/CE), cuja ampla abrangência fornece a base para todas as políticas sobre a água, nomeadamente ao estabelecer um quadro de ação comunitária para a proteção das águas superficiais, de transição, costeiras e subterrâneas, alargada à conservação da natureza (Scheuer 2005, 196).

Trata-se de uma das mais importantes componentes da política euro- peia sobre água das últimas décadas, que tem como objetivo central atin- gir e conservar o «bom estado ecológico» de todas as massas de água até 2015 – ano em que será alvo de avaliação –, propondo como objetivo final o bom funcionamento do ecossistema, a ser alcançado com base na gestão, planeamento e monitorização por bacias hidrográficas e na participação dos cidadãos (Mostert 2003).1 As bacias hidrográficas pas-

sam a ser encaradas como unidade de gestão, numa nova visão baseada

1Na perspetiva do legislador, o êxito da DQA «depende da estreita cooperação e de

uma ação coerente a nível comunitário, a nível dos Estados-membros e a nível local, bem como da informação, consulta e participação do público, inclusivamente dos uten- tes» (DQA 2000).

no princípio da sustentabilidade, com um enfoque no recurso água, vi- sando uma gestão ecossistémica (Arrojo 2011, 220), o que obriga os Es- tados-membros a gerir as massas de água de forma integrada e a partir das fronteiras naturais, o que abre caminho à sua gestão conjunta caso se trate de bacias partilhadas (Correlje, François e Verbeke 2007).

A Diretiva Quadro da Água foi transposta para o quadro jurídico na- cional através da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água), que estabelece as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas; e através da Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro, que define a ti- tularidade dos recursos hídricos. Segundo João Pato, o processo de trans- posição da DQA para a legislação nacional acabou por pôr fim a uma «sucessão de tentativas falhadas de revisão do quadro jurídico das águas», obrigando o Estado a uma revisão legislativa profunda, assim como «à adoção de novos pressupostos de natureza económica, social e ambiental e à reestruturação do quadro institucional de referência» (Pato 2013, 66).

Com base na DQA, a Lei da Água introduz o «princípio da região hi- drográfica como unidade principal de planeamento e gestão das águas, tendo por base a bacia hidrográfica como estrutura territorial». Cronolo- gicamente, desde a década de 1990 (DL n.º 45/94) que, sem sucesso, o país procurara constituir a região hidrográfica como unidade territorial de ges- tão, o mesmo sucedendo com o Plano Nacional da Água, aprovado pelo DL n.o 112/2002, de 17 de abril. Os primeiros passos foram dados em

2006, com a aprovação da Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (DL n.º 207/2006, de 27 de outubro), a qual define o modelo de organização do Ministério, incluindo a criação de cinco Administrações das Regiões Hidrográficas (ARH) – Norte, Centro, Tejo, Alentejo e Algarve. Porém, a concretização efetiva das ARH aconteceu somente em 2008, após a publi- cação do DL n.º 208/2007, de 29 de Maio. Segundo este último diploma, caberiam a estas entidades as funções de gestão e planeamento integrado dos recursos hídricos, aplicando os princípios do poluidor-pagador e uti- lizador-pagador, com fundos próprios conseguidos através das taxas de re- cursos hídricos (DL n.º 97/2008, de 11 de junho).2Em 2009, as ARH

deram início à elaboração dos planos de região hidrográfica, diferindo dos planos de bacia quanto à cobertura geográfica, uma vez que a unidade dei- xou de ser a bacia hidrográfica e passou a ser a região hidrográfica.

2Reforçando a autonomia financeira e administrativa e do sector, com o objetivo

prioritário de promover a utilização racional e proteção dos recursos hídricos, em 2009, foi ainda criado o Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos (DL n.º 172/2009).

Possuindo autonomia financeira, técnica e administrativa, as ARH ad- quiriram rapidamente uma dinâmica de sucesso. Contudo, no início do novo ciclo político, resultante das eleições legislativas de 5 de junho de 2011, foram integradas na Agência Portuguesa do Ambiente, perdendo au- tonomia e dinamismo. A APA passou a incorporar igualmente o Instituto da Água. Temos assim que, poucos meses depois de entrar em funções, o novo Governo desencadeou mudanças controversas nos serviços de água e saneamento, abalando negativamente um sector que acabara de se reor- ganizar de forma funcional e alinhada com as políticas europeias. Entre outras medidas, a lei orgânica do novo Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (DL n.º 7/2012, de 17 de janeiro) e a alteração da Lei da Água (DL n.º 130/2012 de 22 de junho) re- presentam um claro retrocesso das políticas para o sector, designadamente ao inverterem a descentralização da gestão da água, alteração que tem igual- mente consequências na participação cívica.

Nas últimas décadas, a água não foi apenas um dos temas-alvo de maior atenção no quadro da política europeia e nacional de ambiente, mas ocupou igualmente o topo das preocupações dos cidadãos. Relativamente à evolução da opinião pública sobre esta temática, evidenciámos no capítu - lo 1, com base nos resultados dos Eurobarómetros sobre Ambiente, que os portugueses e os europeus colocam as preocupações associadas à água em primeiro plano e assinalam-nos como principais danos ambientais. Nos in- quéritos sobre Ambiente o tema integrou questões que remetem essencial- mente para duas dimensões: por um lado, a perceção sobre a qualidade da água para consumo humano e, por outro lado, a poluição dos ecossistemas marinhos, neste caso, geralmente, com remissão para as fontes poluidoras.3

3A este propósito vale a pena referir a evolução das categorias presentes nos EB de

Ambiente sobre a temática da água. Assim, em 1982 (EB18) as perguntas relativas a preo- cupações ambientais incluíam as categorias «pureza da água de consumo», «poluição de rios e lagos» e «danos causados à vida marinha e às praias pelos petroleiros». Em 1986 (EB25) as categorias «poluição da água, dos rios e dos lagos» e «danos causados à fauna marinha e às praias» estavam presentes na listagem das preocupações ambientais, enquanto a «qualidade da água potável» integrava uma questão sobre razões de queixa do local onde habitavam. Em 1995 (EB43.1) na identificação dos maiores danos ambientais entre as op- ções surgia «produtos químicos lançados no ar ou na água», «esgotos» e «poluição dos mares e litoral por petróleo». Em 1999 (EB51.1), entre as razões de queixa do local de re- sidência surgiam as categorias «qualidade da água da torneira» e «qualidade das águas bal- neares». No âmbito das preocupações ambientais, as categorias relativas à questão da água incidiam sobre a «poluição do mar e do litoral» e a «poluição de rios e lagos»; em 2002 (EB58.0) foi ainda adicionada a categoria «poluição das águas subterrâneas». Finalmente, em 2005 (EB62.1), a «poluição da água (mares, rios, lagos e águas subterrâneas)» surgia numa lista de problemas ambientais preocupantes, mantendo-se até hoje.

É de salientar que, desde que foram lançados estes Eurobarómetros, apesar de as preocupações dos cidadãos identificarem a água como uma das prin- cipais preocupações, a temática somente mereceu atenção específica em dois inquéritos Flash EB recentemente realizados,4respetivamente, o Flash

EB 261 (2009) e o Flash EB 344 (2012), integrados no calendário da Diretiva Quadro da Água, em particular no debate público sobre a nova geração dos planos de bacia hidrográfica na Europa.