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Capítulo 1: Os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia

1.1. O Core Set

Entende-se por core set o grupo, ou o conjunto dos grupos, com autoridade para participar decisivamente da resolução de uma dada controvérsia científica, geralmente composto por especialistas tecnicamente bem informados e certificados sobre o assunto em questão (Collins, 1988).

Em sua obra Changing Order: Replication and Induction in Scientific Practice, Harry Collins procura ilustrar o assunto com exemplos ligados à emergência de novos conhecimentos científicos, como a replicação do TEA-Laser, os estudos sobre ondas gravitacionais, e os experimentos relacionados à parapsicologia.

Quanto ao caso das ondas gravitacionais, Collins usa o exemplo do professor Joseph Weber, da Universidade de Maryland, que, em 1969, alegou ter encontrado evidências da incidência na Terra de quantidades substanciais de radiação gravitacional provinda do espaço. Weber havia projetado ele mesmo o detector de ondas, e uma série de experimentos de diferentes especialistas buscaram confirmar ou contestar suas teorias, nos anos seguintes, sem sucesso significativo. Isso porque, no caso das ondas gravitacionais, somente teoria e experimentação não resolvem a controvérsia:

“O resultado correto depende da existência de ondas gravitacionais atingindo a Terra em fluxos detectáveis. Para descobrir isso, precisamos construir um bom detector de ondas gravitacionais e verificar. Mas não sabemos se construímos um bom detector até testá-lo e obtivermos os resultados corretos! Mas não sabemos os resultados corretos até... e assim sucessivamente ad

infinitum” (Collins, 1992: 84).

Collins chama a este ciclo de “experimenters’ regress”, afirmando que o trabalho experimental somente pode ser usado como um teste para as novas teorias se uma solução que quebre o ciclo seja encontrada. Quando tal solução não é encontrada, o ciclo só pode ser evitado

através de outros critérios que definam a qualidade dos experimentos, outros meios precisam ser encontrados, que independam do próprio resultado do experimento.

Não existe, portanto, um conjunto de critérios científicos que estabeleça a validade das descobertas no campo estudado, e o “experimenters’ regress” obriga os cientistas a procurar por outros critérios de qualidade para o encerramento da controvérsia, entre eles os fatores sociais externos ao experimento. É necessário ir além do que os experimentos mostram, fazendo do debate um processo social interessante. Dentre estes fatores externos, Collins destaca a confiança nas capacidades experimentais e na honestidade dos pesquisadores, bem como sua personalidade e inteligência, a reputação dos envolvidos no debate, o local de trabalho dos cientistas, se na academia, na indústria, o tamanho do laboratório onde foram conduzidos os experimentos, histórico prévio de falhas, estilo e apresentação dos resultados, modo como os experimentos foram conduzidos, tamanho e prestígio das universidades de origem, bem como sua interligação com as redes de pesquisa científica, e até mesmo a nacionalidade dos pesquisadores. Competência, reputação e conhecimento tácito dos pesquisadores são, portanto, fatores comumente usados pelo core set para minar seus opositores, e determinar a descoberta ou não de um novo fenômeno científico. A conclusão de uma controvérsia científica seria, como explicam Martin & Richards, resultado não de testes rigorosos realizados exclusivamente no âmbito científico, mas de pressões e demandas da comunidade, que refletem não somente o conhecimento aceito por essa comunidade, mas também seus interesses e objetivos sociais:

“... segundo esta visão construtivista, a ‘verdade’ ou ‘falsidade’ das teorias científicas deriva de interpretações, ações e práticas dos cientistas, ao invés de residir na natureza”. (Martin & Richards, 1995, retirado de: http://www.bmartin.cc/pubs/95handbook.html).

No entanto, Collins centra demasiadamente suas análises na comunidade científica e no aspecto técnico das controvérsias, dando pouca atenção a outro aspecto amplamente discutido nos ESCT atualmente: a participação pública. O autor justifica seu enfoque afirmando que não se pode esperar do público leigo conclusões firmes sobre assuntos científicos aos quais mesmo os especialistas certificados discordam (Collins, 1988). Ademais, ainda segundo Collins, os

experimentos raramente são abertos ao público, e quando o são, é somente depois que a fase de maior incerteza já foi deixada para trás. A comunidade científica preserva a participação, ou mesmo a observação participativa nos experimentos, para si. Ao público geral resta somente assistir às demonstrações, sem ter acesso às preparações, aos julgamentos, às falhas experimentais acontecidas, em suma, ao trabalho da ciência. O público não consegue adquirir, desse modo, o nível de ceticismo detalhado necessário para pertencer ao core set, destinado somente ao grupo de especialistas tecnicamente bem informados. A demonstração seria um fenômeno posterior ao fechamento da controvérsia.

O público está, portanto, acostumado a assistir a demonstrações para fortalecer uma posição já consolidada dentro da comunidade científica, ao invés dos experimentos que trouxeram incerteza e debate para os pesquisadores. Parte pelo desejo popular por certezas ao invés de dúvidas, parte por sua falta de ceticismo crítico, característica presente somente entre aqueles que possuem a expertise técnica para entender os experimentos:

“O público está acostumado a ver demonstrações que refletem o consenso científico, não experimentos dentro de uma área em disputa. A apresentação usual da ciência nas escolas e na mídia nos leva a esperar que todos os testes científicos sejam como as demonstrações - que tenham resultados claros e decisivos. É isto o que procuramos... Eles [o público] veem, mas não possuem o envolvimento que os membros do core-set possuem” (Collins, 1988: 739).

Isto não quer dizer que o público não tenha sua representação nas controvérsias. Collins utiliza o exemplo do Greenpeace para elucidar a questão. Seus membros que não fazem parte da comunidade científica, os sellers of badges and T-shirts, nas palavras do autor, não estão em posição de questionar os protocolos científicos, mas seus membros cientistas, sim. Engenheiros e cientistas, ressalta Collins, representam seus colegas leigos no core set.

Somente indivíduos qualificados e com experiência na área em questão devem contribuir para a interpretação das evidencias científicas. E tais interpretações devem ser reservadas, portanto, ao core set. Tal abordagem, baseada em aspectos técnicos, deixa pouca margem de ação para outro assunto muito discuto atualmente dentro dos ESCT: a participação pública.