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3 A RECONFIGURAÇÃO DO BLOCO HISTÓRICO

3.2 O AVANÇO ORGANIZADO DA CLASSE TRABALHADORA

O crescimento econômico baseado na industrialização elevou o número de postos de trabalho no setor secundário de 2,9 milhões em 1960 para 10,7 milhões em 1980, forjando uma poderosa classe operária. Como é sabido, a acumulação capitalista no período contou com o apoio adicional do governo militar que, além de não permitir greves, falsificava os índices de inflação. Obviamente essas práticas afetavam diretamente os assalariados. E, a despeito das proibições, ainda em 1978 despontaram as primeiras greves no ABCD paulista, após dez anos sem mobilizações desse tipo no Brasil (AMARAL, 2003).

As greves logo se espalharam pelo país. Essas mobilizações eram causa e conseqüência do enfraquecimento do regime que, no entanto, ainda reprimia violentamente as ações dos trabalhadores que nem sempre eram vitoriosas do ponto de vista econômico, apesar dos ganhos políticos.

A repressão e a falta de uma representação política levaram os líderes grevistas – que ficaram conhecidos como “novos sindicalistas” – a perceber a necessidade de superar o caráter corporativista inerente ao sindicalismo e partir para a criação de um partido político que estivesse organicamente vinculado à classe trabalhadora. As lutas travadas pela classe operária brasileira lhe ensinaram que os embates diretos contra patrões e governo não seriam suficientes para transformar a realidade. Era indispensável um instrumento para disputar a sociedade civil e conquistar o Estado.

Os opositores moderados do Regime Militar tentaram capitalizar essa reação da classe operária, mas aqueles que viriam a ser os fundadores do Partido dos Trabalhadores rechaçavam essas tentativas:

42 A campanha liderada por um amplo espectro político buscava, através da mobilização popular,

pressionar os deputados a aprovarem a emenda constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) prevendo o re-estabelecimento de eleições diretas para presidente da República em dezembro de 2004.

O MDB, pela sua origem, pela sua ineficácia histórica, pelo caráter de sua direção, por seu programa pró-capitalista, mas sobretudo pela sua composição social essencialmente contraditória, onde se congregam industriais e operários, fazendeiros e peões, comerciantes e comerciários, enfim, classes sociais cujos interesses são incompatíveis e onde, logicamente, prevalecem em toda a linha os interesses dos patrões, jamais poderá ser reformado (PT, 1979, p.3).

E buscavam reforçar o caráter de classista do partido:

[...] o PT recusa-se a aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões! (PT, 1979, p.5)

É verdade que o novo sindicalismo não possuía vinculação ideológica com o marxismo. Mas a aproximação de grupos marxistas e a falta de conceitos formados pelos sindicalistas sobre socialismo e democracia possibilitaram que esses agrupamentos influenciassem na conformação ideológica do PT e contribuíssem decisivamente para sua constituição (SINGER, 2001; AMARAL, 2003).

O PT contou ainda com o apoio de intelectuais, parlamentares da esquerda do MDB e de setores progressistas da Igreja Católica organizados nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Outro poderoso instrumento criado pela classe trabalhadora na década de 1980 foi a Central Única dos Trabalhadores, fundada em 1983. A CUT, também fruto do novo sindicalismo, torna-se já na segunda metade década de 1980 a principal central de trabalhadores do Brasil congregando as principais correntes sindicais de esquerda. A nova central teve papel de destaque nas lutas dos trabalhadores na década de 1980: organizou quatro greves gerais contra a política econômica do governo; realizou lutas políticas e interveio fortemente na Constituinte de 1988, obtendo êxito na constitucionalização de direitos sociais e trabalhistas já existentes e na criação de novos direitos constitucionais para os trabalhadores (BOITO, 1999).

Percebe-se então um nítido avanço da classe trabalhadora durante o período, conquistando espaço político, positivando direitos e adquirindo consciência de classe – o que é essencial na disputa pela hegemonia.

Esse avanço encontra explicações na estrutura e na superestrutura. Primeiramente, a alta inflação dos anos 1980 tornava as lutas por recomposições salariais um imperativo da realidade objetiva, pois era a sobrevivência dos trabalhadores que estava em jogo. Esses embates, além de fazer avançar a consciência, ampliam a capacidade de organização daqueles que lutam preparando-lhes para desafios maiores.

Nesse momento, muitos intelectuais se aproximaram da CUT e, principalmente, do PT. Eles contribuíram na formulação das plataformas políticas – conferindo-lhes algum grau de coerência e realidade – mas também na própria disputa por hegemonia, utilizando dos meios que dispunham para divulgar o partido. Esses intelectuais também trabalharam na qualificação dos novos quadros através de cursos de formação política.43

Contando com o apoio dos intelectuais que atraíram e dos que formaram, o PT e a CUT conseguiram canalizar e direcionar a forte tensão social para a disputa política. Transformaram lutas por ganhos e recomposições salariais em um enfrentamento global contra a classe dominante. A plataforma de ambos à época trazia pontos como o não pagamento da dívida externa e estatização dos bancos, além de um genérico discurso socialista44 que atraia militantes de esquerda sem, no entanto, afastar por completo setores mais moderados.

Enfim, o questionamento à política econômica, os ataques ao grande capital nacional e multinacional e a propagações de idéias socialistas e ou social democratas foram decisivas para enfraquecer o bloco no poder. O fato é que a classe dirigente não conseguiria manter-se no poder sem se reformular, sem incorporar e apresentar à sociedade um novo projeto político-ideológico que explicasse a crise e apresentasse as soluções para superá-la.

43 A CUT possui escolas de formação política em diversas regiões do Brasil, já o PT possui uma

secretária nacional de formação. Independente desses órgãos formais, o PT, nos seus anos iniciais, se preocupava com a formação e qualificação de militantes, o que contribuiu sobremaneira para o crescimento do partido.

44 Boito (1999, p. 139) aponta o caráter vago em que o termo era utilizado “[...] o conteúdo desse

socialismo, bem como os meios para se chegar a ele, nunca foram bem definidos – a CUT e o PT faziam questão de não defini-los, argumentando que o socialismo no Brasil deveria ser (re) inventado.” Todavia é inegável que essas organizações bebiam nos teóricos socialistas e, de certa forma, acabavam por divulgar (as variadas vertentes) do mesmo.