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Capítulo 2: A Experimentação Animal

2.3. Controle Social e Regulamentação

2.3.2. O Animal Welfare Act dos Estados Unidos da América (1966)

A pesquisa médica que floresceu no mundo ocidental encontrou seu refúgio perfeito nos Estados Unidos da América (EUA), devido a maiores facilidades para obtenção de fundos de apoio para pesquisas, provenientes principalmente de organizações filantrópicas. Os cientistas norte-americanos eram mais bem pagos, e possuíam um maior status profissional, em comparação com seus colegas europeus. Ademais, os EUA tiveram um crescimento econômico

rápido e relativamente estável, enquanto os países europeus arcavam com as consequências econômicas e sociais das duas Grandes Guerras travadas em seus territórios. Por fim, parece ter sido a falta de uma oposição organizada contra a experimentação animal que atrasou o processo legislativo em prol do bem estar animal até a década de 1960, e permitiu aos cientistas conduzir experimentos que não mais seriam permitidos na Europa.

Esta falta de oposição à vivissecção pode ser explicada pela pouca utilização da prática em solo americano durante o século XIX. Um número muito menor de experimentos envolvendo animais vivos havia sido conduzido em solo norte-americano até o meio do século em questão, em comparação com o Reino Unido, resultando em interesse público escasso.

Houveram, no entanto, tentativas de oposição. Henry Bergh (1811 – 1888) havia testemunhado tais experimentos na Europa, e procurou atrair a atenção do público estadunidense para o debate. Fundou, em 1866, a American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), que defendia o controle legislativo da vivissecção no Estado de Nova York durante a década de 1870. Anos mais tarde, logo após uma série de confrontos entre anti-vivisseccionistas e membros da comunidade científica em Boston e Filadélfia, no ano de 1883, alguns membros da ASPCA fundaram a American Anti-Vivisection Society (AAVS), mas foram facilmente neutralizados pela National Academy of Science (NAS) e pela American Medical Association (AMA), que defendiam a continuação dos experimentos com animais em uma época de grandes descobertas no campo da medicina.

Apesar das pontuais tentativas de mobilização, ainda pelos próximos 50 anos o público demonstrou pouco interesse pelas organizações em defesa dos direitos dos animais, em grande parte pela propaganda divulgada pela AMA. Em um panorama marcado por enormes avanços na pesquisa médica, e pouco interesse pelas questões envolvendo o bem estar animal, os humanistas norte-americanos voltaram sua atenção para outros assuntos. Na conferência da American Humane Society de 1914 foi explicitado o desejo de prestar pouca ou nenhuma atenção à vivissecção (Turner, 1980).

Em decorrência disto, a utilização de animais para pesquisas biomédicas e psicológicas proliferou, e os EUA testemunharam um aumento extraordinário no número de pesquisas científicas que utilizavam quantidade cada vez maior de animais, principalmente cães e gatos. Em

vista de tal demanda, a National Society for Medical Research pressionou pelo suprimento legal de animais, advindos principalmente de abrigos. Minnesota, Wisconsin, Nova York, Dakota do Sul, Oklahoma, Massachusetts, Connecticut, Utah, Ohio e Iowa aprovaram leis na década de 1940 garantindo o suprimento de animais abandonados advindos de abrigos para a utilização em pesquisas científicas. Foi a partir daí que a situação começou a mudar.

O Animal Welfare Institute (AWI), criado em 1952 para lutar pelos direitos dos animais abandonados, criticava a legislação, que mandava animais que supostamente deveriam receber cuidados nos abrigos para suas mortes em instituições de pesquisa. Apelando para o sentimentalismo do público, para a simpatia com cães e gatos, o AWI conseguiu atrair uma atenção popular tamanha que não poderia mais ser ignorada pelos políticos. Seus membros se infiltraram em instituições de pesquisa e denunciaram situações de maus tratos e cuidados inadequados para com as cobaias, alertando uma opinião pública cada vez mais preocupada que o controle legislativo da vivissecção era necessário (Stevens, 1990).

Monamy (2009) destaca dois eventos importantes, ocorridos no início dos anos de 1960, que impulsionaram o processo legislativo. O primeiro conta a história de um cão dálmata chamado Pepper, roubado de seus donos provavelmente por um comerciante de animais para ser vendido pra fins científicos. Embora não se tenha provado que o cão, utilizado em experimentos para depois ser sacrificado e incinerado, fosse realmente Pepper, a situação causou uma enorme resposta emocional do público, em relação não só ao dálmata, mas a todos os milhares de animais mortos em circunstâncias similares, e atraindo a atenção política para a regularização da vivissecção. O segundo evento trata de um artigo foto jornalístico publicado na revista Life em quatro de fevereiro de 1966, expondo as condições degradantes aos quais os animais eram submetidos pelos comerciantes antes de serem vendidos às instituições de pesquisa.

O descontentamento público resultou em ações legislativas no sentido de licenciar tanto comerciantes quanto laboratórios. Em adição, o Laboratory Animal Welfare Act de 1966 também impunha inspeções regulares das instalações de pesquisa, realizadas pelo US Department of Agriculture (USDA), e garantia melhores cuidados a cães, gatos, primatas e roedores. A lei foi modificada em 1970, passando a ser conhecida como Animal Welfare Act, incluindo qualquer categoria de animais de sangue quente, e sofreu novas modificações em 1985, devido a novas manifestações públicas, desta vez ligadas ao bem estar de macacos usados em pesquisas, e em

1991, formalizando o estabelecimento dos Institutional Animal Care and Use Committees (IACUC), a obrigação de cuidado veterinário apropriado, a necessidade de minimização da dor e estresse nos experimentos, e formulou guias para o bem estar psicológico de primatas. É responsabilidade do USDA identificar e redirecionar os casos pertinentes aos IACUCs.