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2.5 OS ATORES DO PROCESSO

2.5.1 Os investidores institucionais

Até aqui analisamos os caminhos percorridos pela finança rumo à posição de centralidade das decisões econômicas e políticas. Todo esse poder não é exercido por entes abstratos, mas sim por seres reais que agem de acordo com os seus interesses e os daqueles que representam. E são justamente os detentores/controladores dessa massa de capital financeiro que passam a ditar as novas regras, seja aos governos seja às empresas.

Esses capitalistas patrimoniais ficaram conhecidos como Investidores Institucionais e controlavam em 2004 um montante em bens e direitos superior a 45 trilhões de dólares, valor equivalente a 150% do PIB dos países da OCDE (FMI, 2004). Esses investidores centralizam e administram poupança coletiva buscando sua valorização através de investimentos reais e, principalmente, financeiros. Sua origem, em grande parte, remonta aos regimes profissionais de previdências, criados sobre a pressão dos sindicatos para assegurar uma renda futura ao trabalhador15. Esses regimes de previdência recebem contribuições de empregados e patrões e objetivam assegurar uma

15 Essa renda seria uma função da idade, do número de contribuições e do nível salarial (SAUVIAT,

aposentadoria satisfatória aos trabalhadores, por isso ficaram conhecidos como fundos de pensão.

Por conta de suas particularidades históricas, Estados Unidos e Inglaterra foram os principais berços dos fundos de pensão nos moldes em que conhecemos hoje. Nesses países, a rede de seguridade social nunca atingiu o nível de proteção de outras nações desenvolvidas como França e Alemanha e, menos ainda, dos países escandinavos. Na Inglaterra, as baixas aposentadorias oferecidas pelo sistema público a partir da Segunda Guerra são um dos principais responsáveis pelo sucesso dos fundos de pensão. Já nos EUA, a difusão do individualismo – componente do etos dessa nação – pelos empregadores, fez nascer, desde o início do século XX, importantes caixas de aposentadoria de empresas16 (FARNETTI, 1998).

Vale ressaltar que tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos também foram criados regimes públicos de previdência e assistência social. Entretanto, os valores pagos eram muito inferiores aos salários recebidos pelos trabalhadores quando na ativa, assumindo mais um caráter de assistência do que de previdência.

Nos países em que os regimes públicos de previdência se estabeleceram com vigor e, em especial, pagando benefícios aos aposentados e pensionistas em valores próximos ao que recebem os trabalhadores da ativa, os fundos de pensão tiveram um desenvolvimento mais lento.

É auto-explicativo o fraco desenvolvimento dos fundos de pensão nos países com regimes públicos de previdência do tipo descrito acima. Estes regimes, que se fortaleceram na era de ouro, passaram a ser questionados pela onda neoliberal em sua busca por fortalecer o mercado de previdência privada. Ademais, essa ofensiva se inseria num conjunto mais amplo de proposições neoliberais que objetivavam desmontar o Estado de Bem-Estar Social

16 Nos EUA também se desenvolveram grandes fundos de pensão ligados ao Setor Público. A CALPERS

– fundo de pensão dos empregados públicos do Estado da Califórnia, fundada em 1931 – e a TIACREF fundo de pensão dos professores do Estado de Nova York, fundada em 1918 – estão entre os maiores do país.

Acentuando o movimento de ataque aos regimes públicos de previdência, estes passaram a integrar o rol dos “vilões” do déficit público e, logo, dos males dele decorrentes. A mudança na estrutura demográfica – aumento do número de beneficiados e redução dos contribuintes, em função, respectivamente, do aumento da expectativa de vida e da queda na taxa de natalidade – levaria esses regimes a incorrer em progressivos déficits que teriam de ser cobertos por receitas extra-previdenciárias. O aumento do desemprego e da informalidade, derivados da crise do fordismo e do abandono das políticas de pleno emprego, são dois outros fatores que contribuem para o desequilíbrio dos regimes públicos de previdência, apesar de não serem muito mencionados pelos críticos desses regimes.

O fato é que, para além das transformações demográficas, as mudanças ocorridas no plano político e econômico a partir da década de 1970 são fundamentais para explicar a crise dos regimes públicos de previdência. O avanço do projeto neoliberal sobre o Estado de Bem-Estar Social está no cerne dessas mudanças. Nesse quadro econômico- político-ideológico, a reforma dos regimes públicos de previdência passou a ser objetivo prioritário de diversos governos mundo afora. Assim, não desprezando fatores mais estritamente técnicos (como os desequilíbrios desses regimes), em última instância, a redução da rede de seguridade social é conseqüência de decisões políticas. Afinal, as sociedades decidem os caminhos a seguir através de suas instituições, se não de uma forma plenamente livre e consciente, mas ao menos com posturas passivas e algum nível de consciência.

Em alguns países persistem movimentos de defesa dos regimes públicos. Mas, em virtude do avanço neoliberal não apenas na área da previdência, mas também sobre o mundo do trabalho, assim como a difusão dessa ideologia no seio da sociedade, forjou- se um cenário de incerteza e insegurança quanto ao futuro para as classes trabalhadoras. Diante da dificuldade de soluções coletivas, grande parte da classe trabalhadora partiu para soluções individuais buscando segurança futura em fundos de pensão e seguradoras.

O direcionamento de poupança para os fundos de pensão e seguradoras, colocou diante destes atores a missão de encontrar os meios e formas obter o D’ a partir do D captado. Assim, o crescimento do montante de capitais que busca de valorização no circuito

D-D’, associado à integração e liberalização financeira, criou uma demanda por gestores especializados na aplicação desses recursos. A indústria dos fundos de investimentos17 oferta diferentes possibilidades de aplicações que variam de acordo com o perfil dos clientes. Estes fundos ofertam uma gama investimentos que vão dos mais conservadores, como os que operam com títulos de renda fixa, aos mais arriscados, como aqueles que aplicam em renda variável ou câmbio. Há, ainda, fundos super- agressivos como os hedge funds18.

Os fundos de investimento possuem as típicas vantagens da especialização capitalista. Os agentes que acumularam recursos na sua atividade econômica e querem valorizá-los na esfera financeira, ao invés de atuarem por conta própria em um mercado que não conhecem, optam por contratar gestores especializados que atuarão, a priori, de acordo com o perfil do cliente. Além disso, os fundos de investimento, por agregarem poupança coletiva, obtêm economias de escala e de escopo inacessíveis aos investidores individuais.

Os fundos de pensão são os grandes clientes dos fundos de investimento. Com a progressiva substituição dos regimes de benefício definido pelos regimes de contribuições definidas19, o risco dos investimentos realizados pelos fundos foi transferido dos empregadores para os empregados20. Assim, abriu-se terreno para a exteriorização da gestão dos recursos de fundos de pensão assumida pelos fundos de investimento (SAUVIAT, 2005). As frações mais bem remuneradas da classe trabalhadora também demandam o serviço prestado pelos fundos de investimentos, que além de buscar a valorização de sua poupança nos variados tipos de investimento, fazem planos de poupança para a aposentadoria complementar ou para a educação dos filhos.

Outro importante grupo que integra o rol dos investidores institucionais são as companhias seguradoras que, a priori, teriam como atividade principal, conforme

17 Aqui entendida como uma atividade econômica exercida por diversas firmas, em seu sentido jurídico 18 Apesar da denominação hedge fund, esses fundos são extremamente agressivos, possuem um horizonte

de investimento relativamente curto e alteram constantemente seus portfolios.

19 Essa transição ainda está em curso no Brasil na Petrobrás e na Caixa Econômica Federal, que possuem

respectivamente o segundo e o terceiro maiores fundos de pensão do país.

20 Num regime de benefício definido, um eventual desequilíbrio do fundo, com as despesas com os

benefícios pagos aos aposentados superando as receitas com as contribuições pagas pelos trabalhadores da ativa, tem de ser coberto pela empresa, tal qual um governo tem de cobrir um déficit na previdência pública.

definição da tradicional Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida,

indenizar o cliente pela ocorrência de determinado evento ou por eventuais prejuízos previstos no contrato, mediante cobrança de prêmio21. Ou seja, trata-se fundamentalmente de um serviço de administração do risco dos possíveis sinistros. Entretanto, a reunião dos prêmios pagos pelos segurados combinado com o fato de que os sinistros não ocorrem todos ao mesmo tempo, permitem às companhias seguradoras aplicar elevadas somas no mercado financeiro possuindo um poder de fogo similar ao dos fundos de pensão. Essas companhias são particularmente fortes no Japão, na Alemanha e no Reino Unido (FMI, 2004). A tabela 6 comprova o crescente poder dos Investidores Institucionais:

Tabela 6 – Valores sob gestão dos Investidores Institucionais - países da OCDE

1990 1995 2000 2001 2002 2003 Em trilhões de dólares Investidores Institucionais 13,8 23,1 39,0 39,4 36,2 46,8 Companhias de Seguro 4,9 9,1 10,1 11,5 10,2 13,5 Fundos de Pensão 3,8 6,7 13,5 12,7 11,4 15,0 Companhias de Investimento* 2,6 5,5 11,9 11,7 11,3 14,0 Hedge Funds 0,03 0,10 0,41 0,56 0,59 0,8

Outros Investidores Institucionais 2,4 2,2 3,1 3,0 2,7 3,4

Em porcentagem do PIB**

Investidores Institucionais 77,6 97,8 152,1 155,3 136,4 157,2

Fonte: FMI (2004)

* Investment Companies include closed-end managed investment companies, mutual funds and unit investment trusts.

** Total do PIB dos países da OCDE.