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Capítulo 2: A Experimentação Animal

2.4. As diferentes posições do Debate Atual

2.4.3. Os Abolicionistas e o Movimento pelos Direitos dos Animais

Greif & Tréz (2000) destacam os princípios básicos, inspirados nos escritos do suíço Hans Ruesch, que caracterizam os movimentos contrários à experimentação animal:

— Todos os experimentos em animais devem ser rejeitados por motivos morais, éticos, e principalmente por motivos científicos;

— Os experimentos com animais destroem o respeito pela vida e dessensibilizam o profissional ante o sofrimento de seus pacientes;

— Experimentos em animais não são uma forma correta de diagnosticar, pesquisar ou curar doenças humanas. As diferenças orgânicas, anatômicas, biológicas, metabólicas, genéticas e psíquicas entre homens e animais são tão gritantes que o conhecimento obtido de animais para humanos é não apenas sem valor, como também errôneo e até prejudicial;

— Experimentos com animais são conduzidos apenas para vantagem dos próprios experimentadores, de seus financiadores comerciais, e da indústria de criação de animais de laboratório. Eles preenchem uma função de álibi. Jamais houve uma prova estatística científica de que seus resultados são aplicáveis para seres humanos;

— Muitas das doenças contemporâneas não são orgânicas, mas possuem causas psicológicas, sociais, dietéticas, ambientais ou em estilo de vida inadequado. A ciência médica oficial, no entanto, não possui tratamentos causais a oferecer. Não podem ao menos curar um resfriado comum, ou reumatismo, artrite, câncer, nem qualquer das doenças milenares, mas mais do que isso, as multiplicam, inventando ainda novas doenças (ex.: Herpes, AIDS, etc.). Tentando apenas livrar o doente dos sintomas, e impedindo que este reconheça e elimine as causas;

— Com seu maior consumo de animais de laboratório do mundo, os EUA deveriam ser também o país mais saudável do mundo, mas é um dos países mais doentes e é o 17º em expectativa de vida, estando atrás de diversos países subdesenvolvidos onde tais experimentações são praticamente desconhecidas;

— Cuidados com a saúde requerem, antes de tudo, a prevenção, além da aplicação de uma ou várias disciplinas que tem sido ignoradas pela medicina oficial devido à sua obsessão pela experimentação animal, como por exemplo a dietética, psicossomática, a psicoterapia, a observação clínica, ambientalismo, epidemiologia, vegetarianismo, reabilitação, homeopatia, osteopatia, quiroprática, naturopatia, macrobiótica, diatermia, oligoterapia, eletroterapia, hidroterapia, helioterapia, aromaterapia, curas pela fé, herbalismo, acupuntura, jejuns e mais, que têm se provado efetivos, e econômicos ainda por cima;

— A medicina deve se referir à pessoa como um todo, adotar métodos que relacionem as causas aos pacientes, ao invés de aplicar a medicina veterinária aplicada ao ser humano, que no melhor substitui os sintomas agudos com doenças crônicas, mas frequentemente criam novas doenças;

— As escolas veterinárias devem seguir os mesmos princípios humanos: nenhuma intervenção artificial e violenta em animais saudáveis para infringir-lhes doenças e mutilações, ou para dessensibilizar os estudantes; mas sim estudos cuidadosos e tratamentos simpatéticos de doenças espontâneas e acidentes naturais;

— Por todas estas razões, exigir a total abolição (proibição por lei) de todos os experimentos com animais não é apenas possível, mas necessário.

É também uma característica marcante do Movimento Abolicionista, e do movimento ambientalista de forma geral, a relação ambígua com a ciência, ou seja, utilizar a própria ciência para combatê-la.

Deste modo, os argumentos, considerados pelos abolicionistas como científicos, contrários à experimentação animal partem, de maneira geral, do princípio básico de que trata-se de um enorme erro supor que espécies diferentes reajam de maneira semelhante a determinadas drogas ou substâncias. Existem diferenças entre os indivíduos, quanto aos hábitos, formas de locomoção, respostas aos estímulos, raciocínio, estrutura corporal e celular, reações às doenças, entre outros fatores, que são ignoradas pela experimentação animal; diferenças estas que geram diferentes respostas aos medicamentos entre as espécies.

A crítica também consiste no fato de que muitos efeitos colaterais não podem ser identificados em animais, tais como dor de cabeça, confusão mental, formigamento, mal estar, entre outros, pela dificuldade que os animais de laboratório têm de expressá-los. Isso pode representar um sério perigo, pois drogas consideradas seguras após testes em animais podem se mostrar fatais a seres humanos quando lançadas no mercado.

Diversos exemplos disto podem ser citados, como o efeito cancerígeno da sacarina em ratos, os diferentes efeitos da morfina em seres humanos, gatos, cabras e cavalos; ou mesmo as tentativas frustradas de infectar chimpanzés com o vírus HIV. Ou também dos trágicos casos das drogas Talidomida, Zomax e Diethylstilbestrol (DES), consideradas seguras após testes em animais, mas de efeitos devastadores para a saúde humana. Outras, como Fenilbutazona (Butazolidina®) e Oxifenilbutazona (Tanderil®), apresentam ações muito diferentes no homem e

nos demais animais; o homem metaboliza 15% da dose de fenilbutazona administrada, em um período de 24 horas, enquanto a maioria dos animais testados leva apenas 2 horas para metabolizar a dose total administrada (dados de cães, coelhos e equinos); quanto à oxifenilbutazona, o homem precisa de 72 horas para metabolizar metade da dose administrada, ao passo que o cão só requer meia hora; ambas as drogas foram implicadas na morte de dez mil pessoas, por isso seu uso é proibido ou restrito. (Greif & Tréz, 2000).

Outro ponto destacado é a preocupação de que agentes potencialmente úteis à saúde humana sejam recusados por apresentarem resultados adversos quando testados em animais, não vindo a chegar ao mercado. Somente testes clínicos, em humanos, poderiam comprovar a falha do modelo animal. O Lítio, usado no tratamento de distúrbios afetivos (psicose maníaco- depressiva) do ser humano, é um bom exemplo. A mesma substância, quando usada em animais, não apresenta qualquer indício de tal valor terapêutico; ou seja, a pesquisa em animais nunca levaria à descoberta do lítio como agente terapêutico. A própria Aspirina, amplamente utilizada como antitérmico e anti-inflamatório em humanos, pode causar, mesmo em doses muito baixas, efeitos fatais ou defeitos fetais em determinados animais. Outro exemplo, muito mais simples, é o caso da sacarina, que possui efeito cancerígeno em ratos. Estes animais possuem uma globulina (espécie de proteína) que, ao reagir com a sacarina, resulta em neoplasia vesical. A substância chegou a ser proibida durante algum tempo nos EUA, até que se verificou que seu consumo não oferecia qualquer risco à saúde humana, pois o homem não produz a tal globulina. (Greif & Tréz, 2000).

Uma longa lista relata alguns exemplos de efeitos distintos de substâncias, geralmente de uso farmacêutico, em animais usados nos processos de testes e seres humanos (Anexo I).

Para reforçar seu argumento de que as diferenças fisiológicas entre as espécies fazem da experimentação animal um erro metodológico, os abolicionistas ressaltam as maiores tragédias humanas provocadas pelo uso de produtos previamente testados em animais, e que tiveram permissão para entrar no mercado. Exemplos como o da Talidomina, aprovada para o consumo humano após uma série de testes em animais, indicada para aliviar náuseas e insônia em gestantes, e que causou mais de dez mil defeitos congênitos e três mil casos de natimortalidade; ou da Fenilbutazona, indicada como anti-inflamatório, e também considerada segura após testes em animais, que causou mais de dez mil mortes; são exaustivamente utilizados.

O próprio cigarro, responsável pela morte de quatro milhões de pessoas por ano, cerca de cinquenta por hora, é também utilizado como exemplo, uma vez que os testes com o objetivo de induzir câncer de pulmão em animais não obtiveram sucesso algum. Fosse por inalação, injeção, alimentação ou absorção cutânea de tabaco e derivados, camundongos e coelhos, dentre outros animais, não desenvolveram sinais da doença. E isto foi utilizado durante anos pela indústria tabagista para negar a relação entre o tabaco e o câncer. Greif & Tréz (2000) destacam a declaração feita em 1996 pelo então presidente da Phillip Morris, William Campbell: “Pelo que sei, não foi provado que o cigarro causa câncer. Me baseio no fato de que tradicionalmente existe, em termos científicos, obstáculos relacionados à causa, e até o presente momento não se conseguiu reproduzir câncer em animais a partir do cigarro”.

Embora o grupo refute completamente as técnicas de redução e refinamento anteriormente citadas, grande atenção é dada à substituição. Enquanto o Movimento do Bem Estar Animal, ao promover tais técnicas, admite a existência de casos, principalmente ligados ao ensino, em que a utilização de animais é indispensável, os abolicionistas defendem que os métodos alternativos podem substituir completamente, e de maneira satisfatória, a utilização de seres sencientes. Modelos e simuladores mecânicos, muitas vezes mais baratos do que o custo de manutenção de um animal vivo; filmes e vídeos interativos, cuja durabilidade, capacidade de repetição e riqueza de detalhes não pode ser alcançada pelos modelos vivos; simulações computadorizadas e realidade virtual, possibilitando o uso de técnicas de imagem de alta qualidade em diagnósticos, além da capacidade de adaptação às necessidades de cada pesquisador ou aluno; e as experiências in vitro, como culturas de tecidos, células ou micro-organismos; estão entre os exemplos de métodos que eliminariam completamente a necessidade da experimentação animal.

É claro o esforço deste grupo em manter a discussão dentro do âmbito científico. A Ciência possui um status privilegiado dentro da sociedade ocidental moderna, e a força de seus argumentos muitas vezes é decisiva na resolução de uma controvérsia. Parece seguro, portanto, assumir que a utilização de tais argumentos contra a própria experimentação animal seja a estratégia mais indicada. No entanto, o problema não pode ser considerado como puramente científico, visto que existe uma importante questão moral por trás do conflito: independente da existência ou não de benefícios, podemos tratar os animais desta maneira?