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1.4 A história da legislação no Brasil voltada para a infância e adolescência

1.4.1 O ato infracional e as medidas socioeducativas

O artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente define: “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (CURY et al., 2002, p. 323). Dessa forma, em correspondência com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o estatuto considera o adolescente autor de ato infracional como categoria jurídica, sujeita aos direitos estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral (VOLPI, 1997, p. 63).

O ECA estabelece medidas de proteção, assim como medidas socioeducativas aos adolescentes, sem caráter punitivo, com o objetivo da reinserção social, através do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Incorporam a discussão de que a privação de liberdade só deve ser adotada em casos extremos, devido à ineficácia do sistema penal tradicional baseado na prisão (VOLPI, 1997, p. 64).

Liberati (2006) considera que a legislação é omissa na determinação de como aplicá- las e executá-las. Segundo o autor, há mais de uma opinião acerca da natureza jurídica da medida socioeducativa, principalmente no tocante à existência de caráter sancionatório e punitivo. Alguns teóricos consideram que não há esse caráter e outros que consideram que há

tanto aspectos coercitivos como educativos tendo em vista a Doutrina da Proteção Integral. Para Liberati (2006, p. 369):

Na verdade, a citada lei não pretendeu dar caráter sancionatório-punitivo-retributivo às medidas socioeducativas; porém, outro significado não lhes pode ser dado, vez que estas correspondem à resposta do Estado à prática do ato infracional e, por isso, assumem o caráter de inflição/sanção, a exemplo das penas, e não de prêmio.

A finalidade da medida socioeducativa é reordenar os valores de vida do adolescente e impedir a reincidência; portanto, apesar de sua natureza jurídica sancionatória, sua execução deve ser um instrumento pedagógico.

A seguir encontram-se todas as medidas socioeducativas, previstas no artigo 112 do ECA:

a) advertência;

b) obrigação de reparar o dano;

c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida;

e) semiliberdade; f) internação.

Para todas elas, vale o princípio da incompletude institucional – utilização do máximo possível de serviços na comunidade, responsabilizando as políticas setoriais pelo atendimento aos adolescentes – e da incompletude profissional – resguardo da saúde mental dos educandos e educadores; os educadores não devem cumprir a jornada de trabalho em outros serviços de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Esses princípios visam à garantia plena de direitos, a interferência no processo de desenvolvimento do indivíduo objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social.

A advertência é executada pelo juiz da vara da infância e juventude, é informativa, formativa e imediata.

A reparação do dano prevê a restituição do bem ou ressarcimento à vítima. Pode se constituir em importante instrumento pedagógico e de construção de uma dimensão participativa e solidária do jovem, além do pertencimento sob um duplo ângulo – o jovem que repara e a sociedade que pode desconstruir seus preconceitos e oferecer chances concretas

para trilhar com esses jovens um caminho de responsabilização coletiva e de aposta na ação educativa (INSTITUTO CIDADANIA, 2004, p. 61).

Segundo Liberati (2006, p. 372), a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) “prevê realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”. A partir de sua inserção e convívio com pessoas menos favorecidas e suas necessidades, espera-se que o adolescente reveja seus valores, atitudes e comportamentos, modifique-os e se reestruture em relação ao ato infracional.

As atividades que o adolescente deverá cumprir devem ter como objetivo a descoberta de suas potencialidades a fim de direcionar seu futuro de forma construtiva. Tais atividades não podem ser vexatórias, remuneradas e se caracterizar como trabalho forçado, devem ser cumpridas com carga horária máxima de oito horas semanais e podem ser realizadas nos dias úteis, aos finais de semana e feriados, para que não prejudiquem a frequência escolar e a jornada de trabalho, por prazo máximo de seis meses. O acompanhamento do adolescente deve ser feito por um educador na entidade executora da medida e por um profissional que o guiará nas atividades no local de prestação de serviços comunitários. Destacamos que o educador da entidade executora da medida é responsável pelo adolescente e seu guia (LIBERATI, 2006; SINASE, 2006).

A Liberdade Assistida (LA) trata-se de uma medida restritiva de direitos, se destina aos adolescentes reincidentes ou que cometeram atos infracionais de maior gravidade. Essa medida prevê um atendimento personalizado e individualizado que possibilite a inserção social do adolescente e sua família tendo em vista a escola, trabalho, profissionalização, a integração nos recursos da comunidade e a construção de um projeto de vida individual e junto à sua família. Tais procedimentos devem possibilitar que o adolescente vivencie relações positivas e catalisem sua integração e inclusão social. O prazo previsto em lei é de, no mínimo, seis meses, em que o adolescente deve ser acompanhado por um educador e avaliações periódicas por meio de relatórios precisam ser elaboradas e enviadas ao juiz responsável (CURY et al., 2002; LIBERATI, 2006; SINASE, 2006).

As medidas socioeducativas em meio aberto Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida devem ser executadas preferencialmente em nível municipal e em parceria com o Poder Judiciário, por meio de entidades governamentais ou não governamentais. Há necessidade de acompanhamento da vida social, da proteção, inserção

comunitária, manutenção de vínculos familiares, frequência à escola e inserção no mercado de trabalho e curso de profissionalização.

A Semiliberdade é forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas à Unidade, independentemente de autorização judicial (SINASE, 2006).

A Internação, que implica a contenção e submissão a um sistema de segurança, deve significar apenas restrição do direito de ir e vir e não de outros direitos (saúde, educação, cultura, informação, lazer, etc.). O prazo mínimo é de seis meses e o máximo de três anos, com avaliação a cada seis meses. Há necessidade de permissão para a realização de atividades externas a critério da equipe técnica, salvo determinação judicial.

No estado de São Paulo, a maior parte da execução é realizada em âmbito estadual ou através de convênios entre estado e entidades ou prefeituras. O órgão estadual que coordenada tais ações é a Fundação Casa.

A execução das políticas de atendimento necessita da constituição de uma rede local de proteção integral, que pressupõe a articulação com diversos setores da comunidade local, públicos e privados, incluindo governo, serviços e comunidade: saúde, educação, promoção social, cultura, meio ambiente, trabalho. Os programas de medidas socioeducativas em meio aberto devem integrar-se a essa rede.

As entidades de atendimento ou programas que executam as medidas socioeducativas deverão orientar e fundamentar sua prática pedagógica com base nas seguintes diretrizes:

De acordo com o Sinase (2006, p. 52):

As ações socioeducativas devem exercer uma influência sobre a vida do adolescente, contribuindo para a construção de sua identidade, de modo a favorecer a elaboração de um projeto de vida, o seu pertencimento social e o respeito às diversidades (cultural, étnico-racial, de gênero e orientação sexual), possibilitando que assuma um papel inclusivo na dinâmica social e comunitária. Para tanto, é vital a criação de acontecimentos que fomentem o desenvolvimento da autonomia, da solidariedade e de competências pessoais relacionais, cognitivas e produtivas.

Para que isso seja possível, o Sinase (2006, p. 52) estabelece que o Plano Individual de Atendimento (PIA) é uma ferramenta importante. Sua elaboração tem início no acolhimento feito ao adolescente no programa de atendimento, a partir do diagnóstico polidimensional e de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família, nas áreas: jurídica (situação processual e providências necessárias); saúde (física e mental); psicológica (aspectos afetivo- sexuais, dificuldades, necessidades); social (relações sociais, familiares e comunitárias); e pedagógica (estabelecimento de metas relativas à “escolarização, profissionalização, cultura, lazer e esporte, oficinas e autocuidado”).

De acordo com Costa (2006), os fundamentos pedagógicos da ação socioeducativa baseiam-se nos quatro pilares da educação do relatório “Educação, um tesouro a descobrir”, elaborado por Jacques Delors a pedido da Unesco e publicado em 20066

Aprender a ser – definido como “competência pessoal”, considerando a forma como a

pessoa se relaciona consigo mesma, o que indicará a qualidade do relacionamento com os outros. Nesse sentido, o papel do educador é compreender e aceitar o adolescente em sua singularidade para que este se valorize mais.

, a saber: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer.

Aprender a conviver – implica uma competência relacional, a forma como o

adolescente estabelece suas relações interpessoais, como a solidariedade e cidadania. Para Costa (2006, p. 456-457), essa competência implica não agredir o semelhante, aprender a se comunicar, a interagir, a decidir em grupo, a se cuidar, a cuidar do luar em que vivemos, a valorizar o saber social.

Aprender a fazer – tem relação com a capacidade da pessoa de se inserir e se manter

no mercado de trabalho, tendo em vista habilidades básicas (leitura, escrita e cálculo), habilidades específicas (atitudes, conhecimento técnico e competência) e habilidade de gestão (relativas ao empreendedorismo e geração de trabalho e renda).

Aprender a conhecer – tem relação com habilidades cognitivas para trabalhar com o

conhecimento, como o autodidatismo ou aprender a aprender, o desenvolvimento de habilidades didáticas e construir conhecimento.

O educador deve desenvolver a ação pedagógica a partir desses fundamentos pedagógicos, que, por sua vez, devem estar imbricados com fundamentos filosóficos, jurídicos, históricos, políticos, sociológicos e éticos (COSTA, 2006).

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