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O termo assincronia, ou “out syng” em inglês, significa, exatamente, estar fora de sincronia em seu processo de desenvolvimento, ou seja, apresentar descompassos no desenvolvimento quando comparados aos seus pares, tanto internamente quanto externamente (SILVERMAN, 1997, 2002; SAGAKUTI, 2017).

De acordo com Sakaguti (2017), em qualquer contexto as crianças superdotadas apresentam disparidades no seu desenvolvimento quando comparadas aos seus pares. Contudo, ao limitar o assincronismo a somente uma característica emocional, na qual as habilidades intelectuais encontram-se mais desenvolvidas que as demais, corre-se o risco de não compreender com plenitude a complexidade desse fenômeno. Assim, a autora alerta que:

O termo assincronismo, por ora, entendido como uma disparidade entre os níveis cognitivo e afetivo- emocional no transcurso do desenvolvimento, vem sendo perpetuado na área das AH/SD enquanto uma “característica” do indivíduo superdotado, um fenômeno inerente à condição de superdotação (SAGAKUTI, 2017, p. 109).

Sakaguti (2017) indica que o estudo sobre as diferenças individuais entre alunos superdotados, especialmente no que se refere ao assincronismo, apresenta-se como um marco na definição de superdotação, uma vez que até então as investigações priorizavam os aspectos cognitivos, em detrimento as dimensões socioemocionais (VIRGOLIM, 2014). As primeiras investigações sobre os aspectos socioemocionais de alunos superdotados remetem as pesquisas de Hollingworth, Terman, Roeper e Terrasier (SAKAGUTI, 2017).

Segundo Alencar (2001), Hollingworth, no início do século XX, realizou um estudo com alunos que apresentavam QI muito elevado. Nessa investigação, Hollingworth constatou três dificuldades principais na amostra estudada por ela. A primeira faz menção as práticas inadequadas do contexto escolar, isto é, o descompasso entre as demandas da escola e as competências pessoais do aluno superdotado. Como consequência, esses alunos passavam muito tempo alheios a realidade.

A segunda dificuldade observada por Hollingworth refere-se as relações sociais. Embora os estudantes superdotados com QI elevado se empenhassem em ter amigos, os seus pares cronológicos não partilhavam dos mesmos interesses;

levando-os a apresentar dificuldades na interação social. Por fim, Hollingworth constatou que esses estudantes evidenciavam uma certa vulnerabilidade emocional, devido a sua alta capacidade para entender e se envolver com questões éticas e filosóficas, antes de se mostrarem emocionalmente capazes para lidar com essas situações (ALENCAR, 2001).

A partir dessas evidências percebemos que o foco central do estudo de Hollingworth foi o ajustamento socioemocional de alunos com alto potencial cognitivo, conforme aponta Sakaguti (2017). Nesse mesmo sentido, Virgolim ressalta que:

Coube a Leta Hollingworth, professora da Universidade de Columbia, o mérito pelo pioneirismo de considerar a necessidade de a escola tomar para si a tarefa de educar e treinar as crianças com potencial superior, tanto para o seu próprio bem-estar quanto para o da sociedade em geral (VIRGOLIM, 2014, p. 33).

O estudo longitudional de Terman (1965), realizado com 1.528 sujeitos superdotados constatou que, diferentemente da ideia predominante à época, os

superdotados apresentavam, além de um alto potencial intelectual, um desenvolvimento físico mais acelerado, além de apresentarem mais ajustamento social e emocional. Por outro lado, as investigações envolvendo estudantes com um QI muito elevado (igual ou superior a 180) indicam para a presença de problemas socioemocionais, os quais apresentam-se com menos frequência em indivíduos com QI até 170 (ALENCAR, 2001).

De acordo com Virgolim (2014), a pesquisa de Terman corroborou para a compreensão de que os sujeitos com alto potencial se diferenciam entre si de diversas maneiras, não constituindo, assim, num grupo homogêneo. Entretanto, segundo a autora, o estudo de Terman possui limitações, de modo que:

(...) várias críticas e observações podem ser feitas com à amostra e à metodologia usadas, como, por exemplo: o fato de os alunos estudados serem predominantemente de classe média-alta branca e provenientes de uma mesma cultura, de terem pais com alta educação formal, ocupando cargos mais altos, de forma que os filhos cresceram em ambientes mais favoráveis; o fato de a nominação de professores ter privilegiado indivíduos com potencial acadêmico superior em detrimento de alunos que se destacassem pela criatividade ou liderança, por exemplo; o fato de que os fatores ambientais, como status socioeconômico e influências ambientais dos membros de grupos minoritários; e ainda o fato de a inteligência ser considerada um fenômeno fixo e unifacetado, preditiva do sucesso profissional (VIRGOLIM, 2014, p. 35).

As investigações de Annemarie Roeper, por sua vez, indicam que as emoções e o intelecto dos sujeitos superdotados diferem dos seus pares. Para a autora, a superdotação deve ser observado como uma unidade, sem distinção, como superdotação física, intelectual ou criativa (SAGAKUTI, 2017).

Jean-Charles Terrasier, psicólogo clínico francês, fundou a primeira associação voltada ao atendimento de alunos superdotados. Durante o período em que trabalhou com essas crianças, Terrasier observou que o desenvolvimento das diferentes esferas se encontrava em descompasso. Assim, o psicólogo usou o termo

“síndrome da dissincronia” para descrever o desenvolvimento heterogêneo de crianças superdotadas (SAGAKUTI, 2017; TERRASIER, 1994).

Em suas investigações Terrasier (1994) observou a existência de diversos tipos de dissincronia, as quais denominou como: psicomotora; intelectual-afetiva, dissincronia entre as diferentes áreas da dimensão intelectual e, por último, a dissincronia social.

A dissincronia intelectual-psicomotora se caracteriza pela precocidade no plano intelectual em descompasso com o aspecto psicomotor. O autor observou que, usualmente, os alunos superdotados apresentam um desenvolvimento acelerado no nível intelectual, mostrando-se precoces na aprendizagem da leitura; contudo, apresentam dificuldades relacionadas a aprendizagem da escrita, uma vez que o aspecto psicomotor não acompanha a sua agilidade mental.

A dissincronia intelectual-afetiva faz menção a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e o afetivo da criança superdotada. Segundo Terrasier (1994), esse indivíduo possui uma alta receptividade informações; no entanto, geralmente pode não estar preparado para lidar emocionalmente com essas informações, levando-a a experimentar quadros de ansiedade e medo. Desse modo, para o autor, “esta riqueza receptiva de informaciones, esta capacidade de elaborar asociaciones, van a contribuir a esta riqueza de contenidos que se encuentra em la neuroses de los niños superdotados” (TERRASIER, 1994, p. 02).

A dissincronia entre as diferentes áreas do desenvolvimento intelectual se caracteriza pela forma diferenciada da aquisição verbal em relação ao raciocínio verbal e não- verbal, segundo o autor “la mayoría de las veces, que la edad mental relativa a las adquisiones verbales no llega a edad mental del razonamiento verbal y no verbal (TERRASIER, 1994, p. 02). Por fim, a dissincronia social refere-se ao descompasso entre o desenvolvimento social do superdotado com os seus pares escolares (SAKAGUTI, 2017).

Segundo Terrassier (1994), a dissincronia consiste num conjunto de comportamentos que podem manifestar-se sob dois aspectos: a dissincronia interna, a qual remete ao desenvolvimento intelectual precoce em descompasso com os seus pares cronológicos; e a dissincronia social, que leva a dificuldades da criança superdotado com o seu ambiente social (TERRASIER, 1994; SAGAKUTI, 2017).

Nesse sentido, para Landau (2002), a criança superdotada pode encontrar dificuldades quando há falta de equilíbrio entre o desenvolvimento intelectual e emocional. De modo que:

Podemos comparar a criança superdotada ao fundista-o atleta que corre longas distâncias-porque está adiante da maioria. Porém, é muito provável que essa posição de frente evidencie-se mais no aspecto intelectual e a criança encontre-se emocionalmente solitária (LANDAU, 2002, p. 27).

Segundo Silverman (1997, 2002), as disparidades entre as esferas do desenvolvimento se intensificam naqueles estudantes que apresentam Q.I elevado, uma vez que indica uma maior discrepância entre a idade mental e a idade cronológica da criança.

Assim, diferentes estudos (SILVERMAN, 1997, 2002; REIS, RENZULLI, 2004;

VIRGOLIM, 2010; SABATELLA, 2012) aquiescem que apresentar um desenvolvimento assincrônico resulta em inúmeras dificuldades para a criança superdotada, tanto de ordem emocional quanto social.

Em relação as dificuldades socioemocionais, Silverman (1997) indica que ser superdotado implica em viver num constante estado de vulnerabilidade, pois uma criança que apresenta uma maturidade mental de 14 anos combinada com uma maturidade física de oito ano pode vivenciar inúmeros desafios internos; dentre eles, está a vivência de emoções intensas combinadas com a consciência dos perigos existentes no mundo. Essa combinação pode levar a criança a experimentar sentimentos angustiantes como desamparo e desespero, desse modo: “se não formos capaz de ajudá-lo, o superdotado pode desistir, conformar-se ou canalizar suas habilidades para fins destrutivos e anti-sociais” (LANDAU, 2002, p. 27).

De acordo com Silverman (1997, 2002), o assincronismo se mostra mais presente naquelas crianças que são altamente talentosas, mas que também apresentam defasagem na aprendizagem. Para a autora, quando o conceito de superdotação torna-se sinônimo de alto rendimento acadêmico, aqueles estudantes superdotados que apresentam dificuldades no processo de desenvolvimento podem não ser identificados e, portanto, não incluídos. Quando não identificados, esses discentes podem não ter suas necessidades educacionais especiais atendidas, levando os a não desenvolverem de modo pleno as suas potencialidades.