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2.5 OS ATORES DO PROCESSO

2.5.3 A reinvenção dos bancos comerciais

Para concluir a análise dessa nova configuração da estrutura da classe dominante no capitalismo contemporâneo, resta pôr em foco agora a posição da fração controladora dos tradicionais bancos comerciais, outrora principal instrumento de canalização de recursos através da clássica captação de depósitos e concessão de empréstimos individualizados.

As transformações acima examinadas colocaram em xeque o papel dos bancos comerciais. O redirecionamento da poupança de empresas e famílias para os investidores institucionais, a expansão do mercado de títulos (em virtude do processo de securitização), a ampliação da concorrência estrangeira decorrente da globalização financeira e as novas pressões competitivas surgidas com a desregulamentação financeira forçaram os bancos comerciais a se reinventar (CARVALHO, 2007b).

Nesse ajustamento às novas condições, muitos bancos faliram ou foram adquiridos. Alguns padeceram devido a regulamentações residuais ou por inércia da administração como no caso das Instituições de Poupança e Empréstimo na década de 1970 nos EUA (Saving & Loans – S&Ls)30 e no caso dos bancos brasileiros na década 1990 que não souberam manter os lucros com o fim dos ganhos com o floating inflacionário. Também ocorreram falências decorrentes de tentativas fracassadas de se aproveitar as novas possibilidades criadas pelas finanças globalizadas, como a do banco alemão Herstatt em 1974 que quebrou devido a perdas nos mercados de câmbio (CHESNAIS, 2005). Um fato em comum a todos esses eventos é a intervenção dos governos nacionais para salvar, com dinheiro público, os bancos falidos e ou facilitar a aquisição destes por outros em situação melhor.

A saída encontrada pelos bancos comerciais foi intensificar sua universalização, ou seja, atuar efetivamente como bancos múltiplos. A idéia é superar a intermediação básica e se transformar em “Supermercados Financeiros”. Para tanto, os bancos comerciais mais fortes iniciaram um forte movimento de fusões e aquisições de concorrentes e de bancos

30 As S&L eram concessoras de empréstimos hipotecários que captavam poupança e que contavam com a

garantia do governo. Com o aumento da taxa de inflação nos anos 70, o custo de captação aumentou, mas dado o lento giro das carteiras hipotecárias, as receitas não acompanharam esse aumento e o sistema tornou-se insolvente em 1989 (GREESPAN, 2007).

de investimentos, buscando otimizar seus processos operacionais e atuar em novos mercados. (CARVALHO, 2007b).

Nessa mesma linha, Michel Aglieta ressalta o papel das inovações financeiras como causa da reinvenção dos bancos:

As inovações financeiras colocaram os bancos em uma situação desconfortável. A sua função tradicional de intermediário, de dar crédito e angariar depósitos, foi atacada pelas duas pontas. Financiamentos de mercado menos onerosos fizeram-nos perder bons clientes entre as grandes empresas. Instrumentos de aplicação mais rentáveis desviaram a poupança das famílias, que abandonaram parcialmente os depósitos. Para resistir a essa pressão concorrencial, os bancos tiveram de comprimir suas margens e desenvolver atividades em novos domínios abertos pela inovação financeira. (AGLIETA, 2004, p. 75)

Desta forma, a fração da burguesia controladora dos bancos comerciais ao invés de se opor ao movimento de financeirização da economia buscou, com relativo sucesso, incorporar-se a ela diversificando suas atividades e buscando operar como ofertante de “serviços financeiros”. O quadro 1 traz a segmentação de negócios do Unibanco (que não é muito diferente para os demais bancos) e revela como a atuação de um banco múltiplo com carteira comercial está plenamente integrada a nova fase do capitalismo, englobando tanto as atividades clássicas como as dos investidores institucionais, incluindo, ainda, a de fundo de investimento e corretora de seguro, além da incorporação de outras atividades como operadora de cartões de crédito, financeira e sociedade de capitalização.

Varejo Atacado Seguros e Previdência Privada Gestão de Patrimônio

• Pessoas Físicas de renda alta, média e baixa

• Empresas de Grande

Porte • Vida

• Administração de recursos de terceiros

• Pequenas e médias empresas • Investidores Institucionais • Saúde • Private Banking • Cartões de Crédito • Trade Finance • Previdência

• Financiamento ao consumo • Bancos Correspondentes • Automóvel • Financiamento de veículos • Bancos de Investimento • Lar

• Financiamento Imobiliário • Produtos e serviços • Garantia Estendida • Capitalização • Project Finance • Outros ramos elementares • Poupadores e Aposentados • Corretora

• Cash Managment

Quadro 1 – Segmentação de negócios do Unibanco Fonte: UNIBANCO (2008)

Vemos, portanto, que a reação dos demais atores ante o avançamento dos investidores institucionais, não foi o de defender suas antigas posições, mas sim a de se inserir no movimento em curso.

O crescente poder das finanças forjou uma nova fração que se impôs dentro da classe que compõe e também sobre as demais classes, ou seja, ela se tornou hegemônica no sentido gramsciniano31 do termo e, portanto, apta a controlar o Estado. Concluímos esse capítulo com uma passagem de Roberto Grun onde ele reúne as idéias propagadas pelos integrantes dessa fração:

[as finanças] Elas são absolutamente necessárias para a sociedade, uma vez que só por intermédio delas somos capazes de manter uma vigilância eficiente sobre os atores econômicos, principalmente empresas e países, obrigando-os a adotar o comportamento racional. Essa vigilância se exerce por meio do recurso sistemático à ‘arbitragem’ – a capacidade de os mercados financeiros perceberem o comportamento anômalo de qualquer agente (uma empresa que usa mal seu potencial, um governo que mantém sua moeda ‘artificialmente’ valorizada ou desvalorizada ou mantém um regime inflacionário) – e punir esse ator irresponsável, atacando-o. Por exemplo, preparando uma oferta hostil de compra, o take-over, sobre a empresa em questão ou um ataque à moeda do país ‘malgovernado’. Dessa maneira, a vigilância do mercado é vista como o principal instrumento que a sociedade tem para se manter eficiente. E, magicamente, os interesses financeiros privados dos operadores, que podem receber fortunas pelos atos de arbitragem realizados nos mercados, acabam se tornando uma virtude pública. (GRÜN, 2004, p.22)

No próximo capítulo veremos os reflexos da financeirização sobre o Brasil. O abandono do projeto desenvolvimentista dirigido pelo Estado e a implementação do projeto neoliberal – que delega ao mercado e aos fluxos internacionais de capitais a responsabilidade pelo crescimento econômico – foi essencial para que o movimento ocorrido nas principais economias do planeta tivesse a sua versão brasileira.

31 Esta e as demais categorias gramscinianas utilizadas neste trabalho serão caracterizadas no próximo